‘Meus pais não sentam à mesa com minha esposa e filho’: o drama envolvendo casamentos entre castas na Ásia:pixpet apostas

Nitu Karki, Balaram Dhakal e família
Legenda da foto, A famíliapixpet apostasNitu Karki aceitou o casamento dela com Balaram, mas os pais dele não recebem a norapixpet apostascasa e não sentam à mesa com o neto, porque ela não é da mesma casta deles | Fonte: Arquivo pessoal
Balaram, Nitu e o filho
Legenda da foto, As castas, determinadas ao nascimento e transmitidaspixpet apostaspai para filho, definem o status social da população do Nepal e da Índia, paísespixpet apostasforte tradição hindu | Fonte: Arquivo

Mais do que sobrenome, trabalho ou recursos financeiros, o que define o status social nesses dois países é a casta a que a pessoa pertence, determinada no nascimento e por hereditariedade, explica a pesquisadora Dalel Benbabaali, da Universidadepixpet apostasOxford, que estuda o efeito político e social da estratificação por castas no sul da Ásia.

"A divisão por castas está fortemente enraizada na mentalidade e cultura dessas sociedades. Existem leis que proíbem tratamento discriminatório e muitos negam que haja preconceito por casta. Mas é justamente no momento da escolha do parceiro para o casamento que essa divisão se torna mais clara", diz ela à BBC Brasil.

"As famíliaspixpet apostascasta mais alta, muitas vezes, não admitem que seus filhos se casem com pessoaspixpet apostascastas inferiores."

Balaram é Brahmin, considerada a casta mais "alta" na tradição hindu, associada culturalmente aos sacerdotes e professores. A mulher por quem ele se apaixonou, Nitu, é Chhetri (ou Kshatriya), segunda mais alta casta na hierarquia, associada aos "guerreiros" e que compunha a família real nepalesa (o país aboliu a mornarquia e hoje tem um sitemapixpet apostasparlamentarismo multipartidário).

Balaram com a mulher e o filho
Legenda da foto, Nitu e Balaram se conhecerampixpet apostasum eventopixpet apostasgestão hoteleira e se apaixonaram Fonte: Arquivo pessoal

As duas outras castas,pixpet apostasordempixpet apostas"hierarquia", são: a Vaishya (associada a funçõespixpet apostascomércio, agricultura e pastoreio) e a Shudra (trabalhadores braçais). Na base da pirâmide social estão os "dalits" ou "intocáveis", que não pertencem a essas castas e a quem são delegados serviços "degradantes" na cultura hindu, como manuseiopixpet apostascadáveres e limpezapixpet apostasbanheiros.

O Manusmriti, mais importante livro sobre as leis hindus, escrito pelo menos mil anos a.C., "reconhece e justifica o sistemapixpet apostascastas como a base da ordem da sociedade". A crença é que as quatro castas (Brahmin, Kshatriya, Vashya e Shudra) se originarampixpet apostasBrahma, o Deus da criação.

No topo da hierarquia, os brahmins teriam surgido da cabeçapixpet apostasBrahma. Os Kshatriyas, dos braçospixpet apostasBrahma. Os Vashya viriam das coxas e os Shudras, dos pés.

O peso da tradição milenar se revelou bem claro quando Balaram Dhakal anunciou aos pais que se casaria com uma mulherpixpet apostascasta imediatamente "inferior" à dele.

"Minha mãe ficou inconsolável, com muita raiva. Ela dizia: `Mas por que você escolheu uma pessoapixpet apostascasta inferior? Você tem que se casar com uma Brahmin'", relata Balaram.

Ele desafiou a família e se casou com Nitu, mas as portas da casa dos pais dele nunca se abriram para ela. "Tentei apresentá-la para os meus pais, mas minha mãe ficava irritada e não queria que a minha esposa frequentasse a casa deles."

O pai era mais flexível e aceitava ter contato com a nora. Mas impunha uma condição. "Ele disse que não comeria alimento que fosse preparado pela minha esposa, nem sentaria à mesa com ela para uma refeição", diz Balaram.

Balaram com a família
Legenda da foto, Balaram hoje convive mais a famíliapixpet apostasNitu, por causa da rejeição dos pais ao seu casamento. Na foto, aparece com a sogra, a esposa, a cunhada e o filho Fonte: Arquivo Pessoal

Há cinco anos, o casal teve um filho. Os avós quiseram conhecê-lo, mas impuseram a mesma regra: não se sentariam à mesa para comer com o menino.

"Eu me sinto muito mal com isso, porque a minha família acaba não convivendo com meus pais. Eu queria todos à mesa, juntos. Queria que meus pais aceitassem a minha esposa e que tivessem mais contato com o meu filho", afirma Balaram.

Ao contrário dos paispixpet apostasBalaram, a famíliapixpet apostasNitu aceitou bem o casamento. Os pais e a irmã dela convivem bastante com o casal e o filho deles.

pixpet apostas De pai para filho

A casta na tradição hindu é passadapixpet apostaspai para filho, num rígido sistema parcialmente responsável por uma sedimentada estratificação social. Integrantes das castas "inferiores" ainda hoje são discriminados e têm menos oportunidadepixpet apostasestudar e enriquecer.

Embora haja leis na Índia e no Nepal proibindo tratamento diferenciado por castas, a divisão pode ser claramente vista nos bairros, escolas, universidades, no preenchimentopixpet apostaspostospixpet apostastrabalho e, principalmente, nos casamentos.

Segundo a professora Benbabaali, 90% dos matrimônios na Índia são entre pessoas da mesma casta.

"E dos 10% que sobram, raros são os casospixpet apostascasamento entre um dalit e uma pessoapixpet apostascasta superior, como Brahmin. Geralmente são casamentos entre pessoaspixpet apostascastas superiores", afirma a professorapixpet apostasOxford.

Mulheres com trajes típicos da índia
Legenda da foto, Na Índia, 90% dos casamentos são entre pessoas da mesma casta. Os outros 10% são entre pessoaspixpet apostascastas próximaspixpet apostastermos hierarquicos.

Embora essa divisão social seja uma característica típica da religião hindu - que acredita que a reencarnaçãopixpet apostasuma casta inferior ou superior depende do comportamento adotado na vida passada -, esse sistema é tão fortemente enraizado nas comunidades indianas e nepalesas que persiste mesmo entre adeptos do islã e do cristianismo, diz Benbabaali.

"O hinduísmo tem influenciado outros grupos religiosos no sul da Ásia. Mesmo muçulmanos e cristãos seguem sistemaspixpet apostascastas. Essas pessoas, empixpet apostasmaioria, são hindus que se converteram e, mesmo depois da conversão, mantêm suas identidadespixpet apostascastas."

"Em igrejas católicas, você verá dalits cristãos sentados atrás e perceberá que os padres são, muitas vezes, integrantes das castas superiores. E,pixpet apostasalguns cemitérios muçulmanos, existe segregação por casta, com uma área separada para os dalits. Muitas dessas conversões foram uma tentativapixpet apostasescapar da opressãopixpet apostascasta, mas o que se vê é que a discriminação persiste."

pixpet apostas Policiamento até no Tinder

Benbabaali explica que é possível identificar a qual casta uma pessoa pertence pelo sobrenome e,pixpet apostasmuitos vilarejos, todos sabem a casta dos vizinhos.

"Alguns nomes são fortemente associados a uma casta ou outra - Pandit, por exemplo, é um nome comum entre os Brahmins indianos. Mas, nos povoados, todos sabem quem épixpet apostascada casta. E existe uma certa estratificação urbana, com ruas só ocupadas por dalits e bairrospixpet apostasBrahmins, por exemplo", afirma a professora.

Segundo Benbabaali, por mais que a resistênciapixpet apostasse relacionar com castas diferentes esteja lentamente se reduzindo na Índia e no Nepal, a importância ainda dada a isso pode ser vista até na dinâmica dos aplicativospixpet apostasrelacionamento.

"Mesmo no Tinder, logo depois do primeiro 'oi', 'tudo bem', vem a pergunta: 'Qual é o seu nome todo?'. É um modopixpet apostasidentificar a casta", diz.

No mercado imobiliário da Índia também é possível verificar, conforme a professora, esforços para evitar inquilinospixpet apostascastas baixas. "Uma forma comum usada para evitar aluguel para muçulmanos ou dalits é anunciar o imóvel destacando que só se aluga para vegetarianos."

Tradicionalmente, quanto mais elevada a casta, maiores as restrições alimentares. Normalmente os Brahmins são vegetarianos, por exemplo. É o caso dos paispixpet apostasBalaram. "Eles são muito tradicionais. Não comem carne e seguem à risca todos os rituais e costumes da nossa casta", diz ele.

pixpet apostas Movimentos pelos direitos dalits

Nos últimos anos, vários movimentos foram criados, principalmente na Índia,pixpet apostasdefesa dos direitos dos dalits e pela inclusão socialpixpet apostasintegrantespixpet apostascastas consideradas "inferiores".

A Constituição indiana,pixpet apostas1950, inaugurou uma sériepixpet apostasmedidas afirmativas com o objetivopixpet apostasdar oportunidade a grupos marginalizados na hierarquiapixpet apostascastas do país.

Mulheres colhem raízes no Nepal
Legenda da foto, O Manusmriti, considerado o mais importante livro sobre as leis hindus, escrito pelo menos 1.000 anos A.C. 'reconhece e justifica o sistemapixpet apostascastas como a base da ordem e regularidade da sociedade'.

Foram instituídas, por exemplo, cotaspixpet apostasinstituiçõespixpet apostasensino e para cargos no governo, alémpixpet apostasassentos no Parlamento e nas Assembleiaspixpet apostasEstado. O objetivo era tentar corrigir centenaspixpet apostasanospixpet apostasdiscriminação.

No entanto, o preconceito por casta persiste, principalmentepixpet apostasrelação aos dalits, considerados "impuros" e, por isso, apelidados tambémpixpet apostas"intocáveis".

"Existem casospixpet apostaspaispixpet apostasalunos que protestam contra ter dalits entre os cozinheiros que preparam as refeições das crianças na escola. Alegam que estão poluindo a comida e pedem a demissão deles", relata Benbabaali.

pixpet apostas Efeitos sociais e econômicos

Pesquisadores apontam que o sistemapixpet apostascastas tem impacto tanto na desigualdade social quanto no desenvolvimento econômico dos países que adotam essa estrutura.

Em 2009 e 2010, 82% dos dalits na Índia estavam abaixo da linhapixpet apostaspobreza, sobrevivendo com US$ 2 por dia, conforme o Censopixpet apostas2011, que, pela primeira vez, levoupixpet apostasconta a divisãopixpet apostascastas.

Para os professores Katherine S. Newman, da Universidade Johns Hopkins (EUA), e Sukhadeo Thorat, da Universidade Jawaharlal Nehru (Índia), o sistemapixpet apostascastas também gera uma alocação "ineficiente" da forçapixpet apostastrabalho, ao criar estigmas para determinadas funções, como as relacionadas à tarefapixpet apostaslimpeza, e ao impor barreiras para que dalits exerçam cargospixpet apostasprestígio.

No artigo Casta e Economia da Discriminação: Causas, Consequências e Soluções, eles destacam que membrospixpet apostascastas "superiores" preferem ficar um período desempregados a atuarpixpet apostasfunções tidas como "degradantes" ou "poluidoras" da alma.

Enquanto isso, os dalits são levados ao desemprego ou a atuarpixpet apostasfunções marginalizadas.

"Ao impedir a mobilidade da força produtiva, da terra, do capital e da iniciativa privada, o sistemapixpet apostascastas cria segmentações e monopólios. (...) Ao restringir a livre movimentaçãopixpet apostasmãopixpet apostasobrapixpet apostasacordo com a ocupação, o sistemapixpet apostascastas se torna diretamente responsável pelo desemprego voluntário dos indivíduospixpet apostascasta elevada, e pelo desemprego forçadopixpet apostasquem está na base (da pirâmide)", dizem.

Alguns dalits, porém, conseguiram superar as barreiras. Em 1997, tomou posse o primeiro presidente dalit da Índia, Kocheril Raman Narayanan.

Eleito pelo Parlamentopixpet apostasjulho, o atual presidente da Índia, Ram Nath Kovind, também é dalit, maspixpet apostasindicação foi vista com suspeição por ativistas: ele é criticado por nunca ter sido atuante na defesa dos direitos dos dalits. Além disso, a funçãopixpet apostaspresidente na Índia é apenas cerimonial.

E o estigmapixpet apostasser dalit é complexo: no ano passado, a Índia se chocou com a mortepixpet apostasRohith Vemula, um estudantepixpet apostasdoutoradopixpet apostas26 anos que se suicidou dentro do campus da Universidade Centralpixpet apostasHyderabad.

Vemula e outros quatro estudantes dalits foram acusadospixpet apostasterem agredido um membropixpet apostasum grupo estudantil ligado ao partido nacionalista indiano BJP. A universidade havia decido expulsá-lospixpet apostassuas residências estudantis.

Rohith Vemula
Legenda da foto, Rohith Vemula, um estudantepixpet apostasdoutoradopixpet apostas26 anos, se suicidou dentro do campus da Universidade Centralpixpet apostasHyderabad. Ele integrava movimentopixpet apostasdefesa dos direitos dos dalits | Facebookpixpet apostasRohith Vemula

Os jovens dalits negaram terem cometido a agressão. Vemula, que cursava sociologia e integrava um grupopixpet apostasdefesapixpet apostasestudantes dalits, deixou uma carta antespixpet apostasse matar.

"Meu nascimento foi um acidente fatal. Eu estava sempre com pressa. Desesperado para começar uma vida. Eu não estou triste. Estou só vazio", disse ele. "Eu sempre olhava as estrelas e queria ser um escritor, um escritorpixpet apostasciência, como Carl Sagan. Mas, no final, essa é a única carta que eu vou escrever."

Em dezembropixpet apostas2015, um mês antespixpet apostasmorrer, ele enviou uma carta ao vice-chanceler da universidade reclamando das "humilhações" sofridas pelos dalits ali.

"Por favor, nos dê veneno na hora da admissão para a universidade,pixpet apostasvezpixpet apostasnos humilhar assim", disse ele, na carta.