Protecionismo atual tem semelhanças com disputas que levaram a guerra mundial, diz historiador:pplivecassino
Professor na UniversidadepplivecassinoExeter, na Inglaterra, o historiador passou as últimas semanas publicando artigos para criticar as tarifas anunciadas por Trump e refutar applivecassinodeclaraçãopplivecassinoque "guerras comerciais são fáceispplivecassinovencer". "Certamente podemos ver as semelhanças com um século atrás na criaçãopplivecassinotensões entre Estados. Tensões que não existiam antes dessas políticas protecionistas", diz.
Segundo ele, um grande erro é ignorar o quanto as economias são conectadas no mundo atual. "Não há vencedorespplivecassinoguerras comerciais."
Codiretor do Global Economics and History Forum (FórumpplivecassinoEconomia e História Global,pplivecassinotradução literal),pplivecassinoLondres, Palen é especialista na intersecção entre o imperialismo do Reino Unido e dos Estados Unidos do século 19 à globalização dos dias atuais.
Ele também autor do livro "The 'Conspiracy' of Free Trade: The Anglo-American Struggle over Empire and Economic Globalisation, 1846-1896" ("A conspiração do livre mercado: a luta anglo-americana por império e globalização econômica, 1846-1896"), lançadopplivecassino2016 pela Cambridge University Press.
Segundo o historiador, o retorno ao protecionismo, assim como a ascensãopplivecassinopolíticas contra imigração, são "um retorno ao status quo que havia antes da Segunda Guerra Mundial", uma reação populista à crise financeira global, e se manifestapplivecassinoforma semelhantepplivecassinovários países do mundo, e que pode levar a uma desintegração sem precedentes da ordem econômica global.
Leia a entrevista abaixo.
pplivecassino BBC Brasil - O senhor argumenta que, cem anos atrás, o protecionismo levou a conflitos internacionais que geraram a Primeira Guerra Mundial. A situação atual é comparável ao que houve então?
pplivecassino Marc-William Palen - É muito difícil prever o futuro, mas há muitas semelhanças ostensivas entre os dois períodos. Um dos aspectos mais marcantes é a dimensão geopolítica do protecionismo, que acaba sendo muito deixadapplivecassinolado. Tendemos a enfocar como as medidas vão afetar consumidores, que também é importante, mas não é o único pontopplivecassinoquestão.
Quem pensaria, dois anos atrás, que haveria animosidade entre os EUA e o Canadá, que por décadas era o maior aliado e parceiro comercial dos americanos. É impressionante que agora haja este climapplivecassinodisputas sobre tarifas sobre aço, tentativaspplivecassinoacabar com o Nafta (Tratado Norte-AmericanopplivecassinoLivre-Comércio, na siglapplivecassinoinglês), o que está gerando grandes tensões entre vizinhos.
Certamente podemos ver as semelhanças com um século atrás nessa criaçãopplivecassinotensões entre Estados. Tensões que não existiam antes dessas políticas protecionistas.
pplivecassino BBC Brasil - Que tipopplivecassinoproblemas geopolíticos o protecionismo pode gerar?
pplivecassino Palen - O foco principal da análise atualmente está sendo a forma como as tarifas vão afetar a economia doméstica, se vai gerar empregos, se vai afetar a Bolsa, como vai mudar os preçospplivecassinocarros… Tudo isso é importante, mas também é importante lembrar que essas tarifas, essas guerras fiscais, vão muito além da esfera doméstica.
Isso é algo que minha pesquisa vê claramente na virada do século 19 para o século 20, quando a ordem econômica global era muito protecionista. Meu estudo mostra que essas guerras comerciais e o protecionismo transformavam amigos e vizinhospplivecassinoinimigos. Essas guerras econômicas têm a tendênciapplivecassinoformar as bases geopolíticas para conflitos militares.
Ainda é muito cedo para saber se isso vai ser ressuscitado no futuro próximo, mas, ao olhar para as relações entre os EUA e o Canadá ao longo do último ano, vemos claramente a mudançapplivecassinotom da relação amigável à animosidade.
pplivecassino BBC Brasil - Que tipopplivecassinoescaladapplivecassinoconfrontos o protecionismo gerou no passado?
pplivecassino Palen - Um exemplo que analisei foi exatamente a relação entre Canadá e os EUApplivecassinomeados do século 19. EUA e Canadá tinham uma relaçãopplivecassinoreciprocidade comercial. Depois da Guerra Civil, o Partido Republicano colocou uma sériepplivecassinobarreiras comerciais nesta relação, o que gerou tensão.
O que tento fazer com minha pesquisa é mostrar que há esta tendênciapplivecassinover o protecionismo como sendo uma anomalia dentro da históriapplivecassinodefesa do livre mercado do Partido Republicano dos EUA. Mas isso realmente não existia até Ronald Reagan nos anos 1980. Na maioria da história do Partido Republicano, ele foi amplamente o partido do protecionismo.
O Canadá frequentemente era o alvopplivecassinoleis protecionistas, o que levou à escaladapplivecassinodisputas entre os dois países, o que quase gerou confrontos militares. A escalada chegou a um pontopplivecassinoque, nos anos 1920, o Canadá tinha planospplivecassinoinvasão dos EUA e vice-versa. Felizmente esse conflito militar nunca chegou a acontecer, mas as chancespplivecassinoconflito foram muito altas.
pplivecassino BBC Brasil - O que criou a atual ondapplivecassinopolíticas protecionistas no mundo? Pode ser ainda reflexo da crise financeira internacional?
pplivecassino Palen - É difícil ver uma resposta clara para esta pergunta. O protecionismo não apareceupplivecassinorepente, e fez parte consistentemente da campanha que levou Trump à Presidência, com o argumentopplivecassinocolocar "os Estados Unidospplivecassinoprimeiro lugar" ("America First").
Trump sempre deixou claro que acha que a globalização e o livre mercado são palavrões - chegando a chamar "livre mercado"pplivecassino"mercado estúpido". O argumento dele é que é importante proteger e gerar empregospplivecassinoalguns setores nos EUA. No caso atual é a indústria do aço e do alumínio. Ele está levando adiante suas promessaspplivecassinocampanha. Só acho que as repercussões dessas decisões não foram muito bem pensadas.
pplivecassino BBC Brasil - O Brasil acabou pressionado por essas decisões, já que é um dos principais mercadospplivecassinoonde os EUA importam aço.
pplivecassino Palen - O aspecto brasileiro dessa questão é muito problemático. O Brasil é um parceiro importante, é o segunda maior fontepplivecassinoimportaçõespplivecassinoaço dos EUA. E, ironicamente, o Brasil também é um grande importadorpplivecassinocarvão americano, que é usado na indústria do aço, que é vendido aos EUA. Então o protecionismo americano, que afeta o Brasil, pode acabar tendo efeitos sobre a produçãopplivecassinocarvão, que também é uma áreapplivecassinointeresse e proteçãopplivecassinoTrump.
pplivecassino BBC Brasil - Canadá e Brasil são os dois países mais afetados pela tarifa sobre o aço, mas a retóricapplivecassinoTrumppplivecassinodisputas comerciais sempre esteve voltada contra a China. O que houve, neste caso? Ele simplesmente errou o alvo, ou realmente queria atingir parceiros como Canadá e Brasil?
pplivecassino Palen - É difícil entender a justificativa dele para isso. O argumentopplivecassinodefesa nacional não faz sentido quando ele fala sobre a China. A forma como o governo Trump está tentando explicar a medida não está muito clara. É difícil saber o quanto ele realmente pensava na China quando decidiu tomar essa medida, maspplivecassinofato os países parceiros são os maiores afetados, não a China.
pplivecassino BBC Brasil - Em uma situação assim, considerando os EUA como a economia mais fortepplivecassinouma disputa comercial, o que um país mais pobre como o Brasil pode fazer para reagir a tarifaspplivecassinouma guerra comercial deste tipo?
pplivecassino Palen - É difícil saber. O governo Trump pode oferecer vantagens a países parceirospplivecassinotrocapplivecassinooutras vantagens na relação. O Brasil sempre pode apelar à OMC (Organização Mundial do Comércio), o que pode ter algum efeito. A ironia é que os EUA foram os grandes responsáveis pelo que se tornaria a OMC, e agora vão passar a ser pressionados por ela. É difícil saber como Trump vai tratar a relação com o Brasil.
pplivecassino BBC Brasil - Trump disse que guerras comerciais são fáceispplivecassinoserem vencidas. O que acha disso?
pplivecassino Palen - A resposta imediata que qualquer historiador e economista daria sobre isso seria que não há vencedorespplivecassinoguerras comerciais, apesar do que Trump falou. É provável que haja alguns setores que vão sair ganhando no curto prazo, como os produtorespplivecassinoaço nos EUA no caso atual, que terão mais lucro. Mas a história sugere que vai haver muito mais perdedores, especialmente entre os consumidores, no longo prazo.
Todos os países envolvidospplivecassinoguerras comerciais, e mesmo os que estão fora dessas disputas, já que vivemospplivecassinouma economia integrada globalmente, vão sair perdendo. É difícil achar que isso não vai afetar a economia global como um todo. E as populações mais pobres vão acabar sendo as mais afetadas, com aumentopplivecassinopreçospplivecassinoalimentos.
pplivecassino BBC Brasil - O que Trump e os EUA têm a ganhar com este tipopplivecassinopolítica protecionista?
pplivecassino Palen - Isso tem um apelo emocional com seus eleitores. Isso ficou claro durantepplivecassinocampanha presidencial, e é um apelo emocional e populista a eleitores que se acham abandonados pela economia global. Os EUA já foram a grande nação industrial e defensora do livre mercado internacional, mas as coisas mudaram.
Não me surpreenderia se ele achasse que está fazendo isso para defender seus eleitores. O problema é que o setor produtorpplivecassinoaço, especificamente, é uma parcela muito pequena dos EUA, e ajudar este grupo temporariamente vai ter efeitos muito mais amplospplivecassinotoda a população dos EUA.
pplivecassino BBC Brasil - Falamos bastante dos EUA, mas o Brexit e a eleição francesa também foram pontospplivecassinodebate sobre protecionismo, com uma escaladapplivecassinopolíticas contra a globalização. Esses fenômenos estão conectadospplivecassinoalguma forma?
pplivecassino Palen - Sim. Não se tratapplivecassinoum fenômeno apenas dos EUA. Precisamos ver essas questões sob uma perspectiva histórica mais ampla, e não achar que é uma anomalia populista contra o livre mercado. O sistema econômico global nos últimos 200 anos foi quase todo dominado pelo protecionismo. O movimento pelo livre mercado que se desenvolveu depois da Segunda Guerra Mundial é a exceção à regra.
Neste sentido, o retorno mundial a políticas econômicas nacionalistas e políticas anti-imigração são um retorno ao status quo que havia antes da Segunda Guerra Mundial. Vemos isso claramente no Brexit, com o Reino Unido alegando que vai defender o retorno do livre mercado internacionalmente enquanto rompe com a União Europeia. Isso enquanto está reagindo para limitar a imigração.
É uma reação populista à crise financeira global, e se manifestapplivecassinoforma semelhantepplivecassinovários países do mundo.
pplivecassino BBC Brasil - Você escreveu que estamos assistindo à desintegração da ordem econômica global. O que vem depois disso?
pplivecassino Palen - O problema é que não há um precedente histórico para o que está acontecendo agora.
Na forma como a ordem econômica global funcionou dos anos 1840 aos anos 1930, o Reino Unido era o país industrial mais poderoso e maior defensor do livre mercado. Enquanto isso, o resto do mundo resistia e usava políticas protecionistas. Foi somente nos anos 1930, quando todo o mundo se voltou ao nacionalismo, que o Reino Unido abandonou a defesa do livre mercado. Isso está fortemente ligado à crise internacional e à recessão. Depois disso, os EUA assumiram a hegemonia da defesa do livre mercado internacional desde a Segunda Guerra.
O que é interessante é que, no primeiro caso, o Reino Unido foi o último país a aceitar o protecionismo. Enquanto isso, agora são EUA e Reino Unido, os dois líderes e fundadores dessa ordem econômica internacional, os primeiros a se voltar contra esta ordem e abandonar o livre mercado. Isso é impressionante e sem precedentes.
Por isso não podemos saber com certeza o que pode acontecer. E é difícil achar que vai ser algo bom para o mundo.