50 anos do AI-5: artistas censurados contam como a repressão influenciou suas obras:bet365l

Obra Carlos Zílio

Crédito, Ricardo Miyada

Legenda da foto, No início dos anos 1970, Carlos Zílio foi preso pelo regime militar e executou essa sériebet365ldesenhos no cárcere. Eles foram expostos ao público pela primeira vezbet365l1996

O ato suspendeu o habeas corpus para presos políticos e institucionalizou a repressão estatal e a prática da censura, inaugurando o período mais violento da ditadura - e impondo uma forte ruptura sobre a produção cultural brasileira, no cinema, na música, no teatro e nas artes visuais.

A exposição do MAM foi umabet365lmuitas mostras fechadas, inviabilizadas ou esvaziadas a partirbet365lentão, e Antonio Manuel é umbet365lmuitos artistas que tiveram obras e projetos censurados, seja diretamente pelo regime militar ou pela censura préviabet365linstituiçõesbet365larte, temerosasbet365lafrontar o regime.

Mesa Executiva 1

Crédito, Cortesia Regina Silveira e Luciana Brito Galeria

Legenda da foto, Mesa Executiva 1 (1975),bet365lRegina Silveira, fez partebet365luma exposição sobre o impacto do ato institucional nas artes visuais, realizada entre setembro e novembro deste anobet365lSão Paulo

"Houve o decreto do dia para a noite. E,bet365luma hora para a outra, tudo mudou", lembra o artista plástico carioca Carlos Zílio,bet365l74 anos. No dia da publicação do ato, ele participavabet365luma reuniãobet365ldiretórios acadêmicos na PUC-RJ - até que a polícia chegou. Quase foi preso, mas conseguiu escapar. Um ano depois, não teria a mesma sorte.

"Depois do ato, o pouco espaçobet365latuação política e cultural que tínhamos nos primeiros anos (após o golpe), ainda que com tensão permanente, cessou. A ditadura ficou escancarada. Passamos a uma repressão absoluta", afirma Zílio.

"Você não podia se expressarbet365lmodo nenhum. As atividades públicas foram proibidas e o ambiente geral erabet365lproibição, intimidação, opressão", lembra.

'Parede invisível'

O carioca Cildo Meireles,bet365l70 anos, foi um dos artistas que tinham obras na exposição repentinamente fechada pelos militares no MAMbet365l1969. Ele lembra o choque que ato causou, e a repercussão que tevebet365lvários âmbitos.

Naquele ano, a Bienalbet365lParis acabou ficando sem representação brasileira e, a partir dali, ganhou força o movimentobet365lboicote à Bienalbet365lSão Paulo, que ganhou dimensão internacional. A Bienal permaneceria esvaziada por uma década.

No âmbito pessoal, porém, a repressão fez com que Cildo e outros artistas mudassem seus rumos criativos. Ele lembrabet365lcomo interrompeu investigações que vinha fazendo, que tinham foco mais formal, para fazer obrasbet365lforte cunho político, como Quem Matou Herzog? (1975) e Tiradentes: Totem-monumento ao Preso Político (1970). Nesta, queimou galinhas vivas penduradas a um totembet365lmadeirabet365lum dia 21bet365labril, diabet365lTiradentes, ironizando o culto promovido pelo regime militar ao líder da Inconfidência Mineira, executado pelo Estado.

"Foram trabalhos decorrentes da indignação ebet365lver meu projeto pessoalbet365lartista tão invadido pelas circunstâncias", afirma. "Eu vinha me dedicando às séries Espaços Virtuais e Volumes Virtuais, mas me senti impelido a tratar dessas questões políticas no trabalho."

"A censura é uma obstrução permanente da mente", considera Cildo. "Você vira escravobet365luma parede invisível."

Da arte para a guerrilha

O início da atuaçãobet365lCarlos Zílio como artista coincidiu com a ditadura. No ano do golpe,bet365l1964, ele era um jovem estudantebet365larte. Nos primeiros anos do regime, participoubet365lexposições importantes para afirmar uma linguagembet365lcontestação na arte brasileira, como Opinião 65, Opinião 66 e Nova Objetividade Brasileira (1967).

O cunho políticobet365lseu trabalho foi se acentuando. Até que,bet365l1968, teve uma virada mais radical. "Chegou um momentobet365lque a demanda política sobre mim era maior do que o meu trabalho poderia dar conta. E resolvi me engajar politicamente com maior empenho", conta Zílio.

Zílio se engajou na política estudantil e na guerrilha urbana. Em 1970, já na clandestinidade, foi atingido por três tirosbet365lum confronto com policiais e levado preso. Passou dois anos e meio na prisão - e se debruçou novamente sobre o desenho, com os parcos recursos que tinha: papel e canetinhas hidrográficas coloridas.

Os trabalhos só sobreviveram porquebet365lmulher ia levando-os embora a cada visita à prisão. Foram expostos pela primeira vezbet365l1996, e novamente neste ano,bet365luma exposição no Instituto Tomie Ohtake,bet365lSão Paulo.

Obra Lute

Crédito, Vicentebet365lMello

Legenda da foto, O início da carreirabet365lCarlos Zílio coincide com os primeiros anos da ditadura militar e ganha forte carga política. Lute (1967) foi idealizado como um múltiplobet365ltiragem ilimitada

"Foi uma superação da minha intimidade. Achei que deveriam ganhar uma dimensão pública, porque era o testemunhobet365luma época", afirma Zílio

A sériebet365ldesenhos foi um dos destaques da exposição AI-5 50 anos - Ainda Não Terminoubet365lAcabar, sobre o impacto do ato institucional sobre as artes visuais, realizada entre setembro e novembro deste ano no Tomie Ohtake.

"É uma produção que constitui um diáriobet365lcárcere, com as ampulhetas, o calendário dos dias que não passam, o corpo ensanguentado, o corpo presobet365ljaulas", pontua Paulo Miyada, curador-chefe do instituto.

"Era uma produção que não chegava a público nenhum, não podia ser vista por ninguém. Ficou como um grito guardado que agora podemos conhecer, e nos fala muito daquela época", considera.

'Aquele abraço'

O preâmbulo do AI-5 enaltecia os objetivos da "Revolução Brasileirabet365l31bet365lmarçobet365l1964". De acordo com o documento, o decreto vinha reforçar os esforços do governo militarbet365lassegurar a "autêntica ordem democrática, baseada na liberdade, no respeito à dignidade da pessoa humana, no combate à subversão e às ideologias contrárias às tradiçõesbet365lnosso povo, na luta contra a corrupção (...)".

Se o regime militar buscava negar a alcunhabet365lditadura, entretanto, o AI-5 tornou-a explícita, dando amplos poderes aos governantes para punir os que fossem considerados inimigos do regime. O Congresso foi fechado no dia da publicação do decreto, e permaneceu fechado por quase um ano. Nesse período, maisbet365l300 políticos tiveram seus direitos cassados.

Cláudio Tozzi, 'A Prisão' (1968)

Crédito, Coleção Marta e Paulo Kuczynski

Legenda da foto, A obra Prisão (1968),bet365lCláudio Tozzi, também foi exibidabet365lexposição no Instituto Tomie Ohtake que lembrou o impacto do ato institucional nas artes visuais

No cenário cultural, o ato marcou a disseminação da censura na imprensa, no cinema, no teatro, na música e nas artes visuais. Vieram as prisõesbet365lartistas como Caetano Veloso e Gilberto Gil, e o êxodobet365lartistas que tinham atuação mais incisiva, como Glauber Rocha, Chico Buarque, Geraldo Vandré, José Celso e os próprios Caetano e Gil, após a prisão.

Gil compôs Aquele Abraço como uma cançãobet365ldespedida antesbet365lpartir para o exíliobet365lLondres, enaltecendo as belezas e riquezas culturais que mais lhe eram caras no Brasil, ao mesmo tempobet365lque dava as costas para o local onde ficou preso, a que se refere no verso "alô, alô, Realengo".

Se por um lado a repressão gerou uma sériebet365lviolências e interdições na arte, por outro, fomentou modosbet365lresistência,bet365lresiliência e invenção.

"De 1969bet365ldiante, há um grande refluxo das formasbet365lagir e se expressar", diz Paulo Miyada. "Uma parte da produção artística começa a emular modos da guerrilha, no sentidobet365lagir clandestinamente, sem aviso, sem identificação, no espaço urbano. Outras iniciativas vão para redes subterrâneasbet365ldistribuição, como os cineclubes clandestinos. Uma parte da produção fica altamente cifrada para poder produzir um discurso crítico, masbet365lforma que a maior parte da população não entende, como maneirabet365lproteger a expressão", explica.

"O artista continua produzindo, mas o alcance do seu trabalho para a populaçãobet365luma maneira geral diminui muito", ressalta o curador.

'Impotência'

O fechamento da VI Bienalbet365lJovensbet365lParis no MAM-RJ, conhecida como a Pré-Bienalbet365lParis, foi o primeirobet365ldiversos episódiosbet365lcensura e interdição que marcaram a carreirabet365lAntonio Manuel - que nasceubet365lPortugal, mas chegou ao Rio aos cinco anosbet365lidade.

O crescente inconformismo levou-o a inscrever "seu próprio corpo" como obra no Salão Nacionalbet365lArte Moderna do Rio,bet365l1970, novamente no MAM-RJ. Sua inscrição não foi aceita, mas ao se ver no vernissage, no meio do público e das outras obras, Manuel decidiu executar a sua.

"Pelo climabet365lexceção que a gente vivia, eu senti que os quadros, a escultura e o desenho não tinham mais uma forçabet365lcomunicação tão grande. Assim, pelo climabet365lexceção que a gente vivia, resolvi tirar a roupa toda dentro do museu. Fiquei nu, e completei a minha obra", relata.

A obra "Repressao outra vez"

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, A obra 'Repressão outra vez' (1968),bet365lAntonio Manuel, havia sido selecionada para a Bienalbet365lParisbet365l1969 e faria parte da VI Bienalbet365lJovensbet365lParis, no Museubet365lArte Moderna do Rio, antesbet365lir para a França. No dia previsto para a abertura, o MAM foi invadido por militares e a mostra foi impedidabet365lacontecer

Seu gesto foi descrito pelo crítico Mario Pedrosa como um "exercício experimentalbet365lliberdade", que se tornaria um importante conceito para a artebet365lcontestaçãobet365lsua geração.

Em 1973, viveu mais um episódiobet365ldesgosto, mais uma vez no MAM-RJ. Convidado para uma exposição individual, reuniu-se com a direção do museu para apresentar possíveis projetos. Uma a uma, elas foram sendo vetadas. Eram consideradas políticas demais e poderiam levar a novas retaliações do governo.

A exposição acabou sendo cancelada e as ideias foram organizadas por Manuelbet365lum encartebet365lseis páginas que conseguiu publicar como um suplemento no impresso O Jornal, que tinha circulação nacional.

Para a capa e a contracapa do encarte, Manuel se deixou fotografar nu, sentado dentrobet365lum ninho construídobet365lescala humana no meiobet365luma paisagembet365ldunas,bet365luma performancebet365lque "tentava botar um ovo", e que batizoubet365l"The Cock" ("o galo", na tradução formal, ou "o pênis", na gíria popularbet365linglês) - simbolizando o regimebet365lespera ebet365limpotência a que estava imposto.

Revista

Crédito, Arquivo Pessoal

Legenda da foto, Depoisbet365lter uma exposição cancelada no MAM por temorbet365lque provocasse retaliações do governo militar, Antonio Manuel organizou as propostas que tinha submetido à instituição neste suplemento

"Acho que as novas gerações não têm ideia do que foi o AI-5. Vimos teatros e exposições serem fechadas, filmes censurados, cineastas presos, artistas, militantes e estudantes serem presos e torturados. Foi realmente um anobet365lchumbo. Tudo isso tinha um reflexo muito grande no trabalho da gente, como artista e como humano. Criou-se uma revolta e um inconformismo muito grande", relembra.

Descontinuidade

Carlos Zílio diz que o AI-5 teve um efeito imediatobet365lfragmentação - com o exíliobet365lartistas, a repressãobet365lreuniões e atividades públicas e a impossibilidadebet365lrealizar projetos culturais coletivos.

"O ambiente se tornou absurdamente improdutivo", descreve. "Houve uma dispersão. Muitos artistas foram para fora do Brasil, como Antonio Dias, Hélio Oiticica, Lygia Clark, Rubens Gerchman. Toda a dinâmicabet365lprodução que vinha se desenvolvendo na arte, com novas características, se diluiu. Há uma dispersão e descontinuidade no processo cultural que vinha se desenrolando, uma ruptura na dinâmica. As consequências são difíceisbet365lavaliar", diz Zílio.

Para o curador-chefe do Instituto Tomie Ohtake, Paulo Miyada, a censura "ampla e irrestrita" impôs "silenciamentos" que atingiram a todos os campos da cultura, e essa violência ser sempre lembrada ao lado das violações físicas, como os casosbet365lmorte, tortura, prisão, exílio e desaparecimentos que ocorreram no país entre 1964 e 1985.

"É um clichê que não podemos deixarbet365lrepetir: um país sem memória está destinado a repetir o seu passado. Divulgar essa históriabet365lforma insistente é uma tarefa social fundamental", considera Miyada.

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