Quarentena impulsiona busca por relações extraconjugais:análise betano

ilustraçãoanálise betanocasal heterossexual, ela olhando o celular

Crédito, DANAE DIAZ/BBC THREE

Também no Rio, a publicitária Luciana*, 35, divide o apartamento com o marido - como o reconhece e chama - há cinco anos. Como Bianca, ela sentiu os efeitos do isolamento social sobre seu relacionamento, que já estava, como conta,análise betanocrise.

"Antesanálise betanoa pandemia 'estourar' eu já estava cogitando a possibilidadeanálise betanome separar. Sentia que a gente estava se afastando afetivamente, sexualmente e emocionalmente. Daí veio a quarentena e a crise ficou meio 'em stand by'. Não ouso 'mexer neste vespeiro' porque não tem como resolver. Não tem como a gente se separaranálise betanomeio a este caos, não tem como dar um tempo, então prefiro manter uma convivência minimamente harmônica enquanto isso durar", explica ela.

Apesaranálise betanodestacar um convívio agradável com o marido - "gosto da companhia dele", ela diz -, Luciana conta que se aproximou, durante a pandemia,análise betanoum outro homem, um conhecidoanálise betanofaculdade. Os dois se reencontraramanálise betanouma festaanálise betanoamigosanálise betanocomum no início do ano e passaram a trocar mensagens.

"Começou como uma amizade eanálise betanouns meses para cá, falarmos abertamente sobre o interesse que temos um no outro. Só não tem nadaanálise betanotom explicitamente sexual: trocaanálise betanonude, sexo virtual, nada disso. Mas falamos sobre nosso dia, conto meus planos para o futuro, ele fala dos dele, mandamos fotos do cotidiano. De certa forma, me sinto como se fôssemos um casal, tirando as relações sexuais/eróticas, até porque pela pandemia, não tem a pressão da possibilidadeanálise betanoum encontro físico. Mas me sinto envolvida afetivamente, conectada sentimentalmente, com uma rotina a doisanálise betanocerta forma com ele,análise betanoum jeito que eu não me sinto maisanálise betanorelação ao meu marido", confessa.

Pessoa olhando celular

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Homens e mulheres revelam usoanálise betanoaplicativos, chats e 'sexting' sem o conhecimentoanálise betanoseus parceiros

Desejoanálise betano'estar fora'

Segundo Cláudio Paixão, doutoranálise betanopsicologia social e professor da Escolaanálise betanoCiência da Informação da Universidade Federalanálise betanoMinas Gerais (UFMG), o isolamento social necessário como medidaanálise betanoprevenção contra a covid-19 causa uma redução do espaço físico vivenciado pelas pessoas, o que não acontece com os espaços psíquicos, impactando a maneira como vivenciam seus desejos.

"As pessoas estão o tempo todoanálise betanodiálogo com o mundo,análise betanoseu trabalho,análise betanovida social, outros lugares que não a casa e o próprio relacionamento. Com o isolamento, há uma redução deste espaço físicoanálise betanointeratividade, mas o campo psicológico não passa por issoanálise betanopronto. Então as pessoas não entendem ou aceitam imediatamente queanálise betanoredeanálise betanorelacionamentos também está limitada. Isso faz com que se olhe para fora:análise betanocasa, do relacionamento. É um desejoanálise betano'estar fora'. Isso aparece nos memesanálise betanosaudades do bar, da vontadeanálise betano'se aglomerar',análise betanopraticar atividades físicas, os mais diversos desejosanálise betanotroca, inclusive a sexual e afetiva. E o que se tem feito como alternativa é uma virtualização das relações para suprir estes desejos", aponta o especialista, citando exemplos como trocaanálise betanonudes e a práticaanálise betano'sexting', sexo virtual por mensagens.

Sem sair desde março da casaanálise betanoque vive com o namoradoanálise betanoBelo Horizonte (MG), o pesquisador Caio,análise betano28 anos, passou a utilizar o que ele chamaanálise betano"aplicativosanálise betanopegação" e tem participadoanálise betanochatsanálise betanobuscaanálise betanoparceiros sexuais.

"Acho que sempre tivemos um relacionamento aberto velado. Já fiquei com outros caras e sei que ele também. Mas era algo esporádico, quando rolava um clima numa festa, coisaanálise betanomomento. Não falamos sobre isso, e nunca busquei esses encontros ativamente, acredito que nem ele. Agora na pandemia, me vi mais impelido a fazer isso, tenho usado aplicativosanálise betano'pegação', inclusive trocando nudes neles eanálise betanochats como do Facebook, coisa que nunca tinha feito. Não sei se ele também faz, mas não me incomodaria".

Caio diz que isso não afetouanálise betanorelação com Igor, com quem mora há 8 anos. "Apesaranálise betanoestarmos na mesma casa, que é antiga e enorme, não ficamos o dia todo no mesmo ambiente. Além disso, eu trabalho muito tempo diante do computador, então temos uma certa privacidade. Não frequento esses aplicativos e chats descaradamente, na frente dele. Nossa vida sexual continua bastante ativa e nosso envolvimento afetivo e emocional continua o mesmoanálise betanoantes, mais intenso até, eu diria. Sinto que nosso relacionamento é muito estável".

casal na camaanálise betanocostas um para o outro

Crédito, Getty Images

'Tinderização' das relações

Para o psicólogo Cláudio Paixão, outro fator que impacta a busca por relações extraconjugais é um padrãoanálise betanose relacionar que ele chamaanálise betano'tinderização' (referência ao aplicativo Tinder, que permite interação entre as pessoas a partiranálise betanoum "match", função que aponta interesse mútuo entre dois usuários).

"Com o advento das redes sociais, criou-se a possibilidadeanálise betanose navegar e ver outras pessoas, possibilidadesanálise betanorelacionamento diferentes das que se tem. Surge um cardápio maioranálise betanopossibilidades, o que sugere, atiça uma sérieanálise betanooutros desejos, ainda que baseadosanálise betanofantasias, porque na internet as pessoas se mostram como querem ser vistas."

Cláudio sugere, ainda, que essa 'tinderização', trazendo a grande possibilidadeanálise betanooutras escolhas sexuais e afetivas, também tende a tornar as gerações atuais menos tolerantes aos aspectos que as desagradamanálise betanoseus parceiros.

"Há a tendênciaanálise betanoreduçãoanálise betanotolerância ao erro do outro. Antes você acabava convivendo por um tempo, ia estreitando laços com alguém para aprender sobre a pessoaanálise betanodiversos níveis. Neste momentoanálise betanotinderização, as pessoas têm muitas escolhas e um baixo limiaranálise betanoresistência à frustraçãoanálise betanoexpectativas. Você vê o outro, se interessa e começa a conversar. Se surge algo que desagrada, é só 'jogar pro lado' e interromper o contato", aponta o especialista, destacando como o isolamento social impacta este efeito.

"Neste momento, o que háanálise betanobom e ruim nas relações se sobressai ao mesmo tempoanálise betanoque há essa diminuição da tolerância. Somando a isso fatores como o cuidado com filhos e com pessoas idosas, o teletrabalho e o ensino à distância, cria-se um desgaste da relação a dois. Isso pode fazer com que o interesse da pessoa se volte 'para fora' da relação confinada naquele espaçoanálise betanotensão. Por isso é sempre importante dialogar."

ilustraçãoanálise betanocasal heterossexual, ela olhando o celular

Crédito, DANAE DIAZ/BBC THREE

Moralização dos relacionamentos

Apesar dessa tendênciaanálise betanose querer experimentar "o que está fora"análise betanoum relacionamento monogâmico diante do confinamento, a pandemia do novo coronavírus pode trazer uma certa moralização dos modelos conjugais. É a análise feita pelo antropólogo Antônio Pilão, doutoranálise betanoCiências Sociais pela Universidade Federal do Rioanálise betanoJaneiro (UFRJ), com pós-doutoradoanálise betanogênero e sexualidadesanálise betanoandamento no Programaanálise betanoPós-Graduaçãoanálise betanoCiências Sociais da Universidade Federalanálise betanoJuizanálise betanoFora (PPGCSO- UFJF).

"Vejo uma relação muito estreita com o fenômeno da aids nos anos 1980 e 1990. O mundo havia saídoanálise betanoum contextoanálise betanoexperimentação afetiva e sexual dos anos 1970. Com a aids, houve uma remoralização dos desejos e práticas, porque entendia-se que a proliferação do HIV era proveniente da promiscuidade sexual. Então a limitação das experiências afetivas e sexuais e a monogamia como regra foram uma resposta a essa premissa", analisa Antônio, um dos pesquisadores pioneiros no estudoanálise betanorelações não monogâmicas no país.

"Estamos dianteanálise betanoum vírus que se alastra a partir das interações sociais, do abraço, do beijo. Essas são, na sociedade ocidental, portaanálise betanoentrada para a sexualidade. Com isso, os relacionamentos tornam-se uma discussão sanitária, o que também influencia nossa visão moral. Antes da pandemia estávamosanálise betanoum momento, desde o início dos anos 2000,análise betanomaior abertura para o questionamento das limitações da monogamia. Agora, parece que estamos entrandoanálise betanouma faseanálise betanoque ela se apresentaria como a única possibilidade conjugal possível, até por questõesanálise betanosaúde pública", avalia o antropólogo.

Pessoa tirando anel

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, “A monogamia dificilmente é um acordo. Nascemosanálise betanouma sociedadeanálise betanoque esta normatividade está posta, limitando a sexualidade, a afetividade e o que chamamosanálise betanoamor exclusivamente a outra pessoa", diz especialista

"A infidelidade é uma afirmação da monogamia"

Antônio explica também a diferença entre estaranálise betanouma relação não monogâmica e ter relacionamentos extraconjugais:

"A monogamia dificilmente é um acordo. Nascemosanálise betanouma sociedadeanálise betanoque essa normatividade está posta, limitando a sexualidade, a afetividade e o que chamamosanálise betanoamor (num relacionamento) exclusivamente a outra pessoa. As relações não monogâmicas questionam esse modelo e não são a ausência totalanálise betanoregulação, mas a propostaanálise betanoregulações e contratos que não sejam absolutos como a monogamia. Já a infidelidade é uma afirmação da monogamia. Driblar os pressupostos e as regras da norma vigente não constrói novos acordos, mas representa uma manutenção dos antigos, ainda que seja no descumprimento deles. Por isso também há o sentimentoanálise betanoculpa, arrependimento, vergonha e as práticas se mantêm clandestinas."

Para Antônio, é impossível prever como serão construídos os modelosanálise betanoconjugalidadeanálise betanoum possível mundo pós-pandemia.

"Não sabemos se no que ano que vem o cenário atual vai estar superado. Se vamos passar anos, décadas usando máscara, e temendo o contato com pessoas estranhas, perdendo hábitoanálise betano'ficar', por exemplo. Nesse sentido, a preocupação com a infidelidade não deve viranálise betanosuas questões morais, mas do risco iminenteanálise betanocontágio. Principalmente num contextoanálise betanopossíveis encontros clandestinos, podendo expor pessoas que nem sabem dos perigos que correm. O ideal seria que os casais pudessem conversar e encontrar alternativasanálise betanoacordos sanitariamente seguros que funcionassem para eles e para a sociedade, já que se trataanálise betanouma questão coletiva."

Línea

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