A química cerebral que nos empurra para relações tóxicas:uol futebol
Vamos dar um exemplo que pode soar familiar. Você conhece alguém, e a pessoa fica superenvolvida — a conversa flui, vocês compartilham mil coisas, fazem grandes planos, a pessoa diz que você é incrível....
Mas, ao mesmo tempo, ela desaparece por alguns dias, deixa você no vácuo (aqueles benditos dois tiques azuis no Whatsapp!), os planos propostos se concretizam muito raramente ou ela não passa tempo suficiente ao seu lado. Mas depois ela volta, e o ciclo se repete.
"Sabemos que o momento agradável vai voltar e ficamos viciados esperando que volte, pois temos certezauol futebolque no fim das contas sempre volta. Esses momentosuol futeboleuforia são tão agradáveis que esquecemos dos maus momentos", explica a psicóloga Marta Novoa, especialistauol futebolrelacionamentos e autora do livro Amor del Bueno.
Ou seja, você vive altos e baixos — o equivalente ao chamado reforço intermitente.
Uma recompensa imprevisível, aleatória e inconsistente
O psicólogo Frederic Skinner fez um experimento com ratos. Ele os colocouuol futeboluma gaiola onde havia uma alavanca e, cada vez que eles a pressionavam, caía uma bolauol futebolcomida. Eles tentaram ver o que aconteceria se, ao pressioná-la, não caísse comida. Os ratos perderam o interesse, e não pressionaram mais a alavanca. Em ambos os casos, era um reforço contínuo: sempre havia comida ou nunca havia.
Mas o que aconteceria se, ao apertar a alavanca, a comida caísse aleatoriamente? Eles pensaram que o rato esqueceriauol futebolapertar a alavanca.
Mas não. Ele ficou obcecado, e a pressionava o tempo todo, embora não acontecesse nada. Ficou viciado a pontouol futebolabandonar seu descanso, alimentação e asseio.
"Isso é um reforço intermitente, uma recompensa imprevisível, aleatória e inconsistente", diz a bióloga e psicoterapeuta corporal Lorena Cuendias.
"O circuitouol futebolrecompensa do cérebro tem como objetivo reforçar comportamentos para nossa sobrevivência, como nos hidratar, alimentar ou reproduzir. Também é ativado quando recebemos sinais externosuol futebolaprovação e validação", explica.
Com a recompensa e o prazer, são liberadas a dopamina e a serotonina. Quando há consistência no estímulo, quando o prazer é previsível — a bolinhauol futebolcomida sempre chega, as mensagens no WhatsApp são sempre respondidas — o cérebro se acostuma e, a cada vez, libera menos dessas substâncias. Você não treme mais nas bases quando chega um: "Ei, o que você está fazendo?"
Quando há inconsistência, somos como o rato.
Uma drogauol futebolseu cérebro
"Há imprevisibilidade sobre quando e como a alta (hormonal) retornará ao cérebro. É algo precioso, e se persegue issouol futebolqualquer maneira", diz Cuendias.
Diante da privação, os neurônios "vão precisar cada vez maisuol futeboldosesuol futebolestímulos mais fortes".
Além disso, a oxitocina, o hormônio do vínculo e do amor, é inibida — e há um desequilíbrio entre ela e a dopamina.
É aí que entra a "obsessão".
"O desequilíbrio (hormonal) pode fazer com que a pessoa sinta uma vontade intensauol futebolmanter e desejar seu parceiro. A vítima pode fazer coisas que a colocamuol futebolrisco, como permitir certos comportamentos, inclusive sexuais, queuol futeboloutras circunstâncias não tolerariam".
Quem sofre com isso se empenha cada vez mais para manter este relacionamento e voltar à faseuol futebol"luauol futebolmel", na qual obterá mais dopamina. É um vício.
"O víciouol futeboldrogas, tabaco ou heroína tem o mesmo mecanismo", afirma Cuendias.
"A droga dá aquela satisfação na hora e depois vem a depressão, até a síndromeuol futebolabstinência. Acontece exatamente a mesma coisa nos relacionamentos. Os circuitos que são ativados no cérebro são praticamente os mesmos", acrescenta Novoa.
A linha tênue entre 'flerte' e tóxico
Quem nunca sentiu um frio na barriga quando começou a ser seguido por um crush nas redes sociais e recebeu uma mensagem? A gente responde, o flerte continua, para por alguns dias e depois volta. E nos empolgamos com essa paquera, com esse cabouol futebolguerra.
Ambas as terapeutas sustentam que é normal que, no iníciouol futebolum relacionamento — seja ele casual ou formal — haja altos e baixosuol futebolentusiasmo.
"Isso acontece com todos nós. Ansiamos pela fusão. O jogo preliminar é natural para manter o vínculo e para o que a biologia busca, que é procriar", diz Cuendias.
Mas há alguns sinaisuol futebolalerta. De acordo com as especialistas, o importante é olhar para dentrouol futebolsi e ver como nos sentimos.
Para Cuendias, é preciso observar "quando os sentimentos são mais fortes do que nossa capacidadeuol futebolagir para nosso próprio bem e interesse".
Pode ser que haja uma química arrebatadora e uma atração muito forte. Mas, segundo Novoa, elas precisam ser acompanhadasuol futeboluma sensaçãouol futebolpaz como panouol futebolfundo — não só quando a pessoa está presente, mas também quando não está, "porque você tem a certezauol futebolque o tratamento não vai mudar, que ela está disponível para você e há um envolvimento".
Para Novoa, o sinaluol futebolalerta é quando há uma sensaçãouol futebolurgência,uol futebolansiedade: "Quando há percalços, é como uma montanha-russa contínua".
'E nós somos o quê?'
Quando falamosuol futebolassimetria nas relaçõesuol futebolcasal, geralmente falamosuol futeboldiferençasuol futebolidade ou poder. Mas um relacionamento assimétrico também é aqueleuol futebolque uma das pessoas fala sobre suas expectativas, e a outra, não.
Com certeza você também já presenciou esta cena, aquele momento do relacionamentouol futebolque um dos dois pergunta: "E, afinal, nós somos o quê?".
Além dos rótulos, a assimetria surge quando uma das partes afirma o que deseja — e não necessariamente tem que ser uma relação estável —, enquanto a outra parte foge do assunto.
"Você nunca sabeuol futebolque estruturauol futebolrelacionamento está entrando. Não sabe muito bem o que esperar. É uma relaçãouol futebolque não há limites, ou seja,uol futebolque não é indicadouol futebolnenhum momento o que é saudável para mim e o que não é", aponta Novoa.
Dessa forma, vale tudo e, também, tudo é permitido. É aí que entra a toxicidade.
"Isso inevitavelmente nos leva a assimetrias. É muito difícil que haja satisfação geraluol futebolambos os lados."
Isso, poruol futebolvez, aumenta aquela sensaçãouol futebolmontanha-russa constante que Novoa mencionou.
"Nunca há paz, tudo é uma tremenda ansiedade. E quando há reconciliação também é muito intensa".
Bandeiras vermelhas
Alémuol futebololhar para dentrouol futebolnós mesmos e ver como nos sentimos, os especialistas dão outras orientações para detectar se estamos caindouol futebolum relacionamento tóxico.
"Se perdemos nossa própria autonomia e identidade, sendo submetidos a controle e manipulação, se nos abandonamos, se começamos a duvidaruol futebolnós mesmos ou nos perdemos no outro, quando há desequilíbrio e nossa energia está quase toda investida na relação", lista Cuendias.
A inquietação é outro fator, aquela sensaçãouol futebolinsegurança que sentimos sem saberuol futebolonde vem.
"Pode haver algum conflitouol futebolum relacionamento, mas há tranquilidade. Outro ponto é que você sente que não pode ser como é. Que tem que esconder uma parteuol futebolsi mesmo porque acredita que a outra pessoa não vai aceitar ou não faz isso abertamente", observa Novoa.
Acontece, sobretudo,uol futebolrelacionamentosuol futebolcasais — estáveis ou esporádicos — mas também nas relações familiares euol futebolamizade.
Veja, diga, saia
Quem está dentrouol futebolum relacionamento tóxico não vê isso com tanta clareza justamente por causa dos mesmos processos que são ativados no cérebro para que o apego aconteça.
Por isso, as duas especialistas sugerem que o autoconhecimento é essencial "tanto para não entrar ou para sair"uol futeboluma relação desse tipo.
"Trabalhar nossa autoestima, comunicação, escuta, saber colocar limites, administrar conflitos. Tudo issouol futebolforma preventiva para entrar, mas também ajuda muito a gente a sair", destaca Novoa.
Para Cuendias, é fundamental trabalhar na terapia o vínculouol futebolapego que nos levou a essa relação tóxica:
"O gatilho para isso é um laço afetivo inseguro na infância que nos faz procurar o que nos faltou nos outros".
Para fortalecer isso, se você não puder ir à terapia, é importante buscar a ajudauol futebolalguém que nos ofereça uma referência do que é um relacionamento seguro e nos ajude a ver que pode ser que tenhamos uma química extremamente forte, mas com a pessoa errada.
Algumas práticas tóxicas
- Breadcrumbing: Deixar migalhasuol futebolamor,uol futebolatenção, para a outra pessoa. Mas evitar o compromisso. Não precisa ser subir ao altar, mas neste caso a pessoa evita falar sobre o assunto. Não há intençãouol futebolconsolidar um relacionamento, mas isso tampouco é dito.
- Love bombing: Bombardeiouol futebolamor. Você está no início do relacionamento, há aquela euforia enorme. Tudo é um contouol futebolfadas, perfeito e intenso. Tudo é amor e atenção. Até que quem aplica esta prática, aos poucos, começa a ficar frio e distante, seco. É mais gradual, há mais envolvimento do que no tipouol futebolrelacionamento anterior. A pessoa que sofre muitas vezes pergunta o que fezuol futebolerrado. Pede para que digam a ela, e quem aplica o love bombing nega (aqui já entramosuol futeboloutra fase, que envolve manipulação).
- Hoovering: Quando, após o rompimento do relacionamento, a pessoa reaparece emuol futebolvida, principalmenteuol futeboldatas especiais como aniversários, Natal. Pode até aparecer como se nada tivesse acontecido, como quem não quer nada e com a intençãouol futebolretomar algo, mas tampouco quer criar uma conversa real sobre o assunto, não quer saber como você está. Pode tentar se conectar a partir da vitimização, te causar pena, para que você se conecte com ele ou ela emocionalmenteuol futebolalguma forma. O que a pessoa quase sempre busca é ampliar seu ego.
- Benching: Você está no bancouol futebolreserva. Ou seja, esperando como uma segunda opção. A pessoa nunca se envolve totalmente, mas nunca vai embora, está sempre no panouol futebolfundo. Reaparece quando não está se dando bem com outras pessoas ou quando se sente sozinha.
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