As escritoras que tiverambrazino apostausar pseudônimos masculinos – e agora serão lidas com seus nomes verdadeiros:brazino aposta
George Sand era a francesa Amantine Dupin, uma das autoras mais prolíficasbrazino apostasua época. Ela escrevia contosbrazino apostaamor ebrazino apostadiferençasbrazino apostaclasse, criticando as normas sociais. E também escreveu textos políticos e peças, que encenavabrazino apostaum teatro particular.
"Naquela época, uma mulher que tinha atividade intelectual estava cometendo uma transgressão enorme", disse à BBC Brasil Sandra Vasconcelos, professora titularbrazino apostaLiteratura Inglesa e Comparada da Universidadebrazino apostaSão Paulo (USP).
"As que ousavam publicar usando seus próprios nomes recebiam muitas críticas, porque estavam extrapolando o papel designado para elas. A maioria acaba usando pseudônimo porque não quer se expor publicamente."
Agora, um projeto brasileiro da empresa HP e ebrazino apostauma agênciabrazino apostapublicidade quer estimular a leitura dessas ebrazino apostaoutras autoras com novas capas, que mostram seus nomes reais.
"Queríamos reimprimir a História, que, por diversos motivos, não trataram bem essas autoras", disse à BBC Brasil Keka Morelle, a diretorabrazino apostacriação do projeto OriginalWriters (Escritoras originais,brazino apostatradução livre).
Os livros das autoras do século 19 e do início do século 20, principalmente europeias, já estavam disponíveis no site Gutenberg Project - um projeto que oferece, gratuitamente, maisbrazino aposta50 mil obrasbrazino apostadomínio público.
Mas a empresa decidiu fazer novas capas, que possibilitassem aos leitores conhecer a identidade realbrazino apostasuas autoras. Segundo Marcelo Rosa, produtorbrazino apostaconteúdo do projeto, o plano ainda inclui a tradução dessas obras parabrazino apostapublicaçãobrazino apostaportuguês - atualmente, elas estãobrazino apostaseus idiomas originais.
Há, ainda, a busca por brasileiras que tenham feito o mesmo e que possam ter seus livros disponibilizados gratuitamente.
'Escrito por uma dama'
Durante os séculos 18 e 19, diz Vasconcelos, cristalizou-se o papel da mulher como primordialmente mãe e esposa dentro da família burguesa.
"A esposa era a responsável pelo mundo doméstico, da porta da casa para dentro. Muitas delas não tinham sequer acesso à educação formal. E toda mulher que tinha algum tipobrazino apostaambição para além disso era um ponto fora da curva."
Mulheres que desejavam se tornar escritorasbrazino apostaromances publicavam com pseudônimos ou mesmo anonimamente, a partir do século 18. A mais famosa delas é a inglesa Jane Austen. A capabrazino apostaseu primeiro romance, Orgulho e Preconceito, diz apenas: "Um romance. Em três partes. Escrito por uma dama."
Austen, na verdade, não publicou nenhum romance assinadobrazino apostavida. Os seus livros seguintes eram creditados à "mesma autora" dos anteriores.
Mas, no século 19, mesmo publicar anonimamente ficou menos comum.
"Escrever se tornou profissão e os romances se tornaram mais respeitados como gênero. A partir daí, ficou mais difícil para as mulheres terem autoridade cultural para assinar livrosbrazino apostaficção", disse à BBC Brasil Sue Lanser, professorabrazino apostaInglês, Literatura Comparada e Estudos sobre Mulheres, Gênero e Sexualidade da Universidade Brandeis, nos Estados Unidos.
"A história ocidental é principalmentebrazino apostaautoridade masculina. Por isso as mulheres começaram a usar nomes ambíguos ou diretamente masculinos. Elas estavam tentando se autorizar."
Foi o que fizeram as irmãs britânicas Charlotte, Emily and Anne Brontë (Emily é autorabrazino apostaO Morro dos Ventos Uivantes e Charlotte, do romance Jane Eyre), que publicaram seus livros como Currer, Ellis e Acton Bell.
A prática continuou com força até o início do século 20 - mesmo quando as escritorasbrazino apostaquestão eram mulheres intelectuais,brazino apostafamílias da alta classe e bem conectadas, como a francesa Amantine Dupin.
Entre seus amigos famosos, estavam os escritores Gustave Flaubert (autorbrazino apostaMadame Bovary) e Honorébrazino apostaBalzac (autorbrazino apostaA Comédia Humana), ambos seus admiradores e defensores. Mesmo assim, ela permaneceu como George Sand no mundo literário.
O escritor russo Ivan Turgenev chegou a dizer: "que homem corajoso ela foi, e que boa mulher". Na vida social, Dupin causava polêmicabrazino apostaParis por usar roupas masculinas, fumarbrazino apostapúblico e ter casos amorosos frequentes - coisas proibidas a uma mulher da época.
No Brasil, muitas escritoras também usaram o recurso do pseudônimo ou do livro anônimo pelos mesmos motivos, segundo a professorabrazino apostaliteratura brasileira da Universidade Federalbrazino apostaMinas Gerais (UFMG) Constância Lima Duarte.
"Claro que o círculo mais próximo (da escritora) sabia do que se tratava. Mas elas faziam isso para se proteger da opinião pública. Os homens também chegaram a fazer isso, mas por motivos mais subjetivos", disse à BBC Brasil.
A maioria destas escritoras, no entanto, apenas começa a ser descoberta, segundo Duarte. Uma delas é Maria Firmina dos Reis, autora do romance Úrsula (1859), considerado por alguns historiadores como o primeiro romance abolicionista da literatura brasileira. Sua assinatura, no entanto, dizia apenas "uma maranhense".
Em 1887, na Bahia, o livro As Mulheres: Um protesto por uma mãe denuncia o "diminuto mercadobrazino apostatrabalho que era reservado às mulheres, a absurda diferença salarial entre homens e mulheres e a valorização excessiva das funções reservadas aos homens", explica a pesquisadora.
"É um livro importantíssimo, mas ela se escondeu tão bem que ninguém descobriu depois quem teria sido essa escritora."
Libertação das restrições sociais
De acordo com Lanser, a "sensaçãobrazino apostaliberdade" também era um fator que levava escritoras a publicar com pseudônimos.
"Havia muitas restrições e expectativas sociaisbrazino apostarelação às mulheres - sobre a maneira como elas deveriam escrever e os assuntos sobre os quais elas poderiam falar. E também era muito comum que críticos e leitores presumissem que seus livros eram sempre autobiográficos", explica.
"Por isso, se houvesse qualquer elemento sexual questionável nos romances, ou considerado pouco apropriado para uma dama da sociedade, elas seriam julgadas. O pseudônimo era também uma maneirabrazino apostaproteger a vida pessoal."
Mas segundo a pesquisadora, o fenômeno não desapareceu completamente. Já no início do século 20, a franco-britânica Violet Paget manteve seus escritos - que iam desde livros sobre viagem e música até contos sobrenaturais, críticasbrazino apostaarte, ensaios sobre liberalismo e romances - sob o pseudônimobrazino apostaVernon Lee, talvez também para evitar comentários sobrebrazino apostahomossexualidade.
E nos anos 1990, a escritora britânica J.K. Rowling escondeu seu primeiro nome, Joanne, por sugestão da empresa que publicoubrazino apostaobra. Em entrevistas concedidas depois do sucesso mundialbrazino apostasua sériebrazino apostalivros Harry Potter, ela disse ter ouvidobrazino apostaseu editor que o uso dos primeiros nomes abreviados, que deixavam a assinatura mais ambígua, facilitaria que os livros fossem lidos por meninos.
Para escapar das expectativasbrazino apostatornobrazino apostaseu primeiro romance policial, Rowling também escolheu um pseudônimo masculino, Robert Galbraith. Não demorou muito, no entanto, para que ela fosse descoberta. O livro havia vendido pouco, mas recebeu críticas tão positivas que levantou suspeitasbrazino apostaque não fosse um romancebrazino apostaestreiabrazino apostaum novo autor.
Depois da revelação, uma primeira edição assinada da obra chegou a ser vendida por maisbrazino apostaR$ 13 mil.
Foi o contrário do que aconteceu George Eliot, ou Mary Ann Evans, nos anos 1860. A pesquisadora Sue Lanser conta que, quandobrazino apostaidentidadebrazino apostamulher foi revelada, após a publicaçãobrazino apostaseu primeiro romance, um jornalbrazino apostacrítica literária revisou a crítica que havia feito do livro. A primeira era elogiosa. A segunda, bastante negativa.
"Isso ainda é comum no mundo acadêmico, nas ciências. Há um viés a favor da autoridade masculina no conhecimento. É um viés que às vezes é implícito, inconsciente. Achamos que isso mudou, mas, na verdade, não mudou tanto assim", afirma Lanser.
Em 2015, a escritora americana Catherine Nichols fez a experiênciabrazino apostaenviar um manuscrito seu para agentes literários sob um pseudônimo masculino e surpreendeu-se com o númerobrazino apostarespostas que teve. Quando mandou o mesmo material usando seu nome, dias antes, teve duas respostas positivasbrazino aposta50 tentativas. Com o nome masculino e o mesmo material, teve 17brazino aposta50.
Levantamentos da organização americana VIDA - Women in Literary Arts mostram que livros escritos por mulheres ainda são menos revisados por críticosbrazino apostarevistas literárias do que os escritos por homens. E ensaios escritos por mulheres são menos publicados nestas revistas especializadas.
'Literatura para homens' x 'Literatura para mulheres'
Além disso, o fenômeno da segmentaçãobrazino apostamercado entre "literatura para mulheres" e "literatura para homens" também é algo recente e contribui para que escritoras que querem ultrapassar a expectativabrazino apostapúblico para seus livros mudem seus nomes, como no casobrazino apostaJ.K. Rowling e Harry Potter.
"Quando o romancebrazino apostaficção surge, os homens também liam. Tanto que grande parte dos comentários sobre os romances feitos nos jornais era feito por homens. E alguns dos maiores romances com protagonistas mulheres sãobrazino apostaescritores homens. Não havia essa diferença, todos liam tudo", relembra Sandra Vasconcelos.
"Hoje, os editores interferem bastante na vida dos livros e dos autores tomando decisões que têm essa suposta segmentaçãobrazino apostamercado como justificativa."
Lanser também concorda que o fenômeno é moderno. "Agora existe uma dicotomia maiorbrazino apostatermosbrazino apostagênero e práticasbrazino apostaleitura. Desde que Jane Austen, por exemplo, se tornou popular, só nos últimos 20 anos é que os homens pararambrazino apostalê-la e não querem mais ter aulas sobre ela", afirma.
"Pesquisadores ainda leem, mas o estudante universitário médio não lê e diz que é 'chick lit' (literaturabrazino apostamulherzinha,brazino apostatradução livre, uma gíria depreciativa). Muitos colegas meus têm a mesma experiência. Uma das maiores autoras da língua inglesa foi reduzida na mente das pessoas a uma 'autorabrazino apostaromances', mas ela está falando da sociedade, e escreve até mais sobre dinheiro do que sobre amor, se você olhar bem."
Além disso, diz Lanser, é "absurdo" que se considere, no século 21, que histórias sobre mulheres, especialmente se têm algum tipobrazino apostahistóriabrazino apostaamor no enredo, sejam automaticamente consideradas "literatura menor" e "só para mulheres".
'Não podemos mudar a história'
Mas se o projeto da HP diz ter a intençãobrazino aposta"reimprimir a História" dessas escritoras usando seus próprios nomes, a pesquisadora americana alerta que é preciso tomar cuidado com a ideia.
"Nem todas essas mulheres queriam apenas se proteger com o pseudônimo. Algumas estavam tentando habitar outras identidades. Talvez Mary Ann Evans ou Violet Paget se sentissem,brazino apostafato, George Eliot e Vernon Lee quando escreviam", afirma.
Lanser diz que acha boa a ideiabrazino apostatornar os livros e as identidadesbrazino apostasuas autoras conhecidos a um público novo, mas que é importante manter os nomes com os quais elas publicaram suas obras originalmente.
"Mesmo que algumas delas tivessem tentando se esconder, precisamos também mostrar o nosso passado, não podemos mudá-lo. Não dá pra mudar a História e transformá-labrazino apostaalgo que gostaríamos que fosse."
"Acho que mostrar os dois nomes é também uma formabrazino apostahonrar a trajetória dessas mulheres."