Covid-19: a cientista 'detetive' que acendeu alerta sobre hidroxicloroquina:bet mobile 1.6 53
Para Bik, foi a a politização do estudo inicial que fez com que ele ganhasse tanto alcance, apesarbet mobile 1.6 53seus resultados clínicos serem considerados insuficientes pela comunidade científica.
"Eu não estava contra o uso da hidroxicloroquina, apenas achei que o estudo do laboratóriobet mobile 1.6 53Didier Raoult (um renomado epidemiologista francês e um dos principais autores da pesquisa) não havia sido bem executado, e era muito cedo para basear uma grande decisão apenas naquela pesquisa - era necessário haver mais evidências, e essas evidências nunca vieram", diz Bik à BBC News Brasil.
"Mas rapidamente isso foi politizado, porque Trump endossou o estudo ao tuitar a respeito. Daí aconteceu que se você fosse republicano, basicamente tinhabet mobile 1.6 53ser a favor do estudo e se fosse democrata tinhabet mobile 1.6 53ser contra. O que é muito estranho - discussões sobre ciência não costumam pular para a política, mas nesse caso aconteceu. Virou algo grande: muitas pessoas passaram a defender o estudo. Mas os cientistas estavam embet mobile 1.6 53maioria vendo que o medicamento não era útil."
Em setembro, Didier Raoult foi denunciado pela Sociedadebet mobile 1.6 53Patologia Infecciosabet mobile 1.6 53Língua Francesa (SPILF) por "promoção indevidabet mobile 1.6 53medicamento". Em janeiro deste ano, o médico admitiu numa carta ter excluído alguns voluntários do resultado da pesquisa (veja mais detalhes abaixo). Mas ele mantém a defesabet mobile 1.6 53seu estudo original e da eficácia da hidroxicloroquinabet mobile 1.6 53parcela dos casosbet mobile 1.6 53covid-19.
Quanto a Elisabeth Bik, no diabet mobile 1.6 53que conversou com a BBC News Brasil, a pesquisadora havia acabadobet mobile 1.6 53receber a notificaçãobet mobile 1.6 53que está sendo processada por difamação por Raoult, quebet mobile 1.6 53declarações públicas prévias a chamoubet mobile 1.6 53"maluca" e "caçadorabet mobile 1.6 53bruxas" por suas críticas.
Na conversa com a reportagem, Bik (que fez seu PhD na Holanda e foi pesquisadora da Faculdadebet mobile 1.6 53Medicina da Universidadebet mobile 1.6 53Stanford, nos EUA e tambémbet mobile 1.6 53empresas privadas) detalha as críticas feitas ao estudo francês e também explica o trabalhobet mobile 1.6 53desmascarar problemasbet mobile 1.6 53pesquisas científicas - os quais, segundo ela, prejudicam toda a comunidadebet mobile 1.6 53pesquisas global e ajudam a erodir a confiança do público na ciência.
A hidroxicloroquina, um ano depois
Em 24bet mobile 1.6 53março do ano passado, Bik fez uma longa resenhabet mobile 1.6 53seu blog (em inglês) sobre o estudobet mobile 1.6 53Didier Raoult e colegas, os quais apresentavam resultados da hidroxicloroquinabet mobile 1.6 5326 pacientesbet mobile 1.6 53covid-19,bet mobile 1.6 53comparação com um grupobet mobile 1.6 53controlebet mobile 1.6 5316 pacientes.
Após serem tratados com a droga (e também com o antibiótico azitromicina, no casobet mobile 1.6 53seis dos 26 pacientes), todos eles tiveram testes RT-PCR negativos para o novo coronavírus, o que levou-os a concluir que a droga contra a malária funcionaria contra a covid-19.
Mas Bik levantou questionamentos sobre a metodologia usada pelo estudo, que segundo ela prejudicam as conclusões, como:
- Lapsos no cronograma: os dados apresentados no estudo não deixam claro qual foi o resultado do teste PCR dos pacientes na metade do estudo, como havia sido originalmente planejado. Isso despertou preocupações quanto a se dados potencialmente negativos poderiam ter sido omitidos.
- Havia muitas diferenças entre os gruposbet mobile 1.6 53controle (ou seja, pessoas que não foram tratadas com hidroxicloroquina) e o grupobet mobile 1.6 53pacientes do estudo, o que dificulta a comparação entre ambos e, portanto, os resultados da pesquisa.
- Embora o estudo tenha começado com 26 pacientes, termina apresentando dadosbet mobile 1.6 53apenas 20 deles. Dos seis faltantes, três haviam sido transferidos para a UTI, um morreu e dois abandonaram a medicação. "É como dizer 'meus resultados são incríveis se eu tiro as pessoasbet mobile 1.6 53que eles se saíram muito mal'. É claro que (o estudo) parece ótimo (se você tira os pacientes que morreram), mas não é honesto fazer isso", diz Bik à BBC News Brasil.
- Um dos autores é também editor-chefe do periódico onde o estudo foi publicado, o International Journal of Antimicrobial Agents. "Isso pode ser percebido como um enorme conflitobet mobile 1.6 53interesses,bet mobile 1.6 53particular ao ladobet mobile 1.6 53um processobet mobile 1.6 53revisãobet mobile 1.6 53pares (quando cientistas revisam o estudobet mobile 1.6 53seus colegas) que durou menosbet mobile 1.6 5324 horas", escreveu Bik na época. "É o equivalente a permitir que um estudante dê a notabet mobile 1.6 53seu próprio trabalho escolar."
'Era necessário pesquisar mais'
A pesquisadora concorda que,bet mobile 1.6 53meio a uma pandemia, processos científicos tradicionalmente lentos precisam mesmo ser apressados.
"Isso (os questionamentos) não necessariamente indica que a hidroxicloroquina não funciona, mas sim que o estudo não era bem feito. O que é compreensível:bet mobile 1.6 53março do ano passado, tudo era tão incerto e todos buscavam uma droga maravilhosa que pudesse ajudar", prossegue a pesquisadora.
"Mas não acho que com base nesse estudobet mobile 1.6 53particular era possível tomar grandes decisões sobre como tratar milhõesbet mobile 1.6 53pessoas. Era necessário pesquisar muito mais."
A BBC News Brasil consultou Didier Raoult por e-mail a respeito das críticas a suas pesquisas e sobre o processo legal contra Bik, mas não recebeu resposta até a publicação desta reportagem.
Em entrevista recente ao jornal francês Le Figaro, Raoult diz que não tem arrependimentos. "Nunca disse que (a droga) curaria 100% dos pacientes. Mas sustento que essa molécula melhora as condiçõesbet mobile 1.6 53pacientes precoces ou avançados, mas não na fase final (da doença)", declarou.
Desde esse estudo inicial, diz Bik à BBC News Brasil, "eu esperava que haveria outro estudo para sustentar (as conclusões), mas ainda não vi nenhum outro estudo mostrando que esse primeiro estava correto. Houve estudos mostrando que estava errado e houve muitos estudosbet mobile 1.6 53uma zona cinza, (dizendo que)bet mobile 1.6 53algumas situações (a cloroquina) pode ter ajudado um pouquinho, mas na maioria dos casos não parece ter ajudado e, na verdade, parece ter deixado os pacientesbet mobile 1.6 53pior estado, principalmente se eles já estivessem muito doentes. O que, por sinal, era o que o estudo inicial alegava - não dizia que (a hidroxicloroquina) era para ser profilático ou preventivo, e sim que era para melhorar pessoas muito doentes. É o que o estudo tentou provar inicialmente, mas não provou, não apresentou dados."
É bom destacar que foram encontrados erros também na outra ponta do espectro:bet mobile 1.6 53junhobet mobile 1.6 532020, o prestigioso periódico The Lancet anunciou a retrataçãobet mobile 1.6 53um artigo científico publicado no mês anterior que refutava os benefícios da hidroxicloroquina no tratamento da covid-19. Retratações ocorrem quando quando algum tipobet mobile 1.6 53má-conduta, como fraude ou erro, é detectada no estudo.
Nesse caso, o problema parece estar no bancobet mobile 1.6 53dados da empresa Surgisphere, usado para embasar as pesquisas.
O saldo desse debate neste momento ébet mobile 1.6 53que a cloroquina, junto ao conjuntobet mobile 1.6 53remédios do chamado "kit covid-19", não são reconhecidos - ou são ativamente contraindicados - pela Organização Mundial da Saúde (OMS), os Centrosbet mobile 1.6 53Controle e Prevençãobet mobile 1.6 53Doenças dos Estados Unidos e da Europa, a Agência Nacionalbet mobile 1.6 53Vigilância Sanitária (Anvisa) e a Sociedade Brasileirabet mobile 1.6 53Infectologia (SBI) no tratamento do coronavírus.
"Quando esse estudo na The Lancet foi retratado, fez com que muita gente dissesse: 'nenhuma pesquisa é confiável'. O que, na minha opinião, não está correto", afirma Elisabeth Bik.
"Houve tanta informaçãobet mobile 1.6 532020, e acho que algumas pessoas estão prontas para acreditar no que quer que escutem (...), mais do que nos cientistas. O que é uma pena, porque a ciência é a resposta para resolver problemas. Mas as pessoas não conseguem mais distinguir a verdade da mentira", lamenta.
Trabalhobet mobile 1.6 53'detetive científico' encontrou 'usinasbet mobile 1.6 53estudos' fraudados
O trabalhobet mobile 1.6 53Bikbet mobile 1.6 53integridade científica às vezes é comparado com obet mobile 1.6 53um detetive: "recebo muitas dicas, gente pedindo: 'você pode olhar estas imagens, ver estes estudos?'", conta.
"Também tenho uma grande planilhabet mobile 1.6 53estudosbet mobile 1.6 53que já identifiquei (incongruências) no passado e dos quais ainda não tive tempobet mobile 1.6 53investigar os estudos dos mesmos autores. Às vezes 'photoshopam' (ou seja, copiam imagensbet mobile 1.6 53outros estudos) e você pensa: se fizeram uma vez, podem ter feito outras. Mas nunca sobra tempo para checar todos os pedidos, recebo muito mais dicas do que consigo investigar."
O foco principalbet mobile 1.6 53Bik é na duplicaçãobet mobile 1.6 53imagens, ou seja, no uso irregularbet mobile 1.6 53imagens antigas para ilustrar estudos novos, como se elas apresentassem uma nova descoberta. A cientista também esmiúça eventuais conflitosbet mobile 1.6 53interesse nas pesquisas.
"Por exemplo, casosbet mobile 1.6 53que o autor é fundadorbet mobile 1.6 53uma startup e promove determinada descoberta, da qual ele também tem a patente, mas sem revelar isso. É preciso explicitar essa informação. Você pode publicar, claro, mas precisa explicitar que 'sou fundador dessa startup e posso enriquecer com o que é promovido por esta pesquisa'."
Além das críticas ao estudo francês da cloroquina, o trabalhobet mobile 1.6 53Bik também teve repercussão no ano passado ao ajudar a desmascarar o que ela chamabet mobile 1.6 53"usinasbet mobile 1.6 53estudos" fraudulentos: junto com outros pesquisadores, ela identificou, particularmente na China, maisbet mobile 1.6 53500 estudos que parecem ter sido copiados entre si, e depois vendidos a "clientes" - médicosbet mobile 1.6 53hospitais chineses que dependembet mobile 1.6 53ter estudos publicadosbet mobile 1.6 53seu nome para avançar na carreira, diz ela.
"Às vezes as pessoas são forçadas a escrever estudos sob condições irreais. Temos esse exemplo da China: se você é um médico que concluiu a universidade, precisa publicar um estudo mesmo que não queira ser pesquisador, queira apenas trabalharbet mobile 1.6 53um hospital. Mas você sequer tem tempo sobrando para fazer pesquisa, ou seu hospital sequer tem infraestruturabet mobile 1.6 53espaço ou equipamentos para pesquisa. Essas pessoas se veem sem saída, então acabam comprando um estudo. E há empresas dedicadas a fazer estudos falsos. São 'usinasbet mobile 1.6 53estudos' (paper mills,bet mobile 1.6 53inglês). Acreditamos que sejam gruposbet mobile 1.6 53crime organizado, dedicados a vender e publicar estudos falsos."
Em agosto do ano passado, autoridades chinesas iniciaram uma investigação sobre o caso.
Pressão para publicar
Para Bik, para além dessas usinas, erros e problemasbet mobile 1.6 53pesquisas podem ser acidentais oubet mobile 1.6 53boa-fé, relacionados à pressão enorme sobre pesquisadores para que tenham trabalhos publicados com rapidez - particularmentebet mobile 1.6 53momentosbet mobile 1.6 53crise, como a pandemia atual. Idas e vindas são também parte normal do trabalho científico, que muitas vezes exige anos até que se tenha clareza sobre o impactobet mobile 1.6 53um determinado tratamento ou medicamento, por exemplo.
Em outros casos, porém, erros parecem ser frutobet mobile 1.6 53problemas mais graves.
"Há cientistas trabalhandobet mobile 1.6 53universidades que têm grandes expectativas. Podem ter publicado estudos bem-sucedidos, mas pode ser que as pesquisas (atuais) não estejam indo muito bem, então podem cometer fraude para continuar a ter bons resultados. Há também pesquisadores que trabalhambet mobile 1.6 53laboratórios sob o comandobet mobile 1.6 53professores assediadores: 'se você não me trouxer esses resultados, será demitido e contratarei alguém que os consiga'. Alguns são ameaçados verbalmente ou, por exemplo, ameaçadosbet mobile 1.6 53perder seu visto e terbet mobile 1.6 53voltar para seu paísbet mobile 1.6 53origem", explica.
Essa ciência malfeita, opina Bik, tem consequênciasbet mobile 1.6 53longo prazo: torna mais difícil que cientistas consigam reproduzir os experimentos ou tirar conclusões a partir deles. E assim uma grande cadeiabet mobile 1.6 53pesquisas científicas pode ser prejudicada.
A principal lição tirada por Bikbet mobile 1.6 532020, anobet mobile 1.6 53que tanta pesquisa foi feita, ébet mobile 1.6 53que "normalmente, estudos médicos levam muito tempo. Um bom projeto costuma levar ao menos um ano ou vários anos para ser concluído, então qualquer coisa pesquisadabet mobile 1.6 53poucas semanasbet mobile 1.6 53uma pandemia não vai ter a melhor qualidade, embora seja necessária -bet mobile 1.6 53uma emergência, você quebra as regras, porque todos estão esperando por respostas. Mas aprendemos que a ciência rápida não é necessariamente a melhor ciência".
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