Cuidados paliativos: Os erros e mitos no tratamentodono pixbetdoenças graves no Brasil:dono pixbet
No finaldono pixbetsemana após a balada, Soares resolveu entender melhor o que esse taldono pixbetpaliativo realmente significava. "Quando finalmente compreendi, percebi que era algo óbvio, que deveria ter sido oferecido a mim desde o começo do meu tratamento", diz.
"Decidi então começar a fazer cuidados paliativos por mim mesma. Fui atrásdono pixbetterapia, suporte espiritual e resolvi muitas questões que me causavam sofrimento", completa.
Nos últimos seis anos, Soares virou uma das vozes mais ativas do movimento paliativista brasileiro. Ela lançou os livros Enquanto Eu Respirar,dono pixbet2019, e Vida Inteira,dono pixbet2020, ambos pela Editora Sextante, cuida da contadono pixbetInstagram @paliativas, que tem maisdono pixbet120 mil seguidores, e coordena a Casa Paliativa, um espaçodono pixbetconvivência para pacientes com enfermidades que ameaçam a vida.
"Eu posso até estar com uma doença grave. Mesmo assim, ainda vale a pena viver da melhor forma possível", raciocina.
Dez anos depois do diagnósticodono pixbetcâncer, Soares seguedono pixbettratamento, mas conta que conseguiu conviver melhor com a doença graças aos cuidados palilativos.
Do pouco conhecimento ao olho do furacão
Nas últimas semanas, os cuidados paliativos foram alvodono pixbetum intenso debate por causa da CPI da Covid. O assunto veio à tona pela primeira vez no dia 22dono pixbetsetembro, quando os parlamentares que compõem a comissão ouviram o médico Pedro Benedito Batista Junior, diretor da Prevent Senior. Na ocasião, o senador Otto Alencar (PSD-BA) afirmou que a operadoradono pixbetsaúde criou a figura do "paliatista".
"Ouvi muitos médicos dizendo, confirmando, que tiravam [o paciente com covid-19] da UTI, botavam na enfermaria e faziam a 'paliatização'. O seu hospital criou uma nova especialidade: 'paliatistas'", declarou o senador.
Ao ser perguntado o que significava esse termo, Alencar explicou: "Ao contráriodono pixbetfazer o tratamento correto dentro da UTI [...], o que acontecia? O paciente ficava sete dias. 'Esse aqui não vai ter jeito, vai para a enfermaria e vai tomar paliativos'. Por isso, chama-se 'paliatização' [...] Acredito que é um absurdo…"
No mesmo dia e nas outras reuniões que se seguiram, membros da CPI e os próprios depoentes fizeram uma sériedono pixbetoutras afirmações relacionadas a esse tópico. Alguns chegaram a dizer,dono pixbetforma equivocada, que cuidados paliativos só são ofertados à beira da morte e que a prática é similar à eutanásia.
O tema voltou a esquentar na sessão do dia 7dono pixbetoutubro, quando o advogado Tadeu Fredericodono pixbetAndrade,dono pixbet65 anos, compareceu à comissão e prestou seu relato após ficar internado com covid-19 num hospital da Prevent Senior e ouvir falardono pixbetcuidados paliativos.
Após toda essa exposição inesperada, entidades como a Academia Nacionaldono pixbetCuidados Paliativos (ANCP) soltaram notasdono pixbetrepúdio às alegações e às formas como essa especialidade foi tratada. Parte desse material, inclusive, foi lido na própria CPI pelo senador Humberto Costa (PT-PE) na sessão do dia 29dono pixbetsetembro.
"Como o Brasil não tem política ou financiamento público e privado sobre os cuidados paliativos, o sofrimento dos pacientes acaba sempre relegado a um segundo plano", protesta o geriatra Douglas Henrique Crispim, presidente da ANCP.
"E há uma percepção absolutamente errada, quase uma lenda urbana, do que é ser paliativista. Muitos acham que a gente só é chamado na horadono pixbetsedar o paciente, para ele morrer. Isso vem da faltadono pixbetconhecimento técnico sobre o assunto", completa a médica Ana Claudia Arantes, fundadora da Casa Humana, uma instituição que trabalha com cuidados paliativos, e autora dos livros A Morte é um Dia que Vale a Pena Viver e Histórias Lindasdono pixbetMorrer, ambos lançados pela Editora Sextante.
Dias depois daquela fala inicial,dono pixbet22/9, Otto Alencar disse à coluna da jornalista Mônica Bergamo, da Folhadono pixbetS. Paulo, que não se expressou bem e foi mal interpretado ao falar dos cuidados paliativos. A BBC News Brasil também procurou diretamente a assessoriadono pixbetimprensa do senador para que ele tivesse a oportunidadedono pixbetdar o seu pontodono pixbetvista sobre a questão, mas não recebemos uma resposta até a publicação desta reportagem.
Mas é possível aproveitar a polêmica criada na CPI e a proximidade com o Dia Mundial dos Cuidados Paliativos, comemoradodono pixbet9dono pixbetoutubrodono pixbet2021, para desfazer alguns mitos e explicardono pixbetuma vez por todas o que é essa especialidade.
O que são os cuidados paliativos?
Em resumo, cuidados paliativos são uma área que lida com o sofrimento gerado pelo diagnóstico e pelo tratamentodono pixbetuma doença que ameaça a vida.
"A enfermidade envolve várias dimensõesdono pixbetsofrimento, da dor física às aflições espirituais e existenciais", acrescenta Crispim, que também é médico assistente do Núcleodono pixbetCuidados Paliativos do Hospital das Clínicasdono pixbetSão Paulo.
"Muitas vezes, o paciente morre na UTI [Unidadedono pixbetTerapia Intensiva], longedono pixbetseus familiares e submetido a procedimentos que causam angústia e não vão mais salvar a vida dele", aponta.
O paliativista atua junto do enfermo edono pixbettoda adono pixbetfamília para aliviar possíveis focosdono pixbetaflição e garantir o mínimodono pixbetbem-estar, dignidade, autonomia e independência neste momento.
Para Crispim, os profissionaisdono pixbetsaúde ainda carregam uma noção muito equivocada do que é cuidardono pixbetalguém.
"A nossa medicina é condicionada a entregar três coisas como valor: exames, medicamentos e procedimentos", diz.
"Mas há um limitedono pixbetaté onde a medicina vai e nós podemos, sim, prover um outro tipodono pixbetcuidado, que aproxima e conecta as pessoas sem 'abandonar' o paciente", completa.
"A sociedade tem um entendimentodono pixbetque fazer intervenções é sempre bom e deixardono pixbetfazer é ruim. No cuidado paliativo, nós também prescrevemos tratamentos e procedimentos, mas nosso objetivo principal não é mais o controle da doença ou a cura", resume Arantes.
Que fique claro: a decisão sobre fazer ou não determinado tratamento dependedono pixbetuma conversa franca e honesta, que envolve toda a equipe médica, o paciente (se ele estiver consciente) e a família. A partir dessa reunião, é possível chegar a um consenso e tomar uma decisãodono pixbetconjunto sobre o melhor caminho a seguir.
O que não são cuidados paliativos?
Ao contrário do que foi dito na CPI, os cuidados paliativos, quando bem feitos e conduzidos, não tem nada a ver com eutanásia, ou com deixar o paciente morrer sem oferecer a ele o melhor tratamento.
"O pensamento é justamente o contrário: os cuidados paliativos são a principal forma que o Brasil tem para combater a eutanásia, que inclusive é uma prática ilegal no país", diferencia Crispim.
"Nosso trabalho é discutir os tratamentos disponíveis para aquele caso e pensar, seguindo a evidência científica, as opções terapêuticas que não vão funcionar e podem até aumentar o sofrimento", complementa.
Vale dizer aqui que a eutanásia é, por definição, uma ação ou uma omissão com a única finalidadedono pixbetabreviar a vidadono pixbetalguém.
Os cuidados paliativos, reforça Crispim, tentam trazer alíviodono pixbettodas as fases da doença e podem ser empregadosdono pixbetparalelo à terapia-padrão.
Eles só são indicados no fim da vida?
Arantes lamenta que, no Brasil, a equipedono pixbetcuidados paliativos só seja chamada nos últimos dias, quando não há mais muita coisa a ser feita.
"Infelizmente, a maioria dos brasileiros morrem doentes e mal cuidados", critica a médica.
O ideal, segundo o pontodono pixbetvista dela, é contar com o suportedono pixbetespecialistas na área desde o início, no momentodono pixbetque é feito o diagnóstico.
"O diadono pixbetque você pega o resultadodono pixbetum exame e sabe que está com uma doença que ameaçadono pixbetvida marca o início do sofrimento", diz.
E existem pesquisas mostrando que a aplicação precoce dos cuidados paliativos pode fazer toda a diferença.
Um estudo feitodono pixbet2015 no Memorial Sloan-Kettering Cancer Center, nos Estados Unidos, comparou dois gruposdono pixbetpacientes com câncer avançado. O primeiro recebeu cuidados paliativos logo após o diagnóstico, enquanto o segundo esperou três meses antesdono pixbetiniciar esse tipodono pixbetcuidado.
Os resultados mostram que a primeira turma apresentou uma taxadono pixbetsobrevivência após um ano relativamente maiordono pixbetcomparação com os outros indivíduos.
E os benefícios não se limitam aos pacientes: os próprios cuidadores apresentam melhor qualidadedono pixbetvida e menos taxasdono pixbetsintomas depressivos quando as terapias são iniciadas com antecedência.
Essas e outras evidências fizeram a Sociedade Americanadono pixbetOncologia Clínica (Asco, na sigladono pixbetinglês) mudar, a partirdono pixbet2016, suas diretrizes e indicar os cuidados paliativos como parte integrante do tratamento do câncer.
"Quanto antes a integração paliativa ocorrer, melhor os pacientes se sentirão, maior será o tempodono pixbetsobrevivência deles e mais fácil será tolerar todos os medicamentos", definiu a médica Vyjeyanthi Periyakoil, professora da Universidade Stanford e uma das autoras da recomendação.
Que tipodono pixbetdoenças demandam a atençãodono pixbetum paliativista?
Engana-se quem pensa que os indivíduos com câncer são os únicos beneficiados pelos cuidados paliativos.
"Pacientes com doença renal, pulmonar, cardíaca, enfim, qualquer uma que ameaça a continuidade da vida, podem se beneficiar", resume Arantes.
Que profissionais podem atuar nessa área?
A chave para uma equipe paliativista bem-sucedida está na multidisciplinaridade e nas diferentes formações dos profissionais
"O time básico é composto por médico, enfermeiro, psicólogo e assistente social", lista Crispim.
"Mas serviços mais especializados também contam com terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo, odontologista e fisioterapeuta", acrescenta.
Na visão do especialista, cada um desses profissionais pode atuardono pixbetuma forma diferente, aliviando diversos tiposdono pixbetdor e sofrimento que podem surgir pelo caminho.
Essa é uma especialidade nova na medicina?
No formato atual, o paliativismo surgiu entre o final dos anos 1960 e o início dos 1970 no Reino Unido.
A pioneira da área é a britânica Cicely Saunders (1918-2005). Ela se formoudono pixbetenfermagem, serviço social e medicina com o objetivodono pixbetaliviar o sofrimento humano.
Em 1967, Saunders fundou o St. Christopher's Hospice,dono pixbetLondres, que fornece cuidado integral ao paciente com doença grave.
De acordo com o site da ANCP, a enfermeira, assistente social e médica se notabilizou pela frase "ainda há muito a fazer", que era repetida toda vez que um paciente dizia ter ouvidodono pixbetprofissionaisdono pixbetsaúde que "não há mais nada a fazer".
Outra referência na área foi Elisabeth Kübler-Ross (1926-2004), uma psiquiatra suíça que escreveu o livro Sobre a Morte ou o Morrer (Editora WWF).
Mas o conceitodono pixbetcuidado integral do sofrimento é bem mais antigo que isso. "Até o início do século 20, o médico era a pessoa que acompanhava o paciente, até porque não havia muita coisa a ser feita na maioria dos casos", explica Arantes.
O nome paliativo, aliás, vem do latim pallium, que era o nome do manto usado por cavaleiros como proteção das chuvas ao longo das viagens.
Tratar a dor é o único foco dos cuidados paliativos?
Essa costuma ser a primeira missão dos paliativistas, mas não a única.
"A pessoa que está com dor não consegue sequer pensar nas outras dimensõesdono pixbetsofrimento", destaca Soares.
Nos dias atuais, a medicina tem à disposição alguns remédios para acabar com os incômodos físicos. O desafio, claro, é saber usá-los na dose e no momento certo.
"A dor chega a atrapalhar o próprio tratamento, já que ela causa ansiedade e depressão e interfere diretamente na qualidadedono pixbetvida", nota a escritora e ativista.
Quando esse deixadono pixbetser o incômodo principal, a equipedono pixbetcuidados paliativos consegue atuar com mais tranquilidadedono pixbetoutros aspectos importantes.
"É nessa hora que eles perguntam as outras dores que estamos sentindo. Isso envolve uma sériedono pixbetoutros fatores, que vão desde questões existenciais, como qual o propósito da vida e o que há depois da morte, até coisas práticas, como os direitos do paciente e o transporte até o hospital", detalha Soares.
Nessa seara, entra também uma discussão sobre estigmas e chavões muito comuns nesse momentodono pixbetmaior debilidade.
"Ouvimos muitodono pixbetoutras pessoas que precisamos ter fé para melhorar. Daí, quando não melhoramos, ficamos com aquela sensaçãodono pixbetque estamos sendo castigados por uma força divina e não merecemos a cura", aponta Soares.
"Outra coisa vergonhosa é usar palavras bélicas para definir o tratamentodono pixbetuma doença. Nos acostumamos a ouvir que a pessoa 'perdeu a batalha' contra o câncer, como se ela fosse fracassada", acrescenta Arantes.
"Se a cura fosse tão fácil assim, não teríamos tanta gente estudando o assunto há décadas", completa.
Ainda na questão dos preconceitos e mitos, o médico Douglas Henrique Crispim, presidente da ANCP, fez um pedido especial pouco antesdono pixbetencerrar a entrevista para esta reportagem. "Por favor, não usem aquela imagem clássicadono pixbetuma mão sobre a outra para ilustrar os cuidados paliativos", disse à BBC News Brasil.
"Nós precisamos mostrar que a morte faz parte da vida, e é possível buscar dignidade e bem-estar mesmo num momento tão difícil", completou.
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