Os 1,4 mil anos do exílio que marca o início do islã:aviãozinho blaze

Gravura otomana que retrata Maomé. Autor desconhecido, Domínio Público.

Crédito, Domínio Público

Legenda da foto, Maomé promovia reformas tanto no judaísmo quanto no cristianismo

"E isso [a chegadaaviãozinho blazeMaomé] foi importante também para pacificar essas divergências que lá existiam."

"Em linhas gerais, a hégira foi a imigração dos primeiros muçulmanos, historicamente, para a cidadeaviãozinho blazeMedina e também para a Abissínia, mais precisamente onde ficam a Eritreia e a Etiópia", esclarece o cientista da religião Atilla Kus, pesquisador e mestre pela Pontifícia Universidade Católicaaviãozinho blazeSão Paulo (PUC-SP), e autor do livro A Constituiçãoaviãozinho blazeMedina.

Não há um consenso sobre a data exata desse acontecimento histórico. Por várias razões. A começar pelo fatoaviãozinho blazeque a contagem do tempo naquela época era diferenteaviãozinho blazehoje. Em seguida, porque para os muçulmanos, que consideram a hégira justamente o marco zero, o calendário é lunar, diferentemente do gregoriano utilizadoaviãozinho blazeboa parte do mundo contemporâneo.

O próprio calendário gregoriano, aliás, foi implementado há bem menos tempo — 440 anos —, e antes disso eram tantos ajustes realizadosaviãozinho blazetemposaviãozinho blazetempos para corrigir distorções na contagem do tempo que se torna muito difícil fazer uma atualização precisa.

"Além disso, esses acontecimentos por muito tempo foram transmitidos oralmente, então há quem diga que foiaviãozinho blazetal data, há quem diga que foiaviãozinho blazeoutra", explica Kus. Há quem defenda que a hégira tenha começadoaviãozinho blaze21aviãozinho blazejunhoaviãozinho blaze622. Mas também há quem crave 15 ou 16aviãozinho blazejulho ou, ainda, datas no mêsaviãozinho blazesetembro.

Califa Omar, o sucessoraviãozinho blazeMaomé que teria estabelecido o calendário tendo a hégira como marco zero. Imagemaviãozinho blazeautor desconhecido,aviãozinho blazeDomínio Público

Crédito, Domínio Público

Legenda da foto, Califa Omar, o sucessoraviãozinho blazeMaomé que teria estabelecido o calendário tendo a hégira como marco zero

Na contagem muçulmana, cujo calendário é mais curto do que o gregoriano — que tem base solar —, o acontecimento fundamental da hégira ocorreu há 1444 anos.

Nesse calendário, o atual ano começouaviãozinho blaze10aviãozinho blazeagostoaviãozinho blaze2021 e vai até 28aviãozinho blazejulhoaviãozinho blaze2022.

Significado

A palavra hégira significa literalmente separação.

"É afastamento, se afastaraviãozinho blazealgumas pessoas,aviãozinho blazealgo,aviãozinho blazealgum lugar. Nos textos clássicos do islã, como no Alcorão e nos ditos do profeta Muhammad, a hégira é utilizada como um distanciamento daquilo que é mal", explica Kus.

"E nesse mal se considera uma sociedade que tem maldade e injustiça nela."

"A hégira não é só uma imigração física do corpo para outro lugar, mas também uma questão que envolve a espiritualidade", afirma.

"O verdadeiro imigrante, para o islã, é aquele que se afasta daquilo que Deus proibiu, daquilo que é pecado."

Nesse sentido, quando a hégira ocorreu, Kus contextualiza que era o afastamento "de uma sociedade injusta, desigual e perseguidora contra as opiniões diferentes".

É interessante que a questão da imigração apareça como fundamentalaviãozinho blazemuitas religiões. Moisés teria libertado o seu povo do Egito e o conduzido até a terra prometida.

Jesus Cristo nasceuaviãozinho blazeBelém porque José teria a necessidadeaviãozinho blazese alistar lá,aviãozinho blazeum censo que estaria ocorrendo.

E o próprio Jesus, na vida adulta, se tornaria um pregador peregrino.

O mesmo vale para Sidarta Gautama, o pai do budismo, que aos 29 anos acabaria saindo do palácio onde vivia para assumir uma vida errante.

"Acho muito revelador que existam tais semelhanças entre as religiões. São saídasaviãozinho blazelugaresaviãozinho blazeopressão para lugares onde as pessoas podem viveraviãozinho blazereligiosidade e espiritualidade da melhor forma possível", analisa a antropóloga Francirosy Barbosa.

"É como se Deus mandasse um sinal para aquele povo sofridoaviãozinho blazeque há, sim, uma possibilidadeaviãozinho blazeuma certa redenção, um lugaraviãozinho blazeacolhimento onde as pessoas podem exercer, praticaraviãozinho blazereligiosidade. Todas essas experiências religiosas, textos sagrados, marcam isso. Tanto que um dos pilares da fé islâmica é acreditar nos livros sagrados anteriores ao Alcorão, como a Torá, os Salmosaviãozinho blazeDavi, o Antigo Testamento… Porque esses textos também trazem referências a histórias que são importantesaviãozinho blazeserem contadas."

O pesquisador Kus salienta que esse movimento migratórioaviãozinho blazeMaomé representa "o marco inicial da cultura e da civilização islâmica, o marco inicial da sociedade islâmica".

"Quando você trata da questãoaviãozinho blazediferenciação das identidades, a hégira serveaviãozinho blazebase para a diferenciação entre monoteísmo e os politeísmos, alémaviãozinho blazetambém dentro do próprio monoteísmo, ou dos monoteísmos, diferenciando o islã do judaísmo e do cristianismo", argumenta Kus.

Em Medina, na época chamadaaviãozinho blazeIatrebe, os primeiros muçulmanos estabeleceram, segundo o cientista da religião, uma "demarcação identitária" que acabaria formando o "início da civilização islâmica".

"No texto do Alcorão, começa a ideia dos ensinamentos sociais, o Alcorão começa a ter o tomaviãozinho blazenormatividade social, ensinamentosaviãozinho blazecomo o muçulmano deve se comportar dentro da família, com os outros, como deve ser a atitudeaviãozinho blazeum comerciante,aviãozinho blazeum agricultor,aviãozinho blazeum vendedor, como deve ser e quais são os princípiosaviãozinho blazeum governoaviãozinho blazeacordo com os princípios islâmicos", explica.

Medina

Para estudiosos, Medina passou a ser, nessa época, uma cidade-modelo para o islã.

"Há a idealização da cidade virtuosa, aquela onde não existira injustiça", afirma Kus.

Barbosa explica que, naquele momento, o Alcorão estavaaviãozinho blazeprocessoaviãozinho blazeescrita. Ela observa que as suratas — nome que se dá aos capítulos do livro sagrado — "reveladas"aviãozinho blazeMedina são diferentes dasaviãozinho blazeMeca.

"Normalmente, as suratas reveladasaviãozinho blazeMeca tinham expressões como 'ó, povo', 'ó, humanos'. Em Medina, o tratamento é 'ó, fiéis', porque ali Deus já estava falando com os fiéis. Em Medina, as pessoas já são muçulmanas", ressalta ela.

Em Medina, Maomé estabelece uma constituição com os princípios do islãaviãozinho blazeformaaviãozinho blazegoverno. "Por isso a hégira é a passagem para uma sociedade totalmente islâmica", resume a antropóloga.

Imagem persa do século 15 que retrata Maomé. Autor desconhecido, Domínio Público

Crédito, Domínio Público

Legenda da foto, A migração do profeta Maomé e seus seguidores da cidadeaviãozinho blazeMeca para Medina marca o início do islã

Ali são estabelecidas regras como o jejum anual, as orações, a contribuição anual que deve ser feita com base nos ganhosaviãozinho blazecada muçulmano.

"As regras entramaviãozinho blazeprática. Ganham um formato, uma fórmula. Algumas dessas coisas já eram feitasaviãozinho blazeMeca, mas não exatamente como fazem hoje, dentroaviãozinho blazeuma estrutura religiosa. Em Medina a prática religiosa foi estabelecida", pontua Barbosa.

Estudioso do assunto, Kus acredita que na sociedade originalaviãozinho blazeMedina estavam visíveis princípios democráticos como pouco se via naquele tempo.

"A meu ver, a hégira também simboliza isso: a relação do islã com a democracia", comenta.

"Há uma relação muito forte. A constituiçãoaviãozinho blazeMedina foi um documento assinado por cristãos, judeus, muçulmanos e árabes politeístas daquela época."

O texto foi formulado entre os anosaviãozinho blaze622 e 624 e, conforme pesquisaaviãozinho blazeKus, contava com uma "abertura para a liberdadeaviãozinho blazeexpressão muito forte", o que permitiu, "depoisaviãozinho blazemuitos séculos", que houvesse "pela primeira vez uma união política entre árabesaviãozinho blazediferentes segmentosaviãozinho blazeuma sociedade propriamente árabe daquela época".

"Nesse sentido, podemos ver a hégira como uma confirmação, uma afirmação política e democráticaaviãozinho blazerespeito à busca da liberdade sem abrir mão da liberdade dos outros. Algo como assegurar a liberdade para que aaviãozinho blazeliberdade também seja assegurada", afirma ele.

O entendimento da hégira como o marco zero do calendário muçulmano foi obra do segundo califa, ou seja, o segundo sucessoraviãozinho blazeMaomé.

Omar Ibne Alcatabe (586-644) liderou os muçulmanosaviãozinho blaze634 a 644 e instituiu o calendário sete anos após a morte do profeta fundador.

"Na antiga sociedade árabe, não havia marco fixoaviãozinho blazecalendário, as datas sempre divergiam porque eram algo como 'isso aconteceu tantos anos após tal acontecimento'. Para evitar confusões, o califa sistematizou o calendário a partir da hégira", diz Kus.

'Este texto foi originalmente publicadoaviãozinho blazehttp://vesser.net/geral-61865238'

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