Como um grupobets estrela da sorte apostasjornalistas surdos conseguiu lançar um dos programas mais assistidosbets estrela da sorte apostasMoçambique:bets estrela da sorte apostas

Gravação da TV Surdo
Legenda da foto, No ar desde fevereiro, atração já está entre as mais populares aos domingos

Jornalismobets estrela da sorte apostassuperação

As reportagens do programa abordam temas ligados a pessoas com deficiências, mas também o noticiáriobets estrela da sorte apostasgeral, principalmente saúde e esporte. Nos bastidores, a realidade da produção ébets estrela da sorte apostassi um exemplobets estrela da sorte apostasjornalismobets estrela da sorte apostassuperação.

A redação é formada por oito jornalistas - sete deles surdos e um cadeirante. Além do repórter e do operadorbets estrela da sorte apostascâmera, há um terceiro integrante fundamental na equipe que sai às ruas: o intérprete. Todo o trabalho é feito com a intermediação dele. Na TV Surdo, são dois.

Legenda do vídeo, Sem apoio na escola, Sousa levou 13 anos para cursar até a 6ª série

Há vezes ainda, durante a gravação,bets estrela da sorte apostasque é preciso encontrar um tradutor para o intérprete, porque o entrevistado não fala português -bets estrela da sorte apostasMoçambique, são faladas maisbets estrela da sorte apostas30 línguas. Certa vez, para produzir uma só reportagem, foi preciso se comunicarbets estrela da sorte apostastrês línguas e fazer duas traduções.

Nenhum dos jornalistas surdos cursou ensino superior. Na verdade, a maioria nem concluiu o ensino regular. Com dificuldades para acompanhar as aulas, os jornalistas da TV Surdo foram abandonando a escola -bets estrela da sorte apostasformaçãobets estrela da sorte apostasjornalismo vembets estrela da sorte apostasum curso intensivo oferecido por uma ONG.

José Fernando Mulambo, repórter cinematográfico, cursou até a segunda classe, equivalente ao segundo ano do ensino fundamental no Brasil. Jorge Elias Mavamba, também repórter cinematográfico, foi até a quinta classe. Felismina Banze, editora, chegou à nona classe. Beatriz Majope, fotógrafa, e Lizete Vieira, repórter, fizeram até a décima.

A apresentadora Carla é a única que concluiu a décima segunda classe, e agora está no segundo ano no ensino superior.

Sousa, o diretor, estudou até a sexta. Levou treze anos,bets estrela da sorte apostas1982 a 1995, para completar um ciclo que deveria ter levado apenas seis anos. O jornalista precisou repetir cada ano duas vezes. "Quando terminei a sexta classe, eu já deveria estar na universidade."

Acesso à informação

Gravação da TV Surdo
Legenda da foto, A redação é formada por oito jornalistas, sete deles surdos e um cadeirante

Sousa ficou surdo aos 6 anos, depoisbets estrela da sorte apostasuma meningite. Assim como ele, seisbets estrela da sorte apostascada dez pessoas surdasbets estrela da sorte apostasMoçambique não nasceram surdas, mas tiveram alguma doença que provocou a perdabets estrela da sorte apostasaudição.

De repente, assistir televisão com a família deixoubets estrela da sorte apostasser um divertimento. Havia momentosbets estrela da sorte apostasque todos riam, menos Sousa. Ele perguntava qual era o motivo das risadas e lhe respondiam que iriam lhe explicar depois. Mas, muitas vezes, o "depois" nunca chegava.

Isso acontecia com outros colegas surdos. Quando se encontravam, conversavam sobre os programasbets estrela da sorte apostastelevisão para ver o que cada um tinha entendido. Afinal, do que os parentes riam? Foi assim que surgiu a ideiabets estrela da sorte apostascriar a TV Surdo.

"As pessoas surdas recebem 'informações escuras'. A informação é dada, mas a pessoa surda não pode perceber. É assim na rádio, na televisão, nas escolas, nos hospitais", fala o criador do programa.

"A língua portuguesa é muito difícil para pessoas surdas. Por isso, devem aprender primeiro a línguabets estrela da sorte apostassinais, depois o português. A TV Surdo é uma oportunidadebets estrela da sorte apostasse informarem pela línguabets estrela da sorte apostassinais", diz Sousa.

Ele chegou à escola especial com oito anos, sem saber nada da línguabets estrela da sorte apostassinais moçambicana. Foram os amigos que lhe ensinaram, pouco a pouco. Juntos, eles iam construindo o seu novo vocabulário, começando pelo universo do colégio e das crianças: caderno, cadeira, árvore, pássaro.

Apesarbets estrela da sorte apostasa turma ser formada apenas por crianças surdas, as aulas não erambets estrela da sorte apostaslínguabets estrela da sorte apostassinais. "Os professores só usavam língua oral. É um desrespeito. Dentro da sala, ficávamos calados. Se o professor nos visse conversandobets estrela da sorte apostaslínguabets estrela da sorte apostassinais, dava palmatória", lembra Sousa.

Foram muitas as vezesbets estrela da sorte apostasque ele e os amigos cabularam a aula e foram para um parque perto da escola. "Tinha balanços, brinquedos, mas a gente não usava. O que nós gostávamosbets estrela da sorte apostasfazer era conversar. Sentávamos e conversávamos todo o tempo, até a horabets estrela da sorte apostasir para casa."

Era um momento precioso. Muitas vezes, nembets estrela da sorte apostascasa as crianças surdas conseguiam conversar, porque suas famílias tampouco falavam línguabets estrela da sorte apostassinais.

Sousa
Legenda da foto, Como diretor do programa, Sousa quer levar informação para deficientes auditivos

Hoje, já se usa línguabets estrela da sorte apostassinais nas escolas especiais para surdosbets estrela da sorte apostasMoçambique, mas a maioria das crianças com a deficiência não tem acesso a elas.

"As crianças surdas precisambets estrela da sorte apostasoportunidades iguais na educação. Não pode haver diferença. Não podem esperar ou depender da boa vontade das pessoas. É preciso ver como as pessoas surdas aprendem e preparar material adequado", diz o diretor da TV Surdo.

Redação do Enem

O diretorbets estrela da sorte apostasadvocacia e saúde da TV Surdo, Emerson Chiloveque acompanhou com interesse o debate sobre o tema da redação do Enembets estrela da sorte apostas2017, sobre o desafio da educação dos surdos no Brasil.

"Vi que esse tema pegou as pessoas desprevenidas. O fatobets estrela da sorte apostaster havido um tema dessesbets estrela da sorte apostasum examebets estrela da sorte apostasadmissão à universidade já é um grande passo. Tudo que está debaixo do tapete precisa ser exposto. Mas não se tratabets estrela da sorte apostasum confronto. Agora é preciso aprofundar esse debate. Só falar sobre a pessoa surda não vai resolver", opina.

Único integrante do grupo que fez ensino superior, Chiloveque é um exemplo do caminho tortuoso dos surdos para chegar à faculdade.

Ele queria ir à universidade. Não passou no examebets estrela da sorte apostasadmissãobets estrela da sorte apostasuniversidades moçambicanas, então buscou bolsasbets estrela da sorte apostasestudo fora do país. Concorreu e foi aceito na Rússia, um país parceirobets estrela da sorte apostasMoçambique desde a luta pela independênciabets estrela da sorte apostasPortugal. A necessidadebets estrela da sorte apostasfalarbets estrela da sorte apostasrusso, idioma que assustaria muita gente, não o deteve. Aprendeu a lerbets estrela da sorte apostasrusso e contou com o apoio dos professores locais.

Chiloveque estudou Relações Internacionais e História na Universidade Pedagógicabets estrela da sorte apostasTula. Na Rússia. Em russo.

José Fernando Mulambo
Legenda da foto, Nenhum dos jornalistas surdos da equipe do programa cursou ensino superior

Na TV Surdo, ele é a única pessoa que, apesarbets estrela da sorte apostasnão ouvir, fala português. Ficou surdo aos 18 anos, devido a uma meningite, e conservou a fala. Naquela altura, estava terminando a escola. Teve que ficar um ano afastado e, quando voltou, "não compreendia absolutamente nada".

Para conseguir concluir, criou seu próprio métodobets estrela da sorte apostasestudo: emprestava cadernosbets estrela da sorte apostascolegas e copiava as anotações. Em casa e na biblioteca, estudava sozinho.

"A minha história é diferente porque eu não nasci surdo. A maioria dos surdosbets estrela da sorte apostasMoçambique tem uma educação muito pobre, tem dificuldadebets estrela da sorte apostasleitura e escritabets estrela da sorte apostasportuguês. A maioria não consegue chegar à décima classe. Há uma desistência muito grande. Temos que parar com esse ciclo", diz. "Pode haver outro Emerson a esperabets estrela da sorte apostasoportunidades."

Além da produçãobets estrela da sorte apostasreportagens, a TV Surdo também realiza palestrasbets estrela da sorte apostassaúde. Um dos assuntos é o HIV, a principal causabets estrela da sorte apostasmortebets estrela da sorte apostasadultosbets estrela da sorte apostasMoçambique. Nos últimos meses, Emerson Chiloveque visitou escolas para falar sobre o tema com jovens surdos. E viu que muitos não tinham informação a respeito, ao contrário dos jovens ouvintes.

A dificuldadebets estrela da sorte apostascomunicação com os surdos leva à faltabets estrela da sorte apostasinformação, diz ele. "Temos mostrado a necessidadebets estrela da sorte apostasexistir uma comunicação inclusiva. Queremos transmitir informaçãobets estrela da sorte apostasforma inclusiva."

Línguabets estrela da sorte apostassinais

Tive a oportunidadebets estrela da sorte apostasconviver na redação da TV Surdobets estrela da sorte apostasoutubro, como partebets estrela da sorte apostasuma formação para jornalistas moçambicanos. Ali, eu era uma das únicas pessoas que não falava a línguabets estrela da sorte apostassinais. Quem não podia se comunicar era eu, não eles.

"Vamos fazer um exercíciobets estrela da sorte apostassubstituição", propôs Sousa. "Se há 900 mil pessoas ouvintes e 100 mil pessoas surdas, as pessoas surdas são a minoria. Mas se há 900 mil pessoas surdas e 100 mil pessoas ouvintes, os ouvintes são a minoria. Então, quem teria dificuldade na comunicação seriam os ouvintes. Se existissem muitos surdos, os ouvintes iriam querer aprender línguabets estrela da sorte apostassinais para não se sentirem excluídos."

Muito acolhedora, a equipe da TV Surdo se esforçou para me incluir. Com paciência, foi me ensinando novos sinais, embora eu não tenha conseguido reter mais que vinte deles. É como aprender uma língua nova. Se era difícil para mim aprender a línguabets estrela da sorte apostassinais, eu não podia deixarbets estrela da sorte apostaspensar como devia ter sido (e como ainda deve ser) difícil para eles aprenderem português.

Eu tinha muita dificuldadebets estrela da sorte apostascompreender uma conversa sozinha. Era dependente da ajuda do intérprete. Fernando, repórter cinematográfico, foi o que mais insistiu comigo. Tentava me fazer entender o que ele diziabets estrela da sorte apostasdiversas formas e, quando eu tentava buscar o socorro do intérprete, me estimulava a tentarmosbets estrela da sorte apostasnovo. A sensação erabets estrela da sorte apostasfrustração por eu não conseguir corresponder à dedicação da TV Surdobets estrela da sorte apostasme ensinar a nova língua.

"Quantas pessoas surdas você conhece no Brasil?", foi a primeira pergunta que Fernando me fez. Eu fiquei desconcertada. Não conheço nenhuma. "Por que não conhece?", Fernando replicou, com a surpresa colada no rosto. Por que eu não conheço? Essa pergunta me acompanha até hoje. Segundo o IBGE, são quase 350 mil surdos no Brasil.

A experiência com a TV Surdo me ensinou muito sobre dedicação, motivação, superação, inclusão. E me ensinou sobre minha própria dificuldadebets estrela da sorte apostascomunicação com pessoas surdas. A limitação não é só deles, ébets estrela da sorte apostastodos nós.

*Amanda Rossi é jornalista da BBC Brasil. Entre setembro e outubro, deu aulasbets estrela da sorte apostasjornalismobets estrela da sorte apostasdados para jornalistas moçambicanos, da TV Surdo inclusive.

Amanda Rossi com membros da TV Surdo
Legenda da foto, A jornalista da BBC Brasil (de pé, ao fundo, com blusa azul) visitou Moçambique e conheceu a TV Surdo