O diaque tentaram matar Bob Marley com um tiro no coração:
Os homens dispararam contra os músicos. O sangue respingou nas paredes e formou poças no chão. Em meio aos gritos, um dos invasores apontou contra o peitoMarley e puxou o gatilho.
No total eles dispararam mais80 tiros. Mas,um desfecho inacreditável, ninguém morreu naquela noite - ainda que as tensões tenham recrudescido no país.
Jamaica, 1976
Mesmo 40 anos depois o episódio ainda é considerado obscuro e envoltomistério.
Na época, a Jamaica era um país oposto ao seu estereótipo atual. A ilha estava muito longeser um tranquilo paraíso caribenho.
Em 1976, quem mandava eram os traficantes e pistoleiros; as tensões sociais estavamseu ponto máximo e sob influência da Guerra Fria, alémter estruturas políticas fragilizadas menosduas décadas depoissua independência do Reino Unido.
No mapa, a Jamaica está mais pertoCuba do que Cuba está pertoMiami. E, na cartografia ideológica da década1970, Havana e Kingston eram vizinhasMoscou.
O primeiro-ministro Michael Manley, do Partido Nacional do Povo (PNP), socialista e próximoFidel Castro, tentava a reeleição enfrentando Edward Seaga, do Partido Trabalhista Jamaicano (JLP). Alguns ligavam Seaga à agência secreta americana, a CIA.
No meio desses extremos estava uma estrela mundial do reggae que tentava manterneutralidade, mas cuja música mobilizava centenasmilhareseleitores.
"Os políticos são o diabo", disse Marley na época,acordo com Mikal Gilmore, jornalista veterano da revista Rolling Stone.
Os dois candidatos a premiê queriam que Marley fizesse campanha para eles. E, se ele não fizesse, o melhor seria é que ele ficassesilêncio.
Ameaças
"Foi a época mais violenta que o país viveu, e Marley era praticamente a única força que poderia unir os dois grupos", explicou o escritor jamaicano Marlon James.
Em 1976, a fama mundial transformou o cantor31 anosum líder quase espiritualboa parte dos milhõesmoradores da ilha.
O reggae tinha se transformadouma expressão popularum país pobreque "as pessoas estavam cada vez mais desesperadas e violentas", segundo a jornalista Vivien Goldman. "A ilha parecia cheiaarmas".
Show gratuito
O governoManley convenceu Marley a oferecer um show gratuito na capital, Kingston, para acalmar os ânimos da população que já estava cansadaviverestadoemergência.
O evento estava programado para o dia 5dezembro e se chamava Smile Jamaica ("Sorria Jamaica"tradução livre).
Mas o primeiro-ministro também tomou outra decisão que parecia apenas confirmar a desconfiança do cantorrelação aos políticos: adiantou as eleições para o dia 15dezembro.
E, dessa forma, ficou inevitável a associação entre Bob Marley e a campanhareeleiçãoMichael Manley.
O cantor até alertou que, devido a essa manobra, as ameaçasmorte contra ele aumentaram. Mesmo assim, Marley decidiu participar do show.
Dois policiais foram designados para cuidarsua casa, que também era onde o The Wailers ensaiava.
Mas na noite3dezembro, dois dias antes do Smile Jamaica, por alguma razão que até hoje ninguém conseguiu explicar, os sete homens armados entraram na casaMarley sem que ninguém os impedisse.
Os dois policiais simplesmente não estavamseus postos.
'Sete Assassinatos'
Em apenas cinco minutos, os homens entraram na casaMarley, dispararam contra todos e fugiram.
Nunca foram capturados e nunca se soube quem eles eram ou para onde foram.
"É um mistério como esses homens, que talvez tenham cometido o crime mais temerário e doloroso da história da Jamaica, simplesmente desapareceram", contou o escritor Marlon James no site da editora Malpaso, que traduziu para o espanhol o livro que ele escreveu, A Brief History of Seven Killings (em tradução livre, Uma breve históriasete assassinatos).
No livro, James usa como pontopartida o ataque contra Marley para mergulhar na vida dos bairros mais perigososKingston, nos conflitosraça e classe, nas guerras entre quadrilhas e nas conspiraçõesgoverno.
O resultado são quase 700 páginas nas quais se misturam as vozes76 personagens. Com elas, Marlon James venceu2015 o Man Booker Prize, talvez o prêmio literário mais famoso do idioma inglês.
De acordo com o jornal americano The New York Times, toda trama social explosiva daqueles anos giravatornoBob Marley, que ele tinha se transformadouma espéciesanto para os oprimidos, um revolucionário para os conservadores e uma ameaça para os políticos.
'Salvo' por Selassie
Alémnão saber como os sete homens conseguiram desaparecer, ainda não se sabe como Marley sobreviveu a um tiro no peito.
O cantor sempre disse que foi salvo pelo espíritoHaile Selassie, o imperador da Etiópia morto no ano anterior (Para rastafáris como Marley, Selassie era a reencarnaçãoDeus. O uso dos cabelo "rasta" e da maconha também fazem parte desse movimento espiritual nascido na Jamaica).
"Se Marley, naquele momento, estivesse inspirandovezexpirando, a bala teria atravessado seu coração", afirmou Marlon James.
A bala passou pelo peitoMarley e foi parar no braço esquerdo. Não houve tempo para um segundo disparo.
No meio da confusão, Don Taylor, o agente do cantor, se jogou sobre ele, levando cinco tiros no abdome. Mas sobreviveu.
O caso mais incrível, no entanto, foi oRita Marley, a esposaBob. A bala disparada contracabeça ficou presa entre seu couro cabeludo e o crânio sem fazer maiores danos.
Dois dias depois do ataque, ainda com curativos no peito e no braço, Marley se apresentou por maisuma hora diantemais80 mil pessoas no concerto Smile Jamaica.
Rita o acompanhou, ainda usando a camisola do hospital.
'Exodus'
Poucos dias depois do show, Marley viajou. Foi para as Bahamas, aos Estados Unidos e depois para Londres. De certa forma, a Jamaica jamais voltou a ser seu lar como era antes.
Mas tentativaassassinato inspirou o que a revista americana Time considera o melhor álbummúsica do século 20, Exodus.
A primeira canção, Natural Mystic, diz:
Esta pode ser a primeira trombeta, pode ser também a última:
Muitos mais terão que sofrer,
Muitos mais terão que morrer.
No último minutoum vídeo no YouTube,imagens escuras emá qualidade, é possível ver Bob Marley no fim da apresentação Smile Jamaica.
O cantor entrega o microfone a um companheirobanda e se aproxima do público. Um policial faz a segurança.
Em frente à multidão, a lenda do reggae desabotoa a camisa devagar e mostra o ferimento a bala que cruzou seu peito chegando até ao braço esquerdo.
Marley continuou com esta bala alojada no corpo e na música até o diasua morte1981, com apenas 36 anos.