Existe alguma ligação entre crise econômica e aumento nas taxasroleta bsuicídio?:roleta b
A pressão do cotidiano expõe pessoasroleta bdiferentes faixas etárias a situações-limite e testam a resiliênciaroleta btodosroleta blidar com uma situação adversa. Crises conjugais, doenças e dores crônicas, problemasroleta brelacionamento, o medo da violência, a perdaroleta bum emprego ou aroleta bum ente querido: cada um responderoleta buma forma às adversidades. Quando algum evento externo mobiliza uma população inteira, o quadro se torna mais sombrio.
A BBC News Brasil ouviu a psiquiatra Alexandrina Meleiro, da Associação Brasileiraroleta bEstudos e Prevenção do Suicídio (Abeps), reuniu dados da psicologia social, índices da Organização Mundial da Saúde e analisou estudos americanos, europeus e japoneses para entender qual a relação entre suicídio e cenário econômico adverso.
O Brasil vive nos últimos anos um cenárioroleta binstabilidade econômica, social e política. Para Meleiro, o clima negativo prejudica a saúde mental dos brasileiros, mas precisa ser vistoroleta bperspectiva.
"Há,roleta bfato, um aumento no númeroroleta bcasosroleta bdepressão eroleta bansiedaderoleta bmomentosroleta bcrise econômica. O suicídio é a resposta fatal a um problemaroleta bsaúde mental que,roleta balguma forma, não pôde ser solucionado. Embora a crise econômica seja fatorroleta brisco reconhecido pelos órgãos internacionaisroleta bsaúde, ela não responde sozinha pelo aumento no índice. A maioria das pessoas está enfrentando a crise econômica, sob pressão social e mental, e está sobrevivendo", afirma a psiquiatra.
A crise e o desespero
Segundo dadosroleta b2016 da Organização Mundial da Saúde, quase 80% dos suicídios são reportadosroleta bnaçõesroleta brendas baixa e média, e parte significativa dos casos ocorreroleta bzonas distantes dos grandes centros.
Apesar disso, o suicídio nas grandes cidades chama mais a atenção dos meiosroleta bcomunicação. Ocorrênciasroleta bvias públicas, praças e pontes são mais visíveis e reportadas, o que nos leva a um dos principais problemas da divulgaçãoroleta bcasosroleta bsuicídio, apontado por Alexandrina Meleiro: ele acaba sendo um fatorroleta bcontágio.
Durante a Grande Depressão, grave crise econômica americana ocorrida a partir da quebra da Bolsaroleta b1929roleta bNova York, tornou-se comum relacionar a falência financeira a tentativasroleta bsuicídio. O período ficou marcado no imaginário popular pelas cenas e narrativas, registradas pela imprensa americana,roleta btentativasroleta bsuicídioroleta blugares públicos.
No entanto, para os psicólogos americanos David Lester e Bijou Yang, autoresroleta bThe economy and suicide - economic perspectives on suicide (Economia e suicídio - uma perspectiva econômica do suicídio,roleta btradução livre,roleta b1997), essa imagem não corresponde exatamente à realidade do período. Os altos índicesroleta bsuicídio registrados no país, entre 1925 e 1932, se justificam pelo fatoroleta bque foi justamente nessa época que os Estados americanos passaram a informar ao governo as causasroleta bmorteroleta bsua população. No anoroleta b1929, os suicídios não foram mais ou menos altos do que sempre foram. No momento subsequente, sim.
Na obra, Lester e Yang revisaram as taxasroleta bsuicídio nos EUA entre 1940 e 1994. Em uma abordagem que integrou aspectos econômicos e sociológicos, afirmaram que recessões podem impactar e ampliar o comportamento suicida, sobretudoroleta bfaixas etárias e grupos específicos.
Concluíram que as taxasroleta bsuicídio não explodiram durante os booms e colapsos econômicos do país, como havia sido previsto pelo sociólogo francês Émile Durkheim, autorroleta b"O Suicídio", publicado no final do século 19; que a taxaroleta bdesemprego tinha impacto prejudicial significativo entre homens brancos, embora desemprego não seja um fator tão prevalente para suicídio fora dos Estados Unidos (à exceção do Japão); e que, surpreendentemente, a taxaroleta bdivórcio foi a única variável que teve impacto consistente entre todos os grupos sociais.
O que o caso grego ensina
"Os felizes são iguais; os infelizes o são cada um aroleta bmaneira" - no romance Anna Karenina, Liev Tolstói falavaroleta bfamílias, mas a definição é precisaroleta brelação aos dadosroleta bsuicídio pelo mundo.
A combinação entre estresse emocional devido à recessão e a problemas financeiros pode levar a quadros suicidas. Alguns grupos sociais e etários são mais atingidos que outros, e a predisposição a determinados transtornos também é um dado relevante.
De modo geral e a despeitoroleta bexceções, a economia dos países viveu um momento eufórico entre os anos 1990 e meadosroleta b2000. Mesmo com percalços, a consolidação da União Europeia proporcionou aos seus membros um salto na qualidaderoleta bvida - houve queda ou estabilidade no númeroroleta bsuicídios até entre grupos mais suscetíveis, como o da terceira idade.
O esfacelamento da União Soviética,roleta b1991, provocou mudanças profundas entre as ex-repúblicas. Saltavam à vista as elevadas taxasroleta bsuicídio entre os países independentes, como a própria Rússia e a Lituânia. Países do Leste Europeu e bálticos, uma zonaroleta bconflito nos anos 1990, também registraram alta dos suicídios. Fora dali, só o Japão se destaca negativamente. Ele é um caso à parte: um país altamente desenvolvido eroleta bexpectativaroleta bvida alta, que apresenta números preocupantes nesses índices.
Um estudo publicadoroleta b2013 pelo British Medical Journal estima que quase 4.900 suicídios a mais do que o esperado ocorreramroleta b2009, meses depois da crise econômica globalroleta b2008, reunindo as estatísticasroleta b54 países, a maioria europeus. Homens jovens desempregados e homens com idade entre 45 e 64 anos foram os grupos mais suscetíveis.
A OMS não tinha particular preocupação com suicídio entre os gregos antes dos anos 2000 - a nação tinha uma das taxas mais baixas do mundo até a criseroleta b2008, que jogou parte do mundoroleta bum beco sem saída. No bloco europeu, a Grécia teveroleta baplicar um duro planoroleta bausteridaderoleta btrocaroleta bempréstimos, junto ao FMI, para tentar sanar a dívida pública.
Em 2011, a taxaroleta bdesemprego no país passavaroleta b16% (entre os jovens, o índice superava 45%). Um estudo publicadoroleta b2018, a partirroleta bregistros forenses da cidaderoleta bCreta, no período entre 1999 e 2013, revelou um quadro bastante semelhante ao observado na análise dos americanos Lester e Yang. Apesarroleta ba crise atingirroleta bcheio os jovens desempregados, o índiceroleta bsuicídio sofreu ligeiro aumento entre essa parcela da população, nos piores anos da crise econômica (entre 2009 e 2013).
O que chamou a atenção foi a alta no númeroroleta bsuicídios entre homens entre 40 e 64 anos (ou mais), especialmente numa região da cidade com poucos ambulatórios e com déficitroleta bleitos hospitalares para pacientes com problemasroleta bsaúde mental (estresse pós-traumático, síndrome do pânico, depressão e ansiedade).
Alexandrina Meleiro vê o exemplo grego como uma síntese razoávelroleta bo que aconteceroleta bmomentosroleta bcrise econômica. Problemas financeiros impactam desse modo um grupo populacional específico: desempregados e homens acima dos 40 anos que, ao perder poderroleta bcompra e redução na renda perdem status e se veem obrigados a viver com menos.
"Foi esse o grupo mais atingido durante o confisco dos depósitos bancários e o congelamento da poupança do Plano Collor,roleta b1990. Veja, não foi uma crise econômica, foi uma medida que tinha a intençãoroleta bresolver a superinflação e que, no final das contas, desestabilizou ainda mais a economia. Muita gente perdeu o chão, foi à falência, perdeu bens, teveroleta brepensar os gastos com escola, viagem, alimentação. Isso tudo faz adoecer, nos deprime. E muitos empresários e paisroleta bfamília não suportaram."
Há um componenteroleta bgênero importante. O gruporoleta bhomens adultos é mais vulnerável porque procura menos ajuda médica quando passa por momentosroleta bcrise, seja ela emocional, amorosa (conjugal) ou financeira.
"São pessoas que muitas vezes se envergonhamroleta bpedir ajuda, que não têm capacidaderoleta benfrentamento. A mulher deprime, chora, se entristece, mas acessa uma rederoleta bapoio - amigos, familiares, comunidades religiosas, médicos. Ela se permite mostrar-se frágil. Muitas vezes o homem tem recursos para procurar tratamento, mas o estigma faz com que ele não o procure."
Japão tem índicesroleta bsuicídio mais altos do queroleta boutros países desenvolvidos
Os índicesroleta bsuicídio no Japão estão muito acima dos registradosroleta boutras nações desenvolvidas. Já eram altos, mas foram diretamente impactados pela desigualdade social decorrente das crises econômicas e por questões morais relacionadas à culpa pelo fracasso.
Sociólogos que estudam os altos índicesroleta bsuicídio no Japão avaliam que o elo entre a tradição cultural do país,roleta bque há forte sensoroleta bgrupo e familismo autoritário, foi agravado pela crise econômica dos anos 1990. A relação entre desemprego e falência financeira cria um embaraço públicoroleta benfrentar os problemas por conta própria. Muitos não aguentam a pressão.
Em meio aos mitos sobre a resiliência japonesa e um poucoroleta bfolclore, os resultados empíricos mostram que variáveis socioeconômicas explicam a incidênciaroleta bsuicídio no Japão. A recente epidemiaroleta bsuicídio está diretamente relacionada à recessão econômica da chamada "década perdida" dos anos 1990, após a explosão da bolha.
A crise financeiraroleta b1997, que atingiuroleta bcheio os países asiáticos, fez aumentar os registrosroleta bsuicídioroleta bquase todos os países da região, como Tailândia, Indonésia, Coreia do Sul e Malásia. Mas o Japão foi o paísroleta bque o aumento foi mais acentuado. Pior: o índice manteve-se alto mesmo após a retomada econômica.
Promulgadaroleta b2006, a Leiroleta bPrevenção ao Suicídio criada pelo governo lançou diretrizes e açõesroleta bsaúde pública para tentar conter a depressão e o suicídio entre fatias populacionais mais vulneráveis. Os números têm apresentado queda ano a ano.
Teorias sobre o suicídio
O suicídio é um ação que revela conflito e ambivalência. É um fato social perturbador, cercadoroleta btabus, motivado por causas sociais, interpessoais e pessoais, sobre as quais há poucas certezas.
A medicina e as ciências sociais têm estudado as causas do suicídio ao longo do tempo. Entre os grandes especialistas no tema destacam-se os trabalhos do francês Émile Durkheim e do suicidólogo americano Edwin Shneidman (1918-2009).
Na análise do psiquiatra português Carlos Braz Saraiva, professor da faculdaderoleta bMedicina da Universidaderoleta bCoimbra,roleta bPortugal, Durkheim possui uma visão "macro, por fora" sobre o assunto,roleta bque o determinismo social desempenha um papel importante na conduçãoroleta bum indivíduo à medida extrema. Para Durkheim, "todo o comportamento humano, desde o sentir, o pensar, o agir", seria determinado pela sociedade. Fatores macrossociais são essenciais à nossa espécie gregária e cooperativa. Desse modo, religião, família, profissão e acesso aos bens da sociedade capitalista, como parte da macroestrutura, ditariam comportamentos e sensações,roleta bdetrimento do psiquismo do indivíduo enquanto membro isolado da sociedade.
Shneidman, tido como o pai da suicidologia, pensa o suicídio a partirroleta buma visão "micro, por dentro". Para ele, o suicídio é o resultadoroleta bum conflito interior, a confluênciaroleta bum máximoroleta bdor, um máximoroleta bperturbação e um máximoroleta bpressão - chamadaroleta b"modelo cúbico", a formulaçãoroleta bShneidman levaroleta bconta as vivências e os atritos entre o mundo interior e o exterior.
"No Ocidente, o suicídio é um atoroleta bautoaniquilação, melhor compreendido como uma doença multidimensional num indivíduo carente que acredita ser o suicídio a melhor solução para resolver um problema", afirmou, na obra A psychological approach to suicide (Uma abordagem psicológica do suicídio,roleta btradução livre),roleta b1987.
A partir dos anos 1960, modelos sistêmicos e biológicos combinavam análisesroleta bdiversos autores às descobertas sobre a química do cérebro e ao estudo das famíliasroleta btornoroleta bum ente suicida. Dessa forma, entraroleta bcena o papel dos meios sociais "disfuncionais", alémroleta bo suicídio também passar a ser observado como o ápiceroleta buma doença com causas neuroquímicas.
Desafios do século 21
No mundo todo, o suicídio tem aumentado entre os mais jovens, especialmente na população entre 15 e 29 anos,roleta btodos os gêneros. Muito cobrados e despreparados para lidar com as pressões, os que nasceram após os anos 2000 aprenderam que, se a satisfação não for imediata, ela não existe. "Entre esse grupo ocorre uma crescente desvalorização da vida e a banalização da própria morte. Adolescentes são mais impulsivos, é algo já descrito na literatura. Mas tudo ficou mais intenso e imediato por causa das novas tecnologias."
No Brasil, outro grupo extremamente vulnerável é oroleta bjovens negros. Segundo dados do Ministério da Saúde brasileiro, houve um aumentoroleta b12% na taxaroleta bsuicídioroleta bnegrosroleta baté 29 anos, entre 2012 a 2016. O índice é 45% superior ao registado entre indivíduos brancosroleta bmesma faixa etária. O recorte racial tem sido bastante discutido entre os acadêmicos. Até pouco tempo atrás, não havia informação sobre raça nas fichas das inscriçõesroleta bmortalidade. O racismo impõe aos negros mais vulnerabilidade nas ruas e ambientes sociais, alémroleta binterferir na autoestima.
A terceira idade sempre foi um fatorroleta brisco e apresenta,roleta bregistros históricos, uma tendência maior à depressão e ao suicídio. Para cada 4 adolescentes que decidem tirar a própria vida, 200 idosos fazem o mesmo.
Meleiro entende que não vivemos uma era mais ou menos desequilibrada. "Vivemos uma eraroleta bfácil acesso aos meios letais, isso sim. Ter acesso a um meio letal, armasroleta bfogo ou drogas, é fator altíssimoroleta brisco, tanto que médicos, policiais militares e exército são os profissionais mais expostos a esse risco. É preciso reduzir o acesso às armas e às drogas e oferecer tratamento psicológico e psiquiátrico aos que sofrem com ansiedade e depressão", opina.
Outro dado menosprezado é o que está relacionado ao suicídioroleta bcontágio e aos sobreviventes do suicídio, aqueles que presenciaram a cena ou que perderam alguém. "Essas pessoas precisamroleta bum atendimento especial. São membros do corporoleta bbombeiros, policiais, socorristas, familiares, psiquiatras. O enlutado precisa ter um espaço para desabafar, porque vive sobretudo um conflito, um mistoroleta bculpa e raiva bastante difícilroleta blidar." O Gruporoleta bApoio aos Sobreviventesroleta bSuicídio do Centroroleta bValorização da Vida oferece amplo atendimento e aconselhamento aos que sofrem com essa perda abrupta.
Se você está deprimido e tem pensamentos suicidas, ligue para o Centroroleta bValorização da Vida (CVV) por meio do número 188. As ligações são gratuitas para todo o Brasil.
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