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A vítimaviolência doméstica sentenciada à prisão perpétua por incendiar marido:
"Eu queria bater nele. Queria bater nele do jeito que ele me batia. Queria bater nele para que pudesse sentir a mesma dor que eu. Nunca penseinada além disso. Meu cérebro havia parado totalmente."
Naquela noite, enquanto o marido dormia, ela encharcou os pés dele com gasolina e botou fogo. Pegou o filho e correu para fora da casa.
"Eu pensei, vou queimar os pés dele, para ele não conseguir correr atrásmim. Vou deixar uma cicatriz para ele lembrar sempre do que a esposa fez com ele. Toda vez que ele olhar para os pés com a cicatriz, vai lembrarmim."
Kiranjit afirma que não pretendia matar o marido, que morreu dez dias depoisdecorrência dos ferimentos.
Em dezembro daquele ano, Kiranjit foi condenada à prisão perpétua por homicídio.
Abuso desde o primeiro diacasamento
Kiranjit cresceuPunjab, no norte da Índia. Caçulanove irmãos, ela perdeu os pais aos 16 anos e era protegida pelos mais velhos.
No fim da adolescência, no entanto, a pressão para se casar começou a crescer.
"Eu nunca quis me casar, então fui morar com a minha irmã no Canadá. Eu não queria ficar na Índia, casar e ter filhos como minha cunhada. Eu queria trabalhar, ganhar dinheiro, viver minha própria vida", diz.
Mas ela precisou ceder à pressão matrimonial quandoirmã que mora na Inglaterra encontrou um candidato.
"Ele veio me ver no Canadá. Conversamos por cercacinco minutos, e eu disse sim. Eu sabia que não ia conseguir fugir, tinha que me casar. Então foi isso. Minha liberdade acabou."
Ao recordar suas primeiras impressões do marido, ela diz que ele "tinha boa aparência, era bonito e charmoso", mas nunca sabia quando ele iria explodir. Um minuto ele era maravilho, no outro, era horrível.
Segundo ela, o abuso começou no primeiro diacasamento.
"Se ele ficava com raiva, era assim... Gritava, me maltratava, jogava coisas, me empurrava, me ameaçava com faca. Muitas vezes, ele me estrangulava. Eu ficava com hematomas e não conseguia falar por alguns dias."
"Eu lembro que era aniversário dele, eu tinha feito horas extras no trabalho e comprei um anelouro para ele como presenteaniversário. Naquela mesma semana, ele perdeu a paciência e com o mesmo anel quebrou meu dente. Me deu um soco na cara", relata.
Tentativasfuga
Kiranjit diz que todas as vezes que tentou ir embora, o marido a encontrava, a levavavolta e a espancava fisicamente.
Cinco anos após o casamento, o casal viajou para a Índia, onde Kiranjit contou ao irmão mais velho sobre os abusos que estava sofrendo. Sua família ficou inicialmente transtornada, mas depoisum pedidodesculpas do marido, a convenceram a voltar para casa.
Alguns meses depois, na Inglaterra, os abusos começaram novamente.
Deepak começou a ter casos extraconjugais e a exigir dinheiro da esposa - o que levou à discussão que anteceu o incêndio que ela cometeu.
"Eu não conseguia escapar, não conseguia o divórcio. Havia pressão da família para ter um filho. Todo mundo dizia que 'se você tiver um filho, talvez ele mude. Ele vai se tornar um homem responsável'."
"Ele nunca mudou. Só piorou."
Quando Kiranjit foi julgada pelo assassinato do marido, ela diz que não levaramconsideração os abusos, e ela se sentiu irritada ao ouvir a sentença.
A Promotoria sugeriu que ela foi motivada pelo ciúme devido aos casos extraconjugais do marido, e que o intervalo entre a discussão e a retaliação foi longo o suficiente para ela se acalmar e pensar racionalmente sobre suas atitudes.
"Eu tinha total confiança na lei britânica. Achava que a lei britânica era uma lei moderna e que eles entenderiam o quanto eu sofri. Eles nunca entenderam meus anossofrimento."
Presa, mas livre
Uma vez na prisão, Kiranjit afirma que se sentiu livre, longe do marido.
Ela jogava badminton, fazia aulasinglês e chegou a ser coautoraum livro sobrevida, que mais tarde foi transformadofilme.
Seu caso foi assumido então pela Southall Black Sisters (SBS), um serviçoadvocacia para mulheres negras e asiáticas.
"Nós tentamos falar com os advogados dela na época e tentamos educá-los a respeito do contexto cultural. Por que alguém como ela não acharia fácil abandonar um casamento violento e abusivo", explica Pragna Patel, diretor da instituição.
Mas ela alega que os tribunais "não deram ouvidos" e que os advogados "não estavam interessados"entender suas origens culturais.
Após a intensa campanha e trabalho jurídico da SBS, o recursoKiranjit foi aceito1992, com base na culpabilidade diminuída (por transtornos mentais).
Eles apresentaram ao tribunal novas evidênciasque ela sofreu depressão prolongada devido aos anosviolência e abuso doméstico.
E eles aceitaram que o intervalo entre a discussão e o incidente deu a Kiranjit tempo suficiente para "transbordar"vez"acalmar".
Um novo julgamento foi realizado no Tribunal Central CriminalOld Bailey, onde seu argumentohomicídio culposo foi aceito. Ela foi condenada então a três anos e quatro mesesprisão, exatamente a pena que já havia cumprido.
E foi libertada imediatamente.
A libertaçãoKiranjit marcou um precedente histórico - o tribunal aceitou que as mulheres que são vítimasabuso podem ter uma reação mais "lenta" quando provocadas,vezuma resposta imediata.
Também passou a mensagemque mulheres que matamdecorrênciaviolência doméstica grave não devem ser tratadas da mesma forma que assassinos a sangue-frio.
"Conseguimos mudar as atitudesnossas próprias comunidades", diz Pragna. "As pessoas estavam abraçando Kiranjit, vendo ela como uma heroína,vezserem hostis e isolarem ela."
"Foi um momento importante na histórialuta das mulheres contra a violência neste país, particularmenterelação às minorias porque foi a primeira vez que as comunidades minoritárias tiveram que refletir, aceitar e reconhecer que a violência baseada no gênero existe e que a forma como algumas vezes tratamos as mulheres é parcialmente responsável."
'Um marco importante'
O recursoKiranjit continua sendo o caso mais notável da SBS desde que foi criada há 40 anos.
Para celebrar o aniversário da organização, o grupo exibiu o filme Provoked: DesejoLiberdade (2006), que conta a trajetóriaKiranjit, como parte do UK Asian Film Festival, no último fimsemana.
Pragna diz, no entanto, que a questão da violência contra as mulheres nas comunidades minoritárias não diminuiu. Segundo ela, parece ter aumentado.
"Se esse crescimento é porque há mais gente denunciando casosviolência ou se é porque (a violência) está aumentando, é uma pergunta difícilresponder."
De acordo com ela, a redução dos benefícios sociais significa que é mais difícil conseguir recursos para essas mulheres, e o aumento do racismo está deixando mulheres que já são vulneráveis mais preocupadas.
Enquanto isso, Kiranjit, que ainda vive na Inglaterra, diz que se sente orgulhosater conseguido reconstruirvida nas últimas três décadas.
"Eu trabalho duro, tenho um emprego, meus filhos se formaram e agora sou avó."
"Isso foi há 30 anos. Parece que foi um sonho ruim."
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