Por que cientistas defendem que espermahomens mortos seja retirado — e doado:
"Existem experiências ao redor do mundoextraçãoespermaum homem morto e posterior usotécnicas reprodutivas para gerar um bebê. Isso tende a ocorrerrelações entre conhecidos. O que não tem precedentes, porém, é um sistema análogo a outras formasdoação após a morte, com material reprodutivouma pessoa morta sendo usado por desconhecidos. Assim, é algo inteiramente novo e nunca foi sugerido antes, tampouco analisado quando àética", explicou por e-mail à BBC News Brasil Joshua Parker, do departamentoEducação e Pesquisa do Hospital Wythenshawe,Manchester, Inglaterra, e um dos autores do artigo — ao ladoNathan Hodson, da Universidade Leicester.
De acordo com eles, há evidências científicas já publicadasque o sêmen retirado até 48 horas após a morte é capazresultargestações e crianças saudáveis. Em pacientes sem vida, o esperma pode ser recolhido por meioestímulos elétricos da próstata oucirurgia, e depois congelado e armazenadoclínicasreprodução assistida.
"Consideramos que os padrõessegurança e qualidade seriam equivalentes a doações durante a vida", diz o artigo.
Altruísmo
Por que um homem doa seu esperma? Com as experiências atuais,vida, os pesquisadores apontam para razões como altruísmo, desejoprocriar e deixar"marca genética" no mundo, assim como motivações financeiras, a depender do país e a permissão para isso.
Mas há também fatores que podem desestimular potenciais doadores, como preocupações com o anonimato e a exigênciabateriasexames, consultas e compromissos presenciais.
Assim, os autores argumentam que a doação pós-morte concilia as motivações positivas e afasta os principais entraves à tradicional doaçãosêmenvida.
Alémaumentar a quantidadedoações, tal medida contribuiria com a diversificação do estoque —características físicas e genéticas, por exemplo.
"Finalmente, alguns casais podem ter a preferênciausar o espermauma pessoa morta. A informaçãoque o homem que produziu o sêmen doado morreu pode oferecer um certo grausimplicidade ao pensar no futuro dessa criançatermospossíveis interações futuras com um eventual doador", afirma a publicação, que discute ainda possíveis cenários para as crianças, famílias envolvidas e a sociedadegeral com a eventual doação anônimaesperma após a morte — projeções essas que não apresentam maiores obstáculos ao plano delineado pelos autores.
Riscovida? Não exatamente
Um dos debates éticos apresentados pelos autores reconhece que, diferenteoutros destinatários da doaçãoórgãos, famílias que receberiam o espermaum homem morto não estão passando por alguma doença potencialmente fatal.
É diferente tambémcasostransplantes que não lidam com risco iminentevida, mas que melhoram condições existentes e têm impacto na qualidadevida, como ocórnea.
"A infertilidade certamente causa sofrimento, que pode ser parcialmente apaziguado pelo acesso ao espermaum doador."
"Se é moralmente aceitável que indivíduos possam doar seus tecidos para aliviar o sofrimentooutras pessoas por meiotransplantes que melhoram suas condições (comocórnea), não vemos razão para que isso não possa ser estendido a outras formassofrimento, como a infertilidade."
Mas, como apontam os próprios autores, a proposta ainda tem questõesaberto, como a necessidadeconsentimento pelo doador ou o poderveto da família, além da proteção ao anonimato e ainda financiamento ao sistema.
"No artigo, sugerimos que, idealmente, deve ser necessário que o homem tenha manifestadovida o desejodoar esperma após a morte", destacou Parkerresposta à BBC News Brasil.
"Embora na Inglaterra as famílias possam retirar o consentimento à doaçãoórgãos e anular os desejos dos doadores, permanecemos neutros quanto a isso na publicação. Na realidade, há um extenso debate sobre o veto das famílias e ambos os autores têm opiniões diferentes sobre a moralidade disto, novamente destacando como é uma área eticamente controversa e difícil. Da mesma forma, não respondemos à questão sobre se as famílias deveriam consentirnomeum homem que não indicou este desejo durante a vida."
"O que eu diria é que, como o sêmen é um material reprodutivo, isso levanta questões um pouco diferentes sobre o papel da família neste consentimento."
E no Brasil?
Especialistadireto médico e da saúde, a advogada brasileira Luciana Dadalto diz que a proposta resvaladuas áreas sensíveis juridica e eticamente: as da doaçãoórgãos e reprodução assistida.
Mais do que isso: no Brasil, trata-seáreas carentesuma legislação atualizada e, naopinião, satisfatória.
"A doaçãomaterial após a morte no Brasil é orientada pela leidoaçãoórgãos e tecidos,1997 e alterada2001. E o sêmen não é nem órgão nem tecido e foi excluído expressamente pela lei. Então, a princípio seria necessária uma interpretação, estendendo a lei à consideraçãoum material biológico", argumenta Dadalto, acrescentando que, sob a legislação brasileira, a doaçãoórgãos após a morte é anônima, diferente daquelavida, que pode ser direcionada (por exemplo, uma irmã que doa um rim ao irmão).
"Esta lei (de 1997) dá a supremacia para a família. Existem alguns modelosdecisãodoaçãoórgãos no mundo, e o modelo brasileiro é o que dá à família essa palavra final. Hoje, na prática, que mesmo com a manifestação prévia da pessoa, a família tem a decisão final. Isso faz com que a gente tenha, inclusive, uma das menores taxasdoaçãoórgãos no mundo."
Assim, a prática da doaçãosêmen após a morte exigiria uma nova regulamentação ou uma interpretação "bastante complexa" da legislação existente — que poderia, finalmente, esbarrar mais uma vez no veto da família.
"Na doaçãoórgãos, temos uma lei antiga, retrógrada, mas que existe. Já a reprodução assistida não tem lei no Brasil", resume a advogada.
O que há, segundo a advogada, são interpretações do Código Civil e resoluções do Conselho FederalMedicina (CFM) a seus profissionais. São essas orientações que fazem, por exemplo, com que no Brasil a doaçãoesperma seja anônima e não remunerada.
Há, inclusive, instruções do CFM e decisões judiciais permitindo o usoesperma por viúvas cujos parceiros congelaram seu material e deixaram consentimentovida — diferente portanto do descrito na publicação no Journal of Medical Ethics, que diz respeito a material retirado após a morte e doado entre desconhecidos.
Assim como o Reino Unido, há sinaisque o Brasil também tem demandasêmen maior que a oferta. Conforme mostrou a BBC News Brasil2019, uma indicação disso é o aumentoimportações deste material.
De 2011 a 2017, a Agência NacionalVigilância Sanitária (Anvisa) aprovou a importação1,95 mil amostras seminais (sêmen). Em 2017,acordo com um relatório do órgão, o índice foi recorde: 860 amostras, um aumento97%relação ao ano anterior, quando foram trazidas 436.
"Além das informações no Brasil serem limitadas, a demandareceptores é bem superior à oferta, sobretudo porque não é permitido nenhum tipopagamento aos doadores, como ocorreoutros países. Há alguns voluntários que doam, mas é um número limitado, e o anonimato não permite saber muito sobre eles", apontou à reportagem o médico Márcio Coslovsky, especialistareprodução humana há mais20 anos e membro da Sociedade BrasileiraReprodução Assistida (SBRA) e da Sociedade EuropeiaReprodução Humana e Embriologia (ESHRE).
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