'Sou trans e meu companheiro é um homem hétero':

Daniella e Josh deitados na grama e sorrindo para foto

Crédito, Daniella McDonald

Legenda da foto, Daniella e Josh estão juntos há maisdois anos

Daniella McDonald é uma mulher trans que se sente atraída por homens. A californiana e estudantemedicina diz que namorar rapazes heterossexuais foi no início um "showhorrores", mas nos últimos dois anos e meio, ela estáum relacionamento estável.

Em entrevista à repórtergênero e identidade da BBC, Megha Mohan, Daniella McDonald contahistória e diz acreditar que homens heterossexuais podem estar lentamente se tornando mais receptivos à ideianamorar mulheres trans. Confira abaixo seu relato.

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Josh e meu pai estavam pescando lado-a-ladoum lago nas montanhasSierra Nevada, Califórnia (Estados Unidos). Era parteuma programaçãofamília, na qual fomos acampar nos Mammoth Lakes, uma região fascinante por suas grandes montanhas, lagoságua clara, trilhas sinuosas e pelo céu não poluído.

Até que Josh se virou para mim e sorriu. Naquele momento, eu senti não apenas aquele alívioperceber que seu namorado encaixa sem esforços na família. Ao olhar para os dois homens da minha vida um do lado do outro, tive uma sensação avassaladorapaz.

É porque há um tempo, eu não poderia imaginar uma cena como essa. AntesJosh, namorar era um showhorrores.

Como muitas pessoas da minha idade, eu usava aplicativospaquera.

Sou bastante conservadora quando se trata do que queroum relacionamento romântico: monogamia, companheirismo, alguém com quem eu possa revezar o preparo do café da manhã, uma pessoa que me apoie na rotinalongas horasestudo na faculdademedicina na UniversidadeCalifórniaSan Diego…

Então, meu perfil no aplicativo refletia isso. Eu escrevi uma descrição padrão, exceto pelas duas primeiras palavras: "mulher transgênero".

Daniella sorri com jaleco e estetoscópio

Crédito, Daniella McDonald

Legenda da foto, Daniella McDonald está estudando medicina

Não escondo minha identidadegênero. Sou sempre direta, desde o início. Comecei a fazer a transição física aos 26 anos, mas vivo como Daniella há anos.

Apesarlevar a vida como mulher, nunca me conectei com os debates sobre pessoas trans na mídia.

Minhas amigas trans e eu não discutimos interminavelmentequais banheiros ir ou quais pronomes usar. Falamos sobre o que a maioria dos jovens fala: relacionamentos.

Como uma mulher que se sente atraída por homens, eu queria estar com um homem que se sentisse atraído por mulheres.

Mas eu não estava preparada para o comportamentoalguns homens no aplicativo.

A maioria das mensagens que eu recebia eram horríveis. Eu acordava com mensagens diretas me chamando"travesti", meu telefone exibia as palavras "você é um homem". Eu recebia ameaçasmorte com longos parágrafos detalhando como eu deveria ser assassinada.

Menos extremos, mas ainda preocupantes, eram os homens que tinham um interesse perverso por mulheres trans.

Eles me viam como um experimento exótico temporário e não se atentavam a limites respeitosos. Nossos diálogos iniciais já se concentravamperguntas sobre meus órgãos genitais e que tiposexo teríamos.

E também havia homens gentis que queriam ficar comigo, mas namorar com eles ainda era um desafio.

Os homens que se apresentavamforma legal e respeitosa ficavam envergonhadosserem vistospúblico com uma mulher trans.

Esses homens não me apresentariam àfamília ou a amigos. Alguns diziam que perderiam seus trabalhos se o empregador descobrisse que eles estavam namorando uma mulher trans.

Para mim, tudo parecia na verdade uma homofobia internalizada: eles não conseguiam pensarmim como uma mulher e não queriam que as pessoassuas vidas os vissem como gays.

Essas experiências foram difíceis para mim, muito.

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'Posso dizer com segurança que relacionamentos assim estão aumentando', diz criadorasite

Maki e Cyril

Crédito, My Transgender Date

Legenda da foto, Maki e Cyril; eles administram sitepaquera My Transgender Date

Maki Gingoyon administra nas Filipinas o sitepaquera My Transgender Date ("Meu encontro transgênero",tradução livre) junto com seu parceiro cisgênero, Cyril Mazur. Maki conta que, quando o projeto começou2013, 1,5 milhãoperfis foram criados imediatamente, mas poucas pessoasfato usavam ativamente o site.

Muita coisa mudou nos últimos oito anos, diz ela. O númeromembros usando rotineiramente o My Transgender Date aumentoualgumas centenas para 120 mil. Um número crescentehomens cisgêneros heterossexuais querendo encontrar parceiras trans agora se sentem confiantes postando suas fotos, e mais pessoas20 a 30 anos se inscreveram, reduzindo a idade média.

"Criamos o site2013 porque queríamos um lugar decente e seguro para mulheres trans e homens cisgêneros encontrarem relacionamentos românticos significativos entre si", diz Maki.

"Paquerar sendo uma pessoa transgênero pode ser uma posição vulnerável, os espaços online podem ser excessivamente fetichizados. Pessoas trans encontram conforto e sensocomunidadeespaços virtuais, mas estes também podem ser espaços humilhantes. No entanto, as coisas estão mudando. Posso dizer com segurança que relacionamentos assim (entre pessoas trans e cis) estão aumentando", acrescenta ela.

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Lembro-meuma vez ser buscadacasa e levada para um encontro no cinema. Eu estava tão animada! Enquanto ele comprava os ingressos, eu pensava: "Uau, esse homem é muito fofo e nós estamosum encontro 'típico' legal".

Então, quando nos sentamos na sala escura e os trailers começaram a passar, ele se virou para mim e disse: "Eu simplesmente acho que não posso fazer isso". Ele se levantou e saiu. Eu o segui até a frente (do cinema), onde ele conseguiu o reembolso dos ingressos e foi embora, deixando-me tomar meu próprio caminhovolta para casa.

Eu estava devastada. Era um ciclo constantehumilhação, onde sentia que havia algo errado comigo, algo fundamentalmente não amável.

E então eu conheci Josh.

Ele me mandou uma mensagemum aplicativopaquera, e as coisas foram diferentes.

Josh e Daniella sorriem para foto sob céu azul

Crédito, Daniella McDonald

Legenda da foto, 'Josh disse que não via diferença entre namorar comigo e namorar uma mulher cisgênero', conta Daniella

Josh é cinco anos mais novo que eu e é militar dos EUA. Ele vemuma família filipino-americana grande e amorosa e contou a eles tudo sobre mim — incluindo minha identidadegênero — quando viu que estávamosum relacionamento sério.

Houve alguma surpresa quando eles entenderam o fatoque o filho estava com uma mulher trans, mas eles sempre foram gentis.

A irmãJosh foi a primeira pessoa da família que conheci, e pude ver a felicidade no rosto dele quando nos apresentou e logo ficou evidente que nos demos bem.

Ao longo dos meses, conheci toda a famíliaJosh. A primeira coisa que o avô disse quando me viu foi: "Josh, ela é tão linda".

Uma vez perguntei ao meu namorado como ele podia ser tão aberto e diferentemuitos outros homens heterossexuais. Ele respondeu que uma mulher trans faz parte do círculoamigos e que nunca a enxergou apenas poridentidadegênero.

O poderapenas conhecer uma pessoa trans o abriu. Josh disse que não via diferença entre namorar comigo e namorar uma mulher cisgênero. Para ele, temos um "amor normal".

Isso foi há dois anos e meio e estamos juntos desde então. Josh e eu temos os mesmos desafios e discussões sobre nosso futuro como qualquer outro casal. E embora eu tenha um grande círculoamigos queer que acolhem todos os tiposrelacionamentos, eu diria que o nosso é bem tradicional (seja lá o que isso for).

O maior obstáculo agora é o tempo que temos que passar separados por causanossas carreiras. Josh tem que passar meses a fiotreinamentos militares e eu estou 12 horas por dia na faculdademedicina.

Mas também tenho outra ambição. Com minha amiga Avi Manullang, que também é trans e enfermeira, quero lançar um aplicativopaquera para pessoas trans e não trans que estão abertas a aceitar pessoas com diferentes identidadesgênero.

Mulheres trans sofrem níveis desproporcionaisviolência sexual, por isso estamos trabalhandomecanismos para garantir a segurança. Todos devem ter o direitoviver e amar com dignidade.

Josh e Daniella posam para foto pertolago

Crédito, Daniella McDonald

Legenda da foto, Josh e Daniella comemoram que ambos tenham se dado bem com as famílias um do outro

Estou esperançosa para o futuro. Quando eu era criança, as únicas pessoas trans que via na TV eram ridicularizadasprogramas como oJerry Springer. Agora temos jovens atores que são abertamente trans. Pessoas como Hunter Schafer da série Euphoria, que são muito abertas sobreidentidadeuma maneira legal e discreta. Isso não existia quando eu estava crescendo.

À medida que as pessoas se acostumam a ver diferentes identidadesgênero se tornarem elas mesmas, sei que as mentes vão mudar e que haverá mais relacionamentos como o meu eJosh.

Eu definitivamente não estou dizendo que todo mundo precisa estar aberto para namorar pessoas trans. De forma alguma estou dizendo isso. Mas mais pessoas precisam estar abertas à ideiaque o amor cis-trans existe e está tudo bem.

Meu relacionamento atualmente é a exceção à regra e não a regra, mas acho que está melhorando, especialmente com a geração Z sendo capazse sentir mais confortável com a diversidadegênero e sendo aberta sobre isso,público. 2

Há mais3,7 milhõesvisualizações na hashtag cistranscouple ("casal cistrans") no TikTok. E estou muito animada com isso.

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