'Adoecemos cuidandouefa 2024doentes, não porque fomos ao shopping': o desabafouefa 2024médica com covid-19:uefa 2024

Priscila apareceuefa 2024máscara, touca euefa 2024perfil, sentadauefa 2024consultório

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, 'Não adoecemos porque fomos ao shopping, à praia, a uma festa… Adoecemos porque estávamos cuidando dos doentes', diz a médica Priscila Daflon, que trabalhauefa 2024Itajaí (SC)

A médica conta que foi infectada com covid-19uefa 2024julho, o que foi detectado por um teste rápido e também por seu quadro clínico — ela desenvolveu uma isquemia cardíaca,uefa 2024que o fluxouefa 2024sangue e oxigênio para o coração fica prejudicado.

Ela ficou internada por alguns dias no quartouefa 2024um hospital com atendimento pelo Sistema Únicouefa 2024Saúde (SUS) — atualmente ela estáuefa 2024períodouefa 2024carência na aquisiçãouefa 2024um novo planouefa 2024saúde, pago do bolso.

Mas o laudo respondeu a ela e a outros profissionais: "(...) Aos servidores que declararem terem sido contaminados pelo COVID-19 durante desempenho das funções laborais informamos que não serão emitidas CATs pela Coordenadoriauefa 2024Perícia Médica e Saúde Ocupacionaluefa 2024virtude do diagnósticouefa 2024COVID-19 aos servidores públicos efetivos ou não, uma vez que não se tem como afirmar com absoluta convicção que esta doença foi adquiridauefa 2024ambienteuefa 2024trabalho".

Citando uma lei federal que define acidentesuefa 2024trabalho, o documento diz ainda que "se faz necessário a observação do nexo causal, pois o fatouefa 2024o servidor ser diagnosticado com COVID-19uefa 2024meio a uma Pandemia não significa que automaticamente se trateuefa 2024uma doença ocupacional, visto que, muitos servidores — principalmente da áreauefa 2024saúde — apresentam maisuefa 2024um vínculo empregatício".

Referindo-se ao laudo como uma "ofensa", Priscila reclama que cientificamente não é possível demonstrar a causalidade da infecção — ou seja, a conexão entre o momento da infecção e seu resultado, o adoecimento.

"É a prefeitura que tem que provar que fui contaminadauefa 2024outro lugar. Nós profissionaisuefa 2024saúde somos por si só grupouefa 2024risco."

'Não fomos ao shopping'

O CAT pode ser um primeiro passo para acesso a auxílios via Instituto Nacionaluefa 2024de Seguridade Social (INSS) por problemasuefa 2024saúde ligados ao trabalho, mas segundo a médica, ela estavauefa 2024busca apenas da formalização,uefa 2024papel,uefa 2024que adoeceu.

Priscila reconhece que teve acesso adequado a Equipamentosuefa 2024Proteção Individual (EPI) mas, mesmo assim, a exposição no localuefa 2024trabalho é inevitável — "com um monteuefa 2024paciente circulando, na horauefa 2024intubar".

E, para ela, uma das evidências mais fortesuefa 2024que não foiuefa 2024outro lugar que se contaminou é o fatouefa 2024que seu companheiro e a filhauefa 202412 anos não tiveram covid-19. Já diversos colegasuefa 2024trabalho na UPA, sim.

"Não adoecemos porque fomos ao shopping, à praia, a uma festa… Adoecemos porque estávamos cuidando dos doentes. E isso que é vergonhoso: não só o governouefa 2024Itajaí, mas também os estaduais, federal, deixaremuefa 2024reconhecer que esses profissionais adoeceram lutando pela saúde do país", lamenta.

Ela fala caracteriza também como um "soco no estômago" a decisão do governo federaluefa 2024setembrouefa 2024não incluir a covid-19 na listauefa 2024doenças ocupacionais — o que facilitaria o acesso ao auxílio-doença por meio do INSS, entre outras formasuefa 2024assistência.

"Naquele momento, vimos que estávamos à nossa própria sorte", lembra a médica, naturaluefa 2024Nova Iguaçu (RJ) e formada pela Universidade Estadual do Riouefa 2024Janeiro (UERJ), com pós-graduaçãouefa 2024medicina da família pela mesma universidade.

Priscila tira selfie, com olhar sério, jaleco e estetoscópio

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, Médica atuandouefa 2024Santa Catarina relata faltauefa 2024acompanhamentouefa 2024seu casouefa 2024infecção por covid-19

Em nota enviada à BBC News Brasil, a Prefeiturauefa 2024Itajaí afirmou que "o servidor diagnosticado com COVID-19 deve comprovar que o seu vínculo empregatício é único e exclusivo com o Municípiouefa 2024Itajaí para que a CAT seja emitida — uma vez que muitos servidores, principalmente os da área da saúde, atuamuefa 2024maisuefa 2024um local."

"Entretanto, caso a CAT seja negada pelo município, o servidor efetivo pode ainda fazer a solicitação através do sindicato. Os servidoresuefa 2024regime CLT também podem fazer a solicitação via INSS ou sindicato."

A Prefeitura destacou ainda que adotou diversas medidas para prestar assistência aos profissionaisuefa 2024saúde na pandemia: "treinamento das equipes; disponibilização completauefa 2024EPIs; testagem dos servidores; desinfecçãouefa 2024ambientes; medida provisória para concessãouefa 2024benefício aos profissionais da linhauefa 2024frente que têm filhosuefa 2024idade escolar; centraluefa 2024monitoramentouefa 2024pacientes positivos, negativos sintomáticos, negativos assintomáticos, idosos, idosos com doenças crônicas (incluindo os nossos servidores); e centraluefa 2024luto: acompanhamento psicológicouefa 2024famílias que perderam entes queridos para COVID-19."

Pandemia e precarização do trabalho na saúde

Diferente da assistência que o município diz ter oferecido aos funcionários, Priscila Daflon afirma que não teve acompanhamento muito próximo do seu casouefa 2024infecção — tendo acesso apenas a testes rápidos e optando por fazer um teste molecular, o PCR, do próprio bolso.

Este deu negativo, segundo ela porque não foi feito no períodouefa 2024que a infecção estava mais ativa, e sim quando estava prestes a trabalhar — motivo pelo qual ela quis testar. Para avaliar se tinha condiçõesuefa 2024voltar a trabalhar, ela conta também ter consultado um infectologista por conta própria.

"Quem se preocupouuefa 2024ir atrásuefa 2024um diagnóstico, e depoisuefa 2024uma avaliação para retorno, fui eu. Depoisuefa 2024uma semana internada, voltei — cansada, com o corpo doendo, mas voltei, porque havia muita necessidadeuefa 2024médicos naquele momento."

Ela reconhece que, como funcionária do município, tem uma situaçãouefa 2024emprego mais confortável do que muitos outros colegas na saúde —uefa 2024que a "pejotização", a contrataçãouefa 2024profissionais como autônomos ou pessoa jurídica, é uma tendência reconhecida até mesmo por entidadesuefa 2024classe, como o Conselho Federaluefa 2024Medicina (CFM).

Em abril, o conselho chegou a enviar ao Ministério da Saúde uma carta pedindo assistência financeira aos médicos infectados durante a pandemia, citando as vulnerabilidades com a pejotização como "a fragilidade do vínculo, a insegurança e a perdauefa 2024direitos trabalhistas e previdenciários como o 13º salário, horas extras, adicional pelo trabalho noturno e insalubre, FGTS, licença maternidade, auxílio-doença, entre outros".

"Nossa preocupação, neste momento, é garantir que os médicos possam enfrentar essa pandemia comuefa 2024forma segurauefa 2024diferentes aspectos", argumentou o CFM. Não há notíciasuefa 2024que o pedidouefa 2024tenha sido atendido.

Priscila cita os casosuefa 2024colegas técnicasuefa 2024enfermagem que ficaram gravemente doentes e precisaramuefa 2024vaquinhas online para ir se trataruefa 2024outras cidades; euefa 2024um colega médico que também adoeceu seriamente e, tendo CLT e afastado com uma licença, teve a remuneração do municípiouefa 2024Itajaí substituída por um salário pelo INSS, menor. Todos se recuperam pouco a pouco.

Segundo a prefeitura da cidade catarinense, "os servidores estatutários (efetivos) recebem a remuneração integral quando do afastamento por problemasuefa 2024saúde, conforme previstouefa 2024estatuto próprio. Já os servidores da modalidadeuefa 2024contratação CLT seguem a regra previdenciária do INSS, ou seja, quando do afastamento por problemauefa 2024saúde recebem a remuneração conforme o teto máximo do INSS".

'Situações traumatizantes'

Três pedestres com máscaras passamuefa 2024frente a grafite que retrata mulher profissionaluefa 2024saúde

Crédito, REUTERS/Amanda Perobelli

Legenda da foto, Grafiteuefa 2024São Paulo homenageia profissionaisuefa 2024saúde para médica entrevistada pela BBC News Brasil, aglomerações são 'violência' com profissionaisuefa 2024saúde

A médica reconhece que a secretariauefa 2024saúde do município foi sensíveluefa 2024certos casos, fornecendo fisioterapia e atendimento com nutricionistas para alguns funcionários que adoeceram, mas falauefa 2024insensibilidadeuefa 2024setores como o administrativo, que está rejeitando pedidosuefa 2024CAT.

"Enquanto as prefeituras, as câmaras municipais, as próprias perícias trabalhavamuefa 2024forma remota, nós não tivemos a opçãouefa 2024fechar. Só aumentamos nossa cargauefa 2024trabalho e exposição. Mas estávamos todos lá, com medo, vínculo precário e todos esses riscos."

"Passamos por sofrimento psicológico, por situações traumatizantes. Não estávamos acostumados a ver tantos pacientes sufocando, morrendo sem conseguir respirar. Essa pandemia trouxe nossos avós agonizando, quatro, cinco no mesmo plantão. Ver o olharuefa 2024um paciente indo para o tubo", lembra a médica, se emocionandouefa 2024alguns momentos da ligação.

Ao mesmo tempo, ela diz que o período da pandemia formou uma "redeuefa 2024solidariedade" como "em poucas vezes na vida" viu igual — "de médico para médico,uefa 2024médico para enfermeiro,uefa 2024técnico para médico".

Ela lembra por exemplouefa 2024uma anestesiologista que se voluntariou para dar uma palestra às equipes do município, ensinando formasuefa 2024prevenir a infecção no contato com pacientes; euefa 2024um médico que se disponibilizou a ajudar no planejamento da comprauefa 2024insumos para lidar com a pandemia.

Priscila menciona ainda uma redeuefa 2024apoio formada entre profissionais para ajudar no transporteuefa 2024colegas que adoecessem e precisassemuefa 2024tratamento; e também pessoas que cancelaram férias não porque não podiam viajar, mas porque sabiam da demandauefa 2024trabalho.

"Eu via esses colegas correndouefa 2024um lado para o outro para ajudar alguém que ele nem sabe quem é. Cujo nome não faz diferença. É muito comum a gente encontrar as pessoas na rua depois e elas perguntarem: 'Você lembrauefa 2024mim? Você me ajudou tanto'. E a gente não lembra, porque são tantas pessoas."

"Nós escolhemos esse contato quando fizemos o juramento profissional."

Por outro lado, a médica confessa o desapontamento ao testemunhar como os pacientes, ou pacientesuefa 2024potencial, vêm agindo na pandemia.

"Quando a população se aglomera, quando se colocauefa 2024riscouefa 2024grupo, dá tristeza no nosso coração. Porque colocamos nossas famílias e filhosuefa 2024risco por eles. Mas eles não se importamuefa 2024se contaminar — e se se contaminarem, vão nos contaminar."

"A gente não quer aplauso. Queremos que cada um entenda que quando se expõe desnecessariamente, é uma violência contra o profissional da saúde."

Mas Priscila destaca também momentosuefa 2024que o carinho das pessoas fez a diferença — como as cartinhasuefa 2024agradecimento enviadas por uma igreja à equipe, ou a lanchonete próxima ao trabalho que abria excepcionalmente nas madrugadas para enviar alimentação aos profissionaisuefa 2024saúde.

"Isso deu um gás para a gente, aliviava o peso do nosso medo. Era muito legal o reconhecimento — nem toda remuneração é financeira."

"Mas no início as pessoas estavam mais comovidas. Agora parece que quase voltamos à normalidade, que as pessoas perderam o medo."

"Somente aplausos não vão ajudar os médicos e enfermeiros doentes. Não estou falandouefa 2024dinheiro, mas do reconhecimentouefa 2024que adoecemos lutando."

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