Relatório denuncia perseguição a acadêmicos e universidades no mundo, com destaque inédito ao Brasil:2 0 beta hcg

Faixa2 0 beta hcg'censurado' na Universidade Federal Fluminense

Crédito, Marcelo Sayao/EPA

Legenda da foto, Em 2018, após decisão judicial que determinou retirada2 0 beta hcgfaixa com dizeres 'Direito UFF Antifascista', ela foi substituída por outra, denunciando: 'Censurado'; episódio é mencionado no relatório Free to Think 2019

Quinn, doutor2 0 beta hcgfilosofia e com uma trajetória2 0 beta hcgprêmios e passagens por organizações dedicadas à promoção científica e aos direitos humanos, diz que além do relatório, outra atividade do Scholars at Risk é receber pedidos2 0 beta hcgassistência por acadêmicos que denunciam estar sendo vítimas2 0 beta hcgperseguição.

A rede, que está celebrando 20 anos2 0 beta hcgexistência, recebeu em2 0 beta hcghistória 34 solicitações desse tipo vindas do Brasil — 30 delas no último ano, o que fez a rede acompanhar mais2 0 beta hcgperto a situação do país e depois incluí-lo no relatório.

"Eu não leria a imagem como dizendo: o Brasil foi o pior país do mundo no ano passado. Isto seria injusto", afirmou, falando2 0 beta hcgNova York2 0 beta hcgentrevista via chamada2 0 beta hcgvídeo. "Mas acho que o que ela está dizendo é: o Brasil está aqui, e isto é novo."

"Há algo acontecendo e precisamos olhar para isso. Não quer dizer que há um grande problema, mas significa que precisamos analisar. E, quando olhamos, uma parte dos incidentes foi muito bem pronunciada por representantes do governo ou políticos no Brasil. Algumas destas falas circularam pelo mundo", diz.

Jair Bolsonaro e2 0 beta hcgAbraham Weintraub sorriem enquanto conversam e descem rampa no Palácio do Planalto

Crédito, REUTERS/Ueslei Marcelino

Legenda da foto, Declarações2 0 beta hcgJair Bolsonaro e2 0 beta hcgAbraham Weintraub são mencionadas2 0 beta hcgrelatório como uma retórica que contribui para estigmatização e cerceamento da liberdade das universidades

O relatório apresenta, por exemplo, declarações do ministro da Educação, Abraham Weintraub, e do presidente Jair Bolsonaro. Uma delas foi uma entrevista2 0 beta hcgabril2 0 beta hcgque Weintraub afirmou que as universidades federais Fluminense (UFF), da Bahia (UFBA) e2 0 beta hcgBrasília (UnB) teriam cortes2 0 beta hcgverba por promover "balbúrdia"2 0 beta hcgvez2 0 beta hcgbuscar excelência acadêmica, segundo ele. Outra fala do mesmo mês incluída no documento foi referente às disciplinas2 0 beta hcgfilosofia e sociologia, que2 0 beta hcgacordo com o ministro poderiam ter verbas para seus cursos cortadas por não serem rentáveis.

Esta posição foi endossada por Bolsonaro no Twitter, onde ele escreveu que a medida teria o objetivo2 0 beta hcg"focar2 0 beta hcgáreas que gerem retorno imediato ao contribuinte, como veterinária, engenharia e medicina".

A reportagem solicitou posicionamento dos ministérios da Educação e Ciência e Tecnologia na manhã2 0 beta hcgsegunda-feira (9), mas não obteve resposta até esta publicação.

Fazendo uma analogia com a medicina, Quinn diz que há casos2 0 beta hcgque a tensão entre as universidades e o poder é crônica, ou seja, se expressa2 0 beta hcguma forma saudável, por meio2 0 beta hcgdebates públicos e protestos, por exemplo.

E há os casos agudos,2 0 beta hcgque a tensão é liberada2 0 beta hcgforma2 0 beta hcgviolência e perseguição. Para ele, a escalada2 0 beta hcgcasos do Brasil que chegaram à organização indicam que o país pode estar chegando em2 0 beta hcgfase aguda.

"Baseado na história2 0 beta hcgoutros lugares, temos um alarme do que pode acontecer e do que pode piorar. A situação (no Brasil) é preocupante."

"Acho que o maior sintoma2 0 beta hcgtodos no Brasil, pois é algo que se observa historicamente, voltando literalmente a séculos atrás, é a construção artificial do 'outro' por aqueles que estão no poder. Esta criação não se vale do conhecimento, da racionalidade ou2 0 beta hcgevidências, mas2 0 beta hcgemoções, energia negativa e uma remissão a um passado imaginário 'puro'".

"No ensino superior, isso se manifesta com governos, partidos ou representantes importantes do poder mirando um acadêmico2 0 beta hcgespecial ou uma disciplina particular como estrangeira, não tradicional".

Ainda que o relatório lembre que os cortes nestas universidades e disciplinas não tenham sido concretizadas, Quinn diz que tais falas contribuem para um cenário2 0 beta hcgcerceamento à liberdade2 0 beta hcgpensamento — que não deve ser orientado apenas pelo critério da rentabilidade, ele destaca.

Retrato2 0 beta hcgRobert Quinn

Crédito, Divulgação

Legenda da foto, "Acho que o maior sintoma2 0 beta hcgtodos no Brasil, pois é algo que se observa historicamente, voltando a séculos atrás, é a construção artificial do 'outro'", afirmou Quinn2 0 beta hcgentrevista à BBC News Brasil

"No nosso histórico2 0 beta hcgcasos, por exemplo, vemos que qualquer disciplina pode se tornar um alvo", aponta o diretor.

"Há alguns anos, tivemos o caso2 0 beta hcgum professor na Tunísia que lecionava uma disciplina sobre saúde pública, e trabalhava especificamente com mortalidade infantil. Você pode perguntar: por que isto se tornaria algo político? Porque o governo, e se tratava2 0 beta hcguma ditadura, estava mentindo sobre a mortalidade infantil — a situação era muito pior do que estava sendo divulgado."

"Se você considera a história da União Soviética, por exemplo, os físicos lideravam a dissidência. Mas nunca pela física2 0 beta hcgsi, pelas fórmulas. Era porque eles queriam conversar com físicos2 0 beta hcgoutros países, mas eram impedidos2 0 beta hcgviajar."

"Hoje, no cenário contemporâneo, há países, como o Irã, que tentam recrutar físicos para participar2 0 beta hcgseus programas nucleares. E, se eles se negarem, vão para a prisão."

É também lembrado no relatório sobre o caso brasileiro um decreto presidencial2 0 beta hcgmaio que alterou os procedimentos para nomeação2 0 beta hcgórgãos vinculados à administração federal (não apenas instituições2 0 beta hcgensino).

Na visão2 0 beta hcgentidades que se manifestaram sobre o decreto, como o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições2 0 beta hcgEnsino Superior (Andes-SN) e a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) do Ministério Público Federal, ele poderia afetar diretamente a autonomia das universidades públicas.

Isto porque o texto abre caminho para que o governo, e não mais os reitores, designem nomes para cargos2 0 beta hcgvice-reitor, pró-reitor, diretores e vice-diretores2 0 beta hcgfaculdades.

Estudantes2 0 beta hcgmanifestação aparecem embaixo2 0 beta hcgbandeira com tesoura pintada, representando cortes orçamentários

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Anúncio2 0 beta hcgcortes2 0 beta hcgdisciplinas e instituições específicas deve servir2 0 beta hcgalerta, aponta relatório Free to Think 2019

Pressão vinda da Justiça e2 0 beta hcggrupos políticos2 0 beta hcgcampus brasileiros

Além2 0 beta hcgações do governo federal, o relatório aponta para decisões2 0 beta hcgjuízes e ações policiais2 0 beta hcguniversidades no contexto eleitoral, motivadas por acusações2 0 beta hcgque estudantes e professores estariam se manifestando partidariamente2 0 beta hcgespaços públicos.

Foi o caso do confisco, por decisão judicial,2 0 beta hcguma faixa pendurada na Universidade Federal Fluminense (UFF) com as palavras "Direito UFF Antifascista"; ou2 0 beta hcgfolhetos2 0 beta hcguma associação2 0 beta hcgdocentes da Universidade Federal2 0 beta hcgCampina Grande (UFCG) intitulados Manifesto2 0 beta hcgdefesa da democracia e das universidades públicas.

Do período eleitoral, o documento denuncia ainda relatos2 0 beta hcgataques e assédios2 0 beta hcggrupos civis com motivações ideológicas contra estudantes da Universidade2 0 beta hcgFortaleza (Unifor); Universidade Federal do Estado do Rio2 0 beta hcgJaneiro (Unirio); Universidade Federal do Pará (UFPA); e Universidade Federal2 0 beta hcgPernambuco (UFPE).

Por fim, o relatório apresenta recomendações específicas para o caso brasileiro, como a investigação e eventual punição2 0 beta hcgautores2 0 beta hcgincidentes2 0 beta hcgque membros da comunidade universitária tenham sido colocados2 0 beta hcgrisco; e o recuo2 0 beta hcgdeclarações e políticas que estigmatizem e ataquem o ensino superior do país.

Em relação às 30 solicitações2 0 beta hcgassistência do Brasil recebidas pelo Scholars at Risk (SAR) no último ano, a entidade disse que seis estão sob acompanhamento2 0 beta hcgfato, enquanto as outras não puderam ser atendidas diretamente pela organização, sendo direcionadas a outras formas2 0 beta hcgassistência.

"Em relação às outras 24 aplicações, algumas não atenderam aos critérios2 0 beta hcgbolsa ou risco. Como é possível observar2 0 beta hcgnossas ações, como o Free to Think, o SAR está preocupado com as pressões no setor da educação superior no Brasil que estão impactando todos os acadêmicos e estudantes do país. Devido aos recursos limitados e um crescente volume2 0 beta hcgpedidos2 0 beta hcgassistência, nossos serviços2 0 beta hcgproteção priorizam aqueles que relatam experiências2 0 beta hcgataques e ameaças diretos", diz nota enviada à reportagem.

A rede SAR foi fundada2 0 beta hcg1999 e tem seções2 0 beta hcgdiferentes partes do mundo, principalmente na América do Norte, Europa e África. Na América Latina, a rede tem colaboradores que participam anonimamente no monitoramento e verificação2 0 beta hcgincidentes.

Nos casos mais graves2 0 beta hcgperseguição a acadêmicos, o Scholars at Risk tem um projeto que organiza asilo para que pesquisadores possam trabalhar e morar2 0 beta hcgoutros lugares2 0 beta hcgque não estejam sob risco; há também serviços2 0 beta hcgassistência e campanhas para casos2 0 beta hcgacadêmicos presos.

A organização tem apoio da Universidade2 0 beta hcgNova York, onde é sediada, e recebe doações individuais e2 0 beta hcgoutras entidades, como a Vivian G. Prins Foundation, Open Society e National Endowment for Democracy.

Preocupação que perdura na Turquia

Dezenas2 0 beta hcgprofessores e pesquisadores da Turquia são vistos2 0 beta hcgrua2 0 beta hcgAncara, com capacetes e bandeiras amarelas, além2 0 beta hcgcom cartaz dizendo: "Estamos juntos pelo direito2 0 beta hcgnossos estudantes à educação"

Crédito, ADEM ALTAN/AFP

Legenda da foto, Professores e pesquisadores da Turquia protestam2 0 beta hcgAncara, com cartaz dizendo: "Estamos juntos pelo direito2 0 beta hcgnossos estudantes à educação"

No período abordado pelo relatório, o Scholars at Risk diz ter coletado relatos2 0 beta hcgcentenas2 0 beta hcgincidentes2 0 beta hcg56 países. No entanto, alguns deles, como o Brasil, ganharam neste ano capítulos2 0 beta hcgparticular: foi o caso da Índia, Turquia, Sudão e China.

A Turquia tem destaque importante por seu quarto ano consecutivo, já que a organização recebeu relatos2 0 beta hcg"ataques extraordinários" no ensino superior do país. Lá, acusados2 0 beta hcgtraição e terrorismo, milhares2 0 beta hcgacadêmicos enfrentam processos judiciais e prisões por terem assinado2 0 beta hcg2016 uma petição crítica às ações repressivas do governo contra os curdos. Alguns são vítimas da chamada "morte civil", ou seja, foram demitidos2 0 beta hcgseus cargos públicos, proibidos2 0 beta hcgassumir novas posições e2 0 beta hcgdeixar o país legalmente. Há ainda no país outros casos2 0 beta hcgperseguição a pessoas e grupos considerados opositores que não necessariamente têm relação com o episódio da petição.

Na China, a histórica perseguição a acadêmicos se intensificou no último ano, com um aumento nas demissões, prisões, restrições2 0 beta hcgviagens daqueles considerados divergentes, por2 0 beta hcgpostura crítica, origem étnica ou religiosa, das diretrizes do Partido Comunista no país.

No Sudão, que viveu uma onda2 0 beta hcgprotestos que levou2 0 beta hcgabril à queda do então presidente Omar al-Bashir, as universidades foram alvo2 0 beta hcgrepressão, com força2 0 beta hcgsegurança se valendo2 0 beta hcgprisões e violência, às vezes letal, contra estudantes e professores manifestantes. Mesmo após a queda2 0 beta hcgal-Bashir, foram relatados casos2 0 beta hcgataques perpetrados por grupos paramilitares.

Já denúncias vindas da Índia também não são novidade, mas viram uma piora no último ano, segundo o relatório. Foram registrados conflitos graves entre grupos internos2 0 beta hcgestudantes; ou com grupos externos e milícias, muitas vezes motivados por divergências religiosas, étnicas ou ideológicas; ou ainda com a polícia. O relatório apresenta também casos2 0 beta hcgacadêmicos que foram retaliados profissionalmente pelas próprias instituições2 0 beta hcgensino às quais estavam vinculados, como2 0 beta hcgdemissões motivadas por opiniões por eles expressas.

Na entrevista à BBC News Brasil, Robert Quinn reconheceu que o formato do relatório não é quantitativo, com uma precisão como a2 0 beta hcguma pesquisa demográfica por exemplo.

"Ao mesmo tempo, avaliamos que temos uma amostra representativa razoavelmente boa, pelo menos dos casos mais notáveis que aconteceram no ano passado", diz o diretor da organização. "Nossa metodologia está no nosso relatório e2 0 beta hcgnosso site, para que todos possam explorá-la."

Diversos estudantes aparecem2 0 beta hcgrua com cartazes, uma delas segurando um megafone

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Universidades estão no meio do caminho entre o poder e as ideias, diz Robert Quinn

Quinn diz que vê o trabalho do Scholars at Risk como estando no meio do caminho entre o poder e as ideias, onde estão os acadêmicos e as universidades - "o trabalho deles é gerar ideias, fazer perguntas, o que por definição se choca com o poder", aponta.

Mas esse poder é sempre político? Para o entrevistado, a resposta dá destaque justamente à América Latina.

"Sem dúvidas há pressão também do poder econômico, e não surpreenderia se os números apontassem para a América Latina como vivendo um problema maior nesse sentido — mas eu precisaria checar os dados. Acadêmicos que trabalham com direitos fundiários, particularmente dos povos indígenas, ou aqueles que trabalham com meio ambiente muitas vezes entram2 0 beta hcgcontato, e muitas vezes2 0 beta hcgconflito, com interesses corporativos e comerciais."

O embate entre o poder e as ideias, ele diz, acontece há séculos — mas há "algo diferente hoje", fazendo das ameaças aos acadêmicos e ao livre pensamento algo global.

Quinn atribui esta globalização dos riscos a uma combinação2 0 beta hcgfatores — alguns que considera positivos: a democratização do ensino superior2 0 beta hcgtodo o mundo e do acesso à internet; e o encurtamento2 0 beta hcgfronteiras, com o transporte e as tecnologias.

"Tudo isso está se combinando para formar um clamor pelo restabelecimento da expertise, da curadoria do conhecimento. No passado, quando a educação não era nem um pouco democrática, muito elitista, a curadoria do conhecimento acontecia pela limitação do acesso"

"Mas parece que hoje estamos tendo muito mais dificuldade2 0 beta hcgfiltrar as informações2 0 beta hcgqualidade do que é ruído."

"A ironia é que, ao meu ver, isso faz das comunidades acadêmicas mais importantes do que nunca. A sociedade civil precisa da contribuição2 0 beta hcguma expertise responsável e com interesse público para orientar o acesso à informação. Então, trata-se2 0 beta hcgum momento verdadeiramente único, mas não sem riscos."

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