A menina13 anos que conseguiu impedir seu próprio casamento:
As joias escolhidas para a ocasião iriam adornar suas orelhas e seu nariz, mas também cobriram seu pescoço. Suas mãos também seriam pintadas com complexos redemoinhoshenna.
Ainda havia muito por fazer, mas poucas horas antes da cerimônia ninguém sabia que a noiva estava se escondendo entre as sombras da casasua família. Ela iria fazer uma última ligação telefônica antessubir ao altar.
Ela não estava ligando para um amigo nem estava tentando checar os últimos preparativos para seu casamento. Nervosa, Monika digitou quatro dígitos: 1098.
Ela era muito jovem para se casar, segundo as leis da Índia. Monika queria impedir seu próprio casamento.
Um marido para Monika
Os registros escolaresMonika indicam que ela tinha 13 anos quando soube que deveria se casar,setembro2017 - seus pais alegam que já tinha completado 17. Nessa região da Índia, a idade das pessoas nem sempre é clara. Em famílias muito pobres, como aMonika, certidõesnascimento são muito raras.
Em uma manhãsetembro do ano passado, seu pai, Ganesh, levantou-se cedo para levar a cabo uma missão. Quando voltou para casa -um bairro pobreBikaner, noroeste do país -, chamou a garota emãe, Sita, para dar a notícia do casamento.
"Mamãe e papai me disseram que tinham encontrado um homem para mimChuru (a cerca200 km). Disseram que ele era muito amável, educado e que era um operário", lembra Monika.
Quando descreve seu futuro marido, a jovem não demonstra nenhuma emoção: diz que não o conhecia e que seus pais lhe mostraram uma fotografia do rapaz. Ele tinha 22 anos.
Como era obediente, o primeiro instinto da garota foi fazer o que seus pais pediam, mas depois começou a ter dúvidas sobre o matrimônio. "Sentia que eu era muito jovem, que não deveria me casar. Eu queria estudar e ser uma professora", diz.
Ela conta que confrontou seus pais. "Disse a eles que não queria me casar. Eles perguntaram o motivo e eu respondi que uma garota deveria ter mais18 anos para se casar".
Para ela, o matrimônio significaria uma vidaisolamento na casaseu futuro marido, a quatro horastrem da casa dos pais.
"Eu não poderia brincar ou falar, e teriacuidartodas as tarefas domésticas. Minha família me obrigaria a trabalhar, somente trabalhar", diz.
Mas por que os paisMonika pensaram que era correto casarfilha, mesmo ela sendo tão jovem?
Um casamento duplo
Na casa da família, é possível observar Ganesh e Sita cuidandosuas cinco filhas. A vida deles não é fácil.
Ganesh ganha 500 rupias por dia (cercaR$ 24) trabalhando na construção civil, mas os serviços são esporádicos. A mãe e a avóMonika limpam lixeirasalgumas casas do bairro.
Como muitas vezes ocorre com famíliasorigem pobre na Índia, somente as filhas mais velhas recebem algum tipoeducação formal. As opçõesestudo para Monika parecem ter desaparecido.
Na casa há muitos móveis empilhados. Entre eles, um baú fechado e uma geladeira ainda na caixa - curiosamente, na casa não há geladeiras funcionando.
Os móveis e eletrodomésticos são parte do dote reunido pelo paiMonika para o diaseu casamento. Ganesh acredita quemaior responsabilidade, como pai, é casar e dar uma vida estável para suas filhas.
A filha mais velha, Rajini, também se casarianovembro. Seu noivo tinha um irmão, e a famíliaMonika acreditou que, caso ela se juntasse a ele, poderia haver dois casamentosuma única vez - para economizar dinheiro.
Mas o que eles planejaram para Monika era ilegal no país. "Sabíamos que era proibido (casamentouma menor18 anos). Nos sentimos mal", diz Ganesh. Para Sita, no entanto, as circunstâncias da vida pobre não deixavam muitas opções. "O que poderíamos fazer?", pergunta, encolhendo os ombros.
Sita também diz que o casamento foi acertado por causa da segurançaMonika. "Quando vamos trabalhar, ficamos preocupadosdeixar nossa filha sozinhacasa, pois nosso bairro não é seguro", diz.
Último recurso
Monilka está sentada junto aos pais enquanto eles contamhistória. Eles parecem não guardar rancor do que aconteceu.
"Quando vi minha irmã com roupacasamento, me dei contaque eu não queria aquilo. Eu não podia me casar", diz.
Naquele momento, Monika ligou para a "Childline", um númerotelefone nacional para ajudar crianças. Ela tinha lido sobre o serviçolivros e se recordou do número: 1098. Quando ela ligou, faltavam apenas algumas horas para seu casamento.
Ela estava com medo, mas era seu último recurso. Quando atenderam o telefone,Nova Déli, segunda cidade mais importante da Índia, Monika começou a contarhistória. "Vocês podem por favor fazer alguma coisa para impedir meu casamento?", perguntou.
O telefonista anotou seus dados e, segundo Monika, respondeu: "Não se preocupe, estamos a caminho".
É neste momento que uma jovem chamada Preeti Yadav entra na história. Ela trabalha na organização Urmul Trust, que atende aos casos que chegam pela linhaajuda a crianças. Preeti responde a chamadastodo momento,dia e à noite.
Às vezes ela precisa correr contra o relógio, andando commoto branca, para evitar o casamentoalguma menina menoridade. "Nesse caso, tivemos o grande desafiosalvar Monika do casamentoapenas três horas", conta Preeti.
A polícia local chegou à casaMonika às 17h e advertiu aos convidadosque o casamento não poderia ocorrer por causa da idade da noiva. Mas a família fez pouco caso.
Às 20h, Monika voltou a ligar para Preeti. Seus pais havia mudado o local da cerimônia para a casasua avó - eles ainda queriam casá-la.
Duas horas depois, Preeti e a polícia apareceram no lugar. Monika já estava vestidanoiva. Sem dizer uma única palavra, a menina sorriu ao vê-los.
Os convidados começaram a cochichar. Ninguém imaginava quem havia ligado para a polícia.
"Levamos os pais e avósMonika para um quarto e explicamos que somente a menina sofre com o casamento precoce. Também dissemos que eles poderiam ser punidos pelo delito", disse Preeti.
A polícia obteve uma declaração escrita da família se comprometendo a não casar a garota antesseus 18 anos. Eles foram avisadosque podem ser presos caso descumpram a regra.
Preeti se vê como uma espécieirmã mais velhameninas como Monika e diz ter satisfaçãofazer seu trabalho. "Mantenho contato com as garotas para sempre. Me sinto muito orgulhosapoder ajudá-las a salvar suas vidas e a proteger seus futuros", diz.
Uma lenta mudança
Preeti diz que, só neste ano, viu entre 20 e 25 casosmatrimônio infantil. Essa prática foi proibida2006, mas a Índia segue sendo o país com maior númeroregistros, segundo a Unicef.
"A situação está mudando e a idade médiacasamento está aumentando. Antes, estava entre 10 e 11 anos, mas agora está entre 14 e 15", explica Arvind Ojha, líder da organização Urmul Trust.
Enquanto falava com a reportagem da BBC, cem crianças assistiam a uma peçabonecos sobre uma menina que não queria se casar. "Veja como eles estão envolvidos. A transformação vem com essa participação", diz, apontando para as crianças.
Segundo a Unicef, 12 milhõesmeninas são obrigadas a se casar antescompletar 18 anos.
Na última década houve avanços importantes, especialmente no sudeste asiático, tendência que também começou a ser vista na África subsaariana.
No Níger, no entanto, 76% das mulheres do país se casam antes dos 18 anos.
Mas esse não é um problema exclusivopaíses pobres oudesenvolvimento. O casamento infantil também existe na Europa e na América do Norte.
Como no casoMonika, a pobreza é denominador comum entre praticamente todas as famílias que obrigam as meninas a se casararem cedo. Mas especialistas destacam, contudo, que o problema é uma questãodesigualdadegênero.
"Isso ocorre porque se acredita que as mulheres valem menos que os homens", diz Lakshmi Sundaram, da organização global Girls, Not Brides (Meninas, Não Noivas,tradução literal).
As estatísticas apontam que os casos são mais comunszonas rurais e entre meninas com níveis baixoseducação. Para Sundaram, as escolas são uma das melhores formasproteger as crianças.
"Quando uma menina está na escola, há um sentimento na comunidadeque uma aluna precisa terminar seus estudos. Mas logo depoissair da escola, ela já passa a ser vista como futura esposa e mãe", explica.
O trabalholíderes religiosos e tribais é também uma chave para acabar com o matrimônio infantil, dizem os especialistas.
O futuroMonika
Houve uma grande confusão fora da casaMonika depois que correu pelo bairro a informaçãoque uma repórter da BBC tinha vindoLondres para entrevistar a garota.
"É por causa do casamento cancelado?", perguntou um vizinho. Essa balbúrdia dá ideia do quão importante é uma menina indiana denunciar os próprios pais por obrigá-la a se casar precocemente.
Embora alguns se surpreendam, a mãeMonika está orgulhosa do quefilha fez. "Sim, me sinto bem a respeito disso", diz Sita. "Realmente gostei do que minha filha fez. A mudança temchegar para todos."
Porvez, Monika não se arrependeu e gostaria quehistória fosse conhecida.
"Talvez alguma outra menina fique sabendo do meu caso e possa também sairum casamento infantil. Se ela não conseguir, eu posso ajudá-la", diz.
É surpreendente que meninas como Monika assumam pessoalmente o embate contra o casamento infantiluma cultura onde suas vozes não são normalmente ouvidas.
Parece impensável que há 10 ou 20 anos não havia esse tiporesistência. Naquela época, as meninas pareciam mais dóceis e mais difíceisse voltar contra seus destinos, que eram definidos por uma sociedade patriarcal.
Mas agora parece haver uma real possibilidademudança.
Nem tudo está perfeito para Monika. Com nostalgia, ela diz que gostariavoltar à escola, uma questão que a organização Urmul Trust está tentando solucionar.
Uma infância quase foi perdida. Agora, graças a um ato rebeldeuma adolescente, ela foi recuperada.