'Bolsonaro começou a destruir o continente': rapper Residente explica por que destacou presidente brasileiroclipe:
Com issomente, o artista tentou retratar a Américaponta a ponta, para deixar claro que "é da Terra do Fogo ao Canadá".
A produção, que veio a público na quinta-feira e que já conta com milhõesvisualizações no YouTube, une a vozResidente à dupla Ibeyi, formada pelas irmãsascendência cubana Naomi Díaz e Lisa-Kaindé.
No clipe, ele encena protestos na Venezuela, Colômbia e Porto Rico; apresenta imagensguerrilheiros, narcotraficantes e favelas; gangues que oram a um Cristo crucificado na praia e uma mulher que, separadaseu filho, o amamenta atravésuma cerca; coloca pirâmides pré-colombianas no meio das cidades e substitui a Estátua da Liberdade por outrauma pessoaum povo originário. E também critica o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro (PL).
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Também mostra eventos históricos específicosforma crua, como o assassinato do músico chileno Víctor Jara, que foi baleado na cabeça1973 pela ditadura militarAugusto Pinochet, após ter sofrido tortura.
A BBC News Mundo conversou com o artista sobre o simbolismo por trássua nova música. Confira trechos da entrevista abaixo.
BBC Mundo - O vídeo e a letra da música estão cheiossimbolismos. O que é a América para você?
Residente - O vídeo começa com uma obra do artista chileno Alfredo Jaar, que fez a mesma afirmação há cerca30 anos: a América é todo o continente, e não apenas um país. Foi nisso que me inspirei para dar o nome à música.
Do pontovista dos Estados Unidos, as situações que apresento no vídeo não fazem parte da América.
Obviamente, é a América e todos nós sabemos disso. Mas é um segredo aberto que as pessoas ouvem e deixam passar.
Quando você o interioriza, dentro do seu corpo, do seu ser e do seu espírito, incomoda saber que os Estados Unidos carregam um nome que pertence a todo um continente.
Nesses temposque as palavras e seus usos estão sendo modificados, o que as palavras significam, (...) pode ser um bom momento para buscar alternativas para a palavra 'América',inglês. Quando se referem ao seu país, não precisam dizer 'América', podem dizer Estados Unidos. Fácil.
BBC - No vídeo, você apresenta acontecimentos emmaioria trágicos ou que remetem ao inconformismo nos diferentes países da América Latina. Por que você decidiu mostrar este lado do continente?
Residente - Porque a maioria das situações que apresento no vídeo estão ligadas a intervenções dos Estados Unidos.
Qual a melhor maneiradizer: 'irmão, você está levando o nome depoister feito a Operação Condor e ter matado meio milhãopessoas, e ter causado indiretamente a morteVíctor Jara durante a ditaduraAugusto Pinochet'.
Também é um bom momento para tocardiferentes situações que ocorreram na Colômbia, na Venezuela e rever os importantes acontecimentos na América.
BBC - O vídeo é uma resposta ao clipe This is America ,Childish Gambino, que fazia uma crítica ácida ao racismo nos Estados Unidos?
Residente - Sou fã do Gambino. Meu vídeo mostra o que estava faltandoThis is America. Estou completando-o, ajudando-o.
Eu canto com aborrecimento, porque eu faço rap do começo ao fim da música, e enquanto eu estou fazendo isso, é difícil parar e ser uma pessoa legal, como no finaluma piada.
Mas é por isso que digo "meu irmão" na letra. Eu o considero um irmão como todos os afro-americanos. Tem que haver uma unidade entre afro-americanos e latinos também.
BBC - A músicaGambino é2018. Há alguma razão para você lançar This is not America agora?
Residente - Esse é um tema que me ocorreu há muito tempo, desde antes da pandemia. A pandemia paralisou muitos lançamentos. A primeira parte do álbum foi a música René, que saiu há dois anos.
Parece que é uma resposta tardia, mas não, eu fiz a música rapidamente. Eu disse 'deixe-me contribuir com a ideia para preencher o que está faltando'. E foi isso que fiz.
BBC - Onde você gravou o vídeo?
Residente - Gravei o clipeTijuana, no México. Eu odeio voar. Eu odeio voartodos os tiposaeronaves. Foi fácil chegar lá por terra porque eu estavaLos Angeles na época. Tijuana é bem colorida, tem uma equipeprodução super boa, porque eles produzem muita coisa para Hollywood.
Todos os países latino-americanos compartilham visualmente muitas coisas: a cor dos bairros, as pessoas, nossa aparência física.
O México tem isso, é como um funil latino-americano onde tudo que passa pela América Latina tem que passar por lá anteschegar aos Estados Unidos, e um poucotudo fica lá.
BBC - Por que você decidiu começar o vídeo com a líder nacionalista porto-riquenha Lolita Lebrón? (Ela foi presa1954 junto com outras três pessoas por disparar uma arma no Congresso dos Estados Unidos).
Residente - Para que outras pessoas possam conhecê-la, e quando perguntarem, possam falar sobre ela e sobre a situação colonialPorto Rico. É uma boa maneiracomeçar o vídeo, com aquele evento do ataque ao Congresso.
É forte, sou porto-riquenho e estamos próximos do governo dos Estados Unidos. Nosso presidente é Joe Biden.
Mas a ideia principal é contar a história para pessoas que não a conhecem.
BBC - Há quem diga que a ideiaculpar o colonizador pelos eventos que ocorrem na América Latina eoutras partes do mundo já foi muito usada.
Residente - Eu disse isso na música: 'Eu perdoo, mas nunca esqueço'. Eles (colonizadores) foram perdoados, mas não podemos esquecer a raiz, o porquêas coisas terem acontecido.
É como dizer aos afro-americanos para esquecer todas as atrocidades cometidas contra eles. Você não pode esquecer isso. Você pode perdoar, viverpaz com isso, mas não esquecer.
Muitos brancos nos Estados Unidos também não esquecem disso e estão cientes, e têm o cuidado com os afro-americanos quando vão falar deles, mas é normal que haja essa coragem.
E não é contra os Estados Unidos, um país brutal. Eu tenho americanos na minha banda que amam This Is Not America. A música não é sobre criar uma ideia e um clichêque nós odiamos os Estados Unidos.
Estamos apontando como o governo dos Estados Unidos doutrinou muitas pessoas a acreditar que eles são a América e como eles colonizaram todos os países e estiveram envolvidos na maioria das atrocidades que ocorreram na América Latina.
O mesmo vale para a Rússia e seus países adjacentes. O mesmo vale para a China. Países grandes sempre fazem isso.
BBC - Muitas pessoas perguntam por que você critica os Estados Unidos e ainda vive no país.
Essa é uma pergunta bem boba. É como dizer a um venezuelano que se ele mora na Venezuela não pode criticar seu país.
BBC - Mas o que você responde quando alguém faz essa pergunta?
Residente - Há muitas maneirasresponder. Acredito na independência dos países, estou vivendoum país independente, uma república. Mas eu não moro nos Estados Unidos integralmente, moroPorto Rico. Essa é a coisa mais importante, o que acontece é que as pessoas inventam qualquer história. Eu trabalho nos Estados Unidos, às vezes por vários meses.
Mas se eu tenho uma casaPorto Rico, isso não aparece. 'Ele comprou uma casaLos Angeles'... Bem, é assim que dão a notícia. Mas minha casa ficaPorto Rico, eu votoPorto Rico, estivePorto Rico durante a pandemia. O que acontece é que tenho uma equipetrabalhoLos Angeles, me reúno com ela, fico um tempo e volto para Porto Rico.
BBC - Das cenas e símbolos que você apresenta no vídeo, há alguns que se destacam, como o assassinatoVíctor Jara. Quais são os mais significativos para você?
Residente - Sim, é uma das mortes mais fortes. Mataram um músico por tocar música. É como se tivessem matado Nina Simone, apesarque ela foi censurada e tornaramvida muito difícil. Mas acho que há muitas imagens poderosas. A Estátua da Liberdade com os latino-americanos, acho forte. Bolsonaro também, comendo e limpando a boca com a bandeira do Brasil.
BBC - Por que você escolhe Jair Bolsonaro e não dá destaque a outros líderes latino-americanos?
Residente - Poderíamos fazer um vídeotodos os presidentes lavando a boca com a bandeira. O que acontece é que havia apenas um espaço, e para mim quem ganhou o prêmio este ano por tudo que fez foi Bolsonaro.
Embora existam muitos, Bolsonaro tem algo particular. Por mais que esses líderes tenham cometido atrocidades, alguém que eu imagino limpando a boca com bandeiras é Bolsonaro. É alguém que incendiou a Amazônia, entende? Começou a destruir o continente.
Além disso, o Brasil é sempre excluído quando as coisas latino-americanas acontecem. As pessoas se esquecem do Brasil porque a população não fala espanhol. Então foi bom representá-lo desse modo. Mas acho que Daniel Ortega (presidente da Nicarágua) também mereceu, assim como muitos outros presidentes... Nicolás Maduro. Há uma listapresidentes que merecem ser destacados pelo que fazemseus países.
BBC - Tem uma parte com alguns jovens baleados na cabeça...
Residente - Esse trecho representa muitos dos jovens latino-americanos, estudantes, que foram assassinados. Estudantes que se manifestaram na Venezuela,Cali, na Colômbia. Na Argentina,todos os lugares.
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