Sem querer, treinamos as crianças a serem irritantes, diz psicoterapeuta britânica:

Criança pulando no sofá

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, "Às vezes, elas (crianças) querem tanto aatenção que obter uma atenção negativa(com broncas ou brigas) é melhor do que não obter atenção nenhuma"

"Ela (mãe) poderia ter dito ao filho, 'estou vendo que você está se sentindo deixadolado com toda a atenção que estou tendo que dar àirmã. Sei que isso é difícil para você'. Isso teria tirado o peso que o menino sentia,não se sentir amado e entendido."

O argumentoPerry éque se investirmos tempo e energiaentender, aceitar, acolher e verbalizar os sentimentos vivenciados pelos filhos — mesmo que sejam sentimentos negativos, maus-humores e birras —, economizaremos tempo e energia geralmente gastosinterações pouco produtivas e muito desgastantes, como a da mãe britânica com seu filho no consultório médico.

Philippa Perry

Crédito, Justine Stoddart

Legenda da foto, 'Precisamos lembrar que estamos do mesmo lado que eles. Caso contrário, ficamos na dinâmica'perder ou ganhar'', diz a psicoterapeuta Philippa Perry

"As crianças precisam ser entendidas quando estão desapontadas", argumenta ela à reportagem. "Em geral, não permitimos que as crianças tenham outros sentimentos que não a felicidade, porque estamos tão ávidos para que elas sejam felizes. Sem querer, acabamos calando-as quando sentem qualquer outra coisa."

E assim, também sem querer, argumenta Perry, acabamos treinando-as para serem irritantes, ou seja, para tentar atrair a atenção dos pais a qualquer custo, como fazia o meninotrês anos da história acima.

"Às vezes, elas (crianças) querem tanto aatenção que obter uma atenção negativa(com broncas ou brigas) é melhor do que não obter atenção nenhuma", escreve Perry em O livro que você gostaria que seus pais tivessem lido (e seus filhos ficarão gratos por você ler) (ed Fontanar), que ela lança no Brasil neste mês. Ela também vem a São Paulo19março para uma palestra sobre criaçãofilhos, pela The School of Life.

"Você não vai 'mimar' seu bebê se der muitas respostas sensíveis aos sinais dele. Tempo investido no começo (da vida das crianças) as deixa acostumadas a ternecessidadeconexão satisfeita. Elas internalizam isso, sabendo que podem confiar nisso."

Mais culpa e menos autoridade para os pais?

O objetivo, diz Perry, não é nem aumentar a culpa tradicionalmente associada à maternidade (ou paternidade), nem dar a impressãoque os pais têm mais uma tarefa para inserir emrotina familiar.

"Não quero que você se sinta mal a respeitocomo pode ter reagido aos sentimentosseu filho no passado, mas sim quero enfatizar como é importante reconhecer, levar a sério e validar os sentimentos das crianças", escreve a autora.

"A causa mais comumdepressãoadultos não é o que o que está acontecendo com ele no presente, mas sim que, quando criança, (...),vezser entendido e confortado, ele ouviu que não deveria sentir, ou chorou até cair no sono sozinho, ou foi deixado sozinho comraiva. Sua capacidadetolerar diminui."

Criança abraçada à mãe

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Validação e nomeação dos sentimentos da criança vai ajudá-laseu crescimento

Ela defende que, embora esse exercíciovalidaçãosentimentos exija "percepção e prática" — e, portanto, algum esforço e bastante paciência —, ele "economiza tempo no longo prazo" ao reduzir parte das batalhas constantes, estreitar vínculos com as crianças e mudar a mentalidadeque os pais "perderão autoridade" sobre os filhos.

"Dizem, 'ele (filho) não saberá quem é que manda'. Mas, nessas horas, precisamos lembrar que estamos do mesmo lado que eles. Caso contrário, ficamos na dinâmica'perder ou ganhar'." Ela argumenta que, quando a dinâmica se limita a isso, o perdedor não desenvolve sentimentocooperação, sóhumilhação. "Ninguém fica bem quando é levado a se sentir bobo ou envergonhado."

Outro argumentoPerry éque o reconhecimento, a nomeação e a validação dos sentimentos das crianças — "nosso toque, nossa boa vontade, o respeito que demonstramos a eles: respeito por seus sentimentos, pela pessoa que são, por suas opiniões einterpretação do mundo" — as deixará, ao crescerem, mais confortáveis a contar para os pais o que está acontecendo na vida delas,vezguardar para si.

"A criança precisa que o pai/mãe/cuidador seja um contenedorsuas emoções, (ou seja), ser capaztestemunharraiva, entender por que está com raiva e talvez colocar issopalavras para ela, encontrando formas aceitáveis para que expressemraiva, sem ser punitivo ou exacerbado por ela. O mesmo vale para outras emoções."

Como ficam os limites?

Ela afirma que isso não significa fazer o que a criança quer, mas ser solidário afrustração por não obter o que quer. Tampouco significa, diz ela, deixarimpor limites, inclusive os que sejam relativos a seu próprio bem-estar como pai, mãe ou cuidador.

"Temos nossos próprios limites. Mas devemos nos definir a nós mesmos,vezdefinir as crianças. Você pode dizer 'já me canseificar no parque e preciso ir para casa',vezdizer 'você já brincou demais, vamos embora'. Quando nós nos definimos,vezdefinir as crianças, elas tendem a responder. (...) Você pode manter um laçoamizade e ao mesmo tempo dizer 'Eu não me sinto confortável que você saia à noite porque eu não acho que seja seguro naidade'."

Criança

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Perry sugere que pais prestem atenção a experiênciassua própria infância que podem influenciar a forma como reagem a seus filhos atualmente

Perry se define como alguém que deu uma criação rígida à filha, hoje já adulta.

"Eu mesma me desapontava comigo. queria ser o tipomãe que dissesse, 'claro, pode fazer isso ou aquilo'. Mas não conseguia, por exemplo, gerenciar dez amigas da minha filhacasa depois da escola. Então limitava. Mas eu não dizia que ela não podia dar conta — era eu quem não conseguia dar conta."

Olhar à própria infância

Perry sugere também que pais prestem atenção a experiênciassua própria infância que podem influenciar a forma como reagem a seus filhos hoje.

"Se não olharmos para a maneira com que formos criados e o legado disso, isso pode voltar para nos atormentar", escreveseu livro. Ela relembra a experiênciaseu próprio marido, que teve dificuldade com a paternidade quando a filha do casal completou quatro anos — justamente a idade que ele tinha quando perdeu contato com o pai.

O caminho natural, diz ela, é que ajamos com nossas crianças do mesmo modo como adultos agiram conosconossa infância. "Por isso, precisamos pensar no que funcionou conosco e o que não funcionou. Será que ser colocadocastigo no meu quarto fezmim uma pessoa mais cooperativa, ou alguém mais ressentida? Não gostamoslembrar dessas coisas, por isso às vezes empurramos isso para o fundo (da memória)."

No livro, ela diz que quando o comportamento dos filhos causa uma emoção muito forte (raiva, ressentimento, frustração, inveja, pânico, irritação, medo etc), pode ser um sinalque "não necessariamente seu filho está fazendo algo errado, masque as próprias feridas dos pais estão sendo tocadas".

Reconhecer esses gatilhos seria, então, o passo inicial para não deixar que eles guiem nossas reações como pais, diz Perry à reportagem: "Precisamos saber quando um sentimento pertence ao presente ou ao passado e ver se ele está no comando (de nossas ações). É muito fácil repetir padrões. Sob pressão, fazemos como foi feito conosco. Mas somos melhores quando refletimos."

Ela destaca que a maioria dos clientesseu consultóriopsicoterapia "tinha pais gentis, bons e bem-intencionados que — como ninguém lhes disse que isso era importante — não conseguiam estarsintonia com seus filhos".

"Acho que todos fazemos o melhor com o que nos é dado. Quando temos filhos, costumamos perdoar nossos pais ao ver como é difícil. E,geral, devemos mesmo perdoá-los. Eles não tinham tanta teoria ou acesso ao conhecimento como se tem hoje. E também fizeram o que foi havia sido feito com eles."

Ela conclui dizendo que, mesmo que a despeito da nossa vontade, nossos pais têm "um enorme poder sobre nós".

"Um elogio — ou qualquer coisa — vindo dos pais tem muito mais peso do que um elogio feito por outra pessoa. É um poder desigual. Nosso trabalho, como pais, é não explorar esse poder."

Línea

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