Giulia Tofana, a cosmetologista do século 17 que ajudou centenasmulheres a se livraremseus maridos abusivos:
A história do misterioso líquido que atemorizava a Europa à época do compositor remonta a um século antes. E conta-se que mais600 homens teriam sido mortos sob seus efeitos pelas mãossuas esposas antes que o segredo fosse revelado.
Os detalhes do que aconteceu, no entanto, são tão obscuros como os das melhores lendas.
ManáSão Nicolau
A versão mais conhecida conta que a água-tofana foi uma criaçãouma nobre italiana chamada Giulia Tofana, que viveu durante a primeira metade do século 17.
Ela se dedicava à produçãocosméticos artesanais, entre eles, esse produto para mulheres que tinham um problema mais grave do que imperfeições faciais.
Segundo seus contemporâneos, a água-tofana era vendida disfarçada"ManáSão NicolauMira", um óleo medicinal que supostamente gotejava milagrosamente dos ossos do santo, e que era comumente encontrado nos lares da época.
Conforme relatou a revista Chamber's Journal1890, poucas gotas bastavam para dar fim à vida do mais forte dos homens.
"Administrado no vinho, chá ou algum outro líquido pelo traidor, [produzia] um efeito quase imperceptível; o marido ficava um pouco mal humorado, se sentia fraco e abatido, tão ligeiramente indisposto que dificilmente chamaria um médico. Após a segunda doseveneno, essa fraqueza e abatimento se tornavam mais perceptíveis."
"A charmosa Medeia, que mostrava tanta preocupação pela indisposição do marido, dificilmente seria alvosuspeita, e talvez até preparasse a comida do esposo, conforme recomendado pelo médico, com suas próprias mãos delicadas. Dessa maneira, administraria a terceira dose, prostrando até o mais vigoroso dos homens."
"O médico ficaria completamente perplexo ao ver que a doença aparentemente simples não respondia aos medicamentos, e enquanto ele ainda não sabia a natureza da enfermidade, outras doses eram dadas, até que a morte levava a vítima."
Por que tantas mulheres?
Conta a história que Giulia Tofana teria fornecido a substância venenosa a centenasmulheres italianas, até que uma delas se acovardou antesservir um pratosopa envenenada ao marido e acabou revelando o que tantas haviam calado.
Se você se pergunta por que havia tantas mulheres dispostas a cometer tal crime nessa época, lembre-se que naquele tempo casar-se por amor era uma novidade. Os casamentos, inclusivemulheres relativamente poderosas, eram arranjados sem levarconta como seria o futuro dos envolvidos.
E dado que a ordem social condenava as mulheres sempre à subalternidade, não surpreende que muitas acabassembecos sem saídaque, se o marido fosse violento, até suas próprias vidas poderiam estarrisco.
No entanto, algumas vezes, os motivos eram outros, como num caso encontrado pelo historiador Mike Dash.
Por amor
Maria Aldobrandini, parteum dos clãs mais poderosos e influentes da nobrezaRoma, casou-se, aos 13 anos, com o duque Francesco Cesi, descendenteuma família muito distinta.
Seu pai fora um proeminente cientista, íntimoGalileu, e ele próprio era sobrinho do futuro papa Inocêncio 11. O marido era pelo menos trinta anos mais velho do que ela.
O duqueCeri morreu repentinamente nove anos depois do casamento,1657, e se tornou o mais rico e poderoso dos envolvidos no escândaloenvenenamento por água-tofana.
Segundo o relatoAlessandro Ademollo (1826-1891), que publicou os resultadossuas investigações baseadasantigos registros judiciais do Arquivo do EstadoRoma, GiovannaGrandis — que trabalhava para Tofana — confessou que Aldobrandini havia se apaixonado perdidamente por outro conde, Francesco Maria Santinelli, e isso a levou a querer se livrar do marido, que já estava doente.
Recorreu ao pároco que fornecia arsênico às mulheres do grupoTofana, o padre GirolamoSant'Agnese in Agone, uma igreja no centroRoma.
O padre conseguiu para ela água-tofana e, alguns dias depois, o condeCesi jaziaseu caixão.
A condessa, no entanto, não conseguiu o que seu coração desejava. Sua própria família a trancou para evitar um segundo casamento escandaloso com seu amante.
E, anos depois, quando veio a público a verdade sobre os envenenamentos, tornou-se suspeita da morte do marido. Mas, para evitar o escândalo, ela nunca foi acusada.
Incongruências
O problema da história são os detalhes. Algumas versões garantem que Giulia Tofana operava na Sicília na década1630. Outras situam a história muito mais tarde eoutros lugares:Palermo, Nápoles ou Roma.
Às vezes, conta-se que foi ela a inventora da poção. Outras, que herdou a receitasua mãe. E não se conhece o ingredientetão eficiente elixir, embora quase todas as fontes mencionem arsênico.
"Os mistérios se multiplicam quando consideramos a controversa perguntaquando e como Tofana morreu", diz Dash.
"Uma fonte diz que morreucausas naturais1651, outra que encontrou refúgioum convento e ali viveu durante muitos anos, sem deixarproduzir seu veneno e distribuí-lo atravésuma redefreiras e padres."
"Várias afirmam que foi presa, capturada e executada, embora divirjam quanto à datasua morte, se foi1659, 1709 ou 1730."
"Em um relato especialmente detalhado, Tofana teria sido retiradaseu santuário, estrangulada, e depois seu corpo teria sido devolvido à noite à mesma área do conventoonde ela havia sido retirada."
E Mozart?
Mozartfato nunca se levantouseu leitoenfermo. Morreu5dezembro1791, aos 35 anos.
Quase 230 anos e dezenasestudos depois, ainda não se sabe qual foi a causa. Embora possa ter sido veneno, ninguém mais falaágua-tofana.
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