Como é feito o trabalhopoker preçoidentificar restos mortaispoker preçodesaparecidos na ditadura:poker preço

Aluísio Palhano

Crédito, Reprodução

Legenda da foto, Aluísio Palhano Pedreira Ferreira,poker preçofoto sem data nem autor conhecidos

O laboratório é especializadopoker preçoanálisespoker preçoDNApoker preçomateriais ósseos degradados epoker preçovítimas desaparecidaspoker preçocontextospoker preçoviolações dos direitos humanos, como no caso da ditadura militar brasileira (1964-85). O resultado da primeira leva foi a identificaçãopoker preçoDimas Casemiro, desaparecido havia 47 anos, anunciadapoker preçofevereiro deste ano.

"Quando houve a identificação do Dimas [Casemiro], a relação entre nossa equipe e os familiares se fortaleceu. Muitos deles encaravam a questão como uma causa perdida, mas depois da confirmação, a esperança reacendeu", conta Samuel Ferreira, coordenador científico do GTP, que atua há quatro anos.

O GTP foi criadopoker preço2014 pelo governo federal para organizar e identificar os restos mortais encontrados no cemitério paulistano. Foi a primeira vezpoker preçoquase duas décadas que uma equipe foi designada especialmente para a tarefa. O grupo é um dos frutos da Comissão Nacional da Verdade (CNV), instituída pela então presidente Dilma Rousseff (PT).

Trabalhospoker preçoreparação, justiçapoker preçotransição, direito à memória e à verdade foram intensificados após a condenação do Brasil na Corte Interamericanapoker preçoDireitos Humanos (CIDH)poker preço2011. Na sentença do chamado Caso Gomes Lund, o País foi condenado por negligenciar violações cometidas pelos militares durante o combate à guerrilha do Araguaia,poker preço1967 a 1974.

Pesquisadores

Crédito, Samuel Ferreira/Acervo pessoal

Legenda da foto, Grupopoker preçoTrabalhos Perus entrega amostras ósseas epoker preçosangue a laboratório estrangeiro

A vala comumpoker preçoPerus é o episódio mais conhecido dessa natureza no País. Segundo o relatório final da CNV, a prática foi replicadapoker preçoPernambuco, Pará e Riopoker preçoJaneiro, entre outras localidades.

As valas clandestinas são consideradas uma grave violação, pois o Estado brasileiro elaborou mecanismospoker preçodesaparecimento contra opositores sem prestar contas à sociedade. Pelo fato das vítimas não terem sido oficialmente localizadas, constitui-se um crimepoker preçonatureza permanente - ou seja, não prescreve.

"Como fizemos uma sistematização completa dos materiais, construímos um banco completopoker preçoinformações. Assim, podemos entender padrões das vítimas, como por exemplo a quantidadepoker preçohomens, mulheres, idosos ou crianças que estavam ali. Esse tipopoker preçoinformação é uma peça-chave para entendermos a violência daquele período", explica Ferreira, do GTP.

O que aconteceu a Aluísio Palhano?

Nascidopoker preçoPirajuí (SP), Palhano constituiupoker preçovidapoker preçoNiterói (RJ), onde se formoupoker preçodireito pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e morou com a família - era casado com Leda Pimenta Pedreira Ferreira, com quem teve dois filhos.

Presidente do Sindicato dos Bancários do Riopoker preçoJaneiro, liderou,poker preço1961, a greve geral da categoriapoker preçodefesapoker preçoaumento salarial e do 13º salário.

A intensa atuação no meio sindical levou à cassaçãopoker preçoseus direitos políticos logo após a decretação do Ato Institucional nº 1, que se seguiu ao golpe militarpoker preço1964. Naquele ano, asilou-se na Embaixada do México e,poker preçolá, partiu para Cuba. No início dos anos 1970, voltou ao país como integrante clandestino da VPR.

Segundo a Comissão Estadual da Verdade (CEV)poker preçoSão Paulo, Palhano foi preso e torturado nas dependências do DOI-CODI paulistano pela equipe do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustrapoker preçomaiopoker preço1971. Anos depois,poker preço1975, presos políticos denunciaram o assassinato do sindicalista, e o envolvimento do delegado da Polícia Civil Dirceu Gravina. Este, aliás, segue na ativa no órgãopoker preçosegurança paulista.

O sequestro, tortura e assassinatopoker preçoPalhano, oficialmente tratado como desaparecido, motivaram uma ação penal do Ministério Público Federalpoker preçoSão Paulopoker preço2012. A denúncia acusava Ustra e Gravina pelas violações, mas foi barrada pela Justiça brasileira sob o argumentopoker preçoprescrição dos crimes. O caso foi negado pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), e contou com o apoio da 5ª Turma do Superior Tribunalpoker preçoJustiça (STJ) - que eximiu os juízes do TRF3 da necessidadepoker preçoprestar esclarecimentos sobre a recusa.

Ustra e Gravina negarampoker preçodiversas ocasiões envolvimento com assassinatos e torturas durante a ditadura militar.

"O caso da vala clandestinapoker preçoPerus traduz exemplarmente o nívelpoker preçoviolações que foram realizadas, e essas descobertas contribuem para a pautapoker preçomemória,poker preçojustiça e Direitos Humanos no país. A cada identificação, a importância desse trabalhopoker preçoesclarecimento da história se fortalece", explica o coordenador-científico do Grupopoker preçoTrabalhopoker preçoPerus, Samuel Ferreira.

As origens da vala comum

A valapoker preçoPerus foi aberta durante a gestãopoker preçoPaulo Maluf na Prefeiturapoker preçoSão Paulo, no início dos anos 1970. O cemitério Dom Bosco foi planejado para abrigar desconhecidos e indigentes - tornando-se o lugar ideal para a ocultaçãopoker preçovítimas dos agentes da repressão.

O cemitério fica afastado da região central e não possui uma clara organizaçãopoker preçosuas sepulturas. Há uma estrutura labiríntica, sem marcas ou indicadores das valas. Além disso, foi criadopoker preçoum períodopoker preçointensa atuaçãopoker preçogrupospoker preçoextermínio na capital.

Estima-se que aqueles enterrados na vala foram mortos entre 1971 e 1975. Oficialmente, a sepultura clandestina foi abertapoker preço1976, e nela foram enterradas por voltapoker preço1.500 pessoas. Sabe-se da presençapoker preçomilitantes que foram torturados e assassinados, e há suspeitaspoker preçoque a maior parte das vítimas foram mortas por esquadrõespoker preçoextermínio.

Em 1973, os irmãos Alex e Iuri Xavier Pereira foram os primeiros a serem localizadospoker preçoPerus. Anos depois,poker preço1979, os militantes Fláviopoker preçoCarvalho Molina, Gelson Reicher e Luis Eurico Tejera Lisboa também foram localizados, igualmente por iniciativapoker preçofamiliares. Todos estavam enterradospoker preçovalas individuais sob nomes falsos, os mesmos usados na clandestinidade.

Laudo

Crédito, Reprodução

Legenda da foto, Laudopoker preçoidentificaçãopoker preçoDenis Casemiro por grupo liderado pelo legista Badan Palhares,poker preço1991

Após a redemocratização, uma brecha surgiu para tornar pública a existência da vala comum: tanto pelo conhecimentopoker preçofamiliares quanto pelo trabalho desenvolvido pelo jornalista Caco Barcellos, que havia descoberto laudospoker preçonecropsia falsificados durante a apuraçãopoker preçoseu livro Rota 66. Os laudos estavam marcados com símbolos para remeter à oposição política dos militantes - considerados terroristas.

"As fichas que continham o T [de 'terroristas'] remetiam aos laudos necroscópicos que também possuíam um Tpoker preçovermelho e tinham sempre o mesmo histórico da morte: tiroteios com ordempoker preçosegurança, após ordempoker preçoprisão", descreveu o jornalistapoker preçoartigopoker preço2001.

O episódio ganhou as manchetespoker preço1990, durante a gestãopoker preçoLuiza Erundina na prefeiturapoker preçoSão Paulo. Foi formada à época uma equipe especial, chefiada pelo médico-legista Badan Palhares, além da criação da CPIpoker preçoPerus, na Câmara Municipalpoker preçoSão Paulo. Dois nomes foram confirmados pela equipepoker preçoPalhares ainda no início dos anos 1990: ospoker preçoDenis Casemiro epoker preçoFrederico Eduardo Mayr.

Porém, logo após a eleiçãopoker preçoMaluf para a Prefeiturapoker preço1992, os trabalhos foram gradualmente deixadospoker preçolado. Dalipoker preçodiante, anospoker preçoidas e vindas, com as ossadas sendo transportadas entre universidades paulistas, como Unicamp e USP, sem respostas sobre o caso.

Desvendando o 'caminho burocrático da morte'

O grupopoker preçotrabalhopoker preçoPerus norteia suas atividades por uma listapoker preço40 nomespoker preçodesaparecidos políticos que podem ter sido mortos e enterrados clandestinamente no local. A lista é divididapoker preçoacordo com cinco grauspoker preçoprobabilidadepoker preçocada um estar ali.

A divisão se pautapoker preçoacordo com diversos fatores, como registro no controle geral do cemitério - normalmente, eram usados os nomes falsos das vítimas; laudos assinados pelos médicos-legistas Harry Shibata e Isaac Abramovic, envolvidospoker preçogrande parte dos relatórios que omitiram marcaspoker preçotortura ou indíciospoker preçoexecução. Os dois eram membros do alto escalão do Instituto Médico Legal paulista nos anos 1970.

O grupopoker preçotrabalho também usa informações sobre passagens dos desaparecidos por estruturas como DOI-CODI, DOPS ou outros recintos usados pela repressão. Foram analisados os registros do cemitério entre 1971 e 1980, e maispoker preço7.000 documentos da CPIpoker preçoPerus e do departamentopoker preçoMedicina Legal da Unicamp. A pesquisa serviu para esclarecer a participaçãopoker preçoagentes da repressãopoker preçodiferentes instâncias no desaparecimento e assassinatopoker preçomilitantes.

"Dizemos que a compreensão do 'caminho burocrático da morte' dentro do aparelho estatal nos ajuda a entender a origem das pessoas ali enterradas e também auxilia na busca por desaparecidos. É nesse estudo que identificamos laudos periciais malfeitos, incongruências que denunciam o descaso para com essas pessoas", explica Ana Paula Tauhyl, historiadora e arqueóloga do Grupopoker preçoTrabalhopoker preçoPerus.

Atualmente, constam dois nomes com mais chancespoker preçoidentificação: Francisco Josépoker preçoOliveira, mortopoker preço5poker preçonovembropoker preço1971 por agentes do DOI-CODIpoker preçoSão Paulo; e Grenaldopoker preçoJesus da Silva, mortopoker preço30poker preçomaiopoker preço1972 também por agentes do DOI-CODI, durante uma tentativapoker preçosequestropoker preçoum avião da Varig. O coordenador científico do grupo afirma, porém, que há grandes expectativaspoker preçoidentificaçãopoker preçooutros desaparecidos pelas análises do ICMP (comissão internacionalpoker preçopessoas desaparecidas).

Como as análises são feitas

Para coletar as amostras enviadas ao ICMP, o grupopoker preçoPerus percorreu uma longa jornada. Em parceria com a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), membros do GTP viajaram pelo Brasilpoker preçobuscapoker preçofamiliarespoker preçodesaparecidos políticos.

Ao todo, 80 pessoaspoker preço35 famílias doaram amostras sanguíneas e genéticas. As amostras fornecem o material necessário para a comparaçãopoker preçoDNA com os restos mortais da vala.

O grupo elabora relatórios sobre as característicaspoker preçocada ossada e reúne-se com um conselho que envolve representantes do governo epoker preçoespecialistas para apurar as informações; então, os materiais são enviados ao laboratório europeu.

O procedimento é um desafiopoker preçoantropologia forense, pois as maispoker preçomil ossadas estavam desorganizadas e mal conservadas. Nas décadaspoker preço1990 e 2000, os restos mortais deterioraram conforme eram transferidospoker preçouma instituição para outra.

"Abrimos cada caixa para identificar quantas ossadas ali estão; depois disso, as lavamos, para remoçãopoker preçofungos e outros detritos que podem inviabilizar a coleta (os fungos alimentam-sepoker preçocolágeno dos ossos, o material mais rico para a coletapoker preçoDNA); depois, analisamos a ossadapoker preçobuscapoker preçolesões, do sexo epoker preçooutras características determinantes parapoker preçoidentidade; por fim, fazemos cortes para obtençãopoker preçomaterial para análise genética", detalha Ana Paula Tauhyl.

Então, as amostras são analisadas pela equipe do ICMP por meiopoker preçosoftwares desenvolvidos especialmente para extensas comparaçõespoker preçomateriais degradados.

"Se associaçõespoker preçoDNA são encontradas, há um trabalho conjunto com o grupopoker preçoPerus para avaliar e integrar evidências, resultando, esperançosamente,poker preçoidentificações - e no tão esperado retorno dos desaparecidos aos familiares", declarou o diretorpoker preçoCiência e Tecnologia do ICMP, Thomas Parsons, no recebimento da primeira leva,poker preçomarçopoker preço2018.

Alémpoker preçocoletar amostras sanguíneas, o objetivo também foi auxiliar no trabalhopoker preçoreparação e direito à memória. Foi dada aos familiares a opçãopoker preçoacompanhar todo o processo, e cada caso é analisado isoladamente para garantir isonomia às vítimas. Na entrega da primeira leva, o coordenador-técnico do grupopoker preçoPerus foi acompanhadopoker preçoum representante das famílias, Helder Nasser - sobrinhopoker preçoEdgar Aquino Duarte, desaparecido há 45 anos.

"Os procedimentos periciais que realizamos seguem rígidos princípios técnicos, científicos, legais, éticos e humanitários. Esse conjuntopoker preçopráticas rendeu frutos, como a aproximaçãopoker preçofamiliares que estavam afastados e desesperançosos, que acreditarampoker preçonosso compromisso", complementa.

A primeira remessa analisada resultou na identificaçãopoker preçoDimas Casemiro, desaparecido oficialmente havia 47 anos. Em agostopoker preço2018, a família conseguiu sepultá-lo, no interiorpoker preçoSão Paulo. O coordenador-técnico do grupopoker preçoPerus informou à BBC News Brasil que outro envio está previsto para a segunda quinzenapoker preçodezembro, totalizando maispoker preço500 amostras.

'A incerteza das atividades é corriqueira'

As 250 amostras só puderam ser enviadas para a Europa por meiopoker preçoapoio parlamentar. A verba anual destinada pelo governo à Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, que supervisiona os trabalhospoker preçoPerus, girapoker preçotornopoker preçoR$200 mil - recurso que mal supre suas tarefas mais básicas. Por ano, o orçamento anual da comissão precisa do repassepoker preçoemendaspoker preçocongressistas para ser composto.

"Em geral, precisamospoker preçoalgo como R$ 1,5 milhão para manutençãopoker preçoequipe e das atividades conduzidas - como o Grupopoker preçoTrabalhopoker preçoPerus, alémpoker preçoprofissionais que investigam violações e desaparecimentos no Riopoker preçoJaneiro e também no Norte, por conta da guerrilha do Araguaia", explica a procuradora da República e presidente da comissão, Eugênia Augusta Gonzaga.

Boa parte dos recursos entre 2017 e 2018 foram garantidos por meiopoker preçorepasses feitos pela deputada Luiza Erundina (PSOL-SP). Mas há obstáculos políticos e financeiros.

Em 2017, houve suspensão temporária do enviopoker preçoverbas para o Centropoker preçoPesquisapoker preçoAntropologia e Arqueologia Forense (CAAF), criado para a análise das ossadaspoker preçoPerus na Universidade Federalpoker preçoSão Paulo (Unifesp).

A comissão especial também teve problemas com repasses. "A incerteza quanto às nossas atividades é corriqueira. É possível que o Executivo atue para nos desmobilizar. Mas a existência e a dotação orçamentária da comissão são garantidas por lei, a mesma que criou a comissão durantepoker preço1995. Então, se quiserem encerrar nossas atividades, precisarão revogar a lei", conclui Gonzaga.

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