A baiana que dá aulasbet telegramnatação na praia a quem não pode pagar:bet telegram
Pagando ou não a mensalidade, todos os integrantes da escola ganham da professora, diariamente, um café da manhã na areia da praia, com frutas, pães e suco. Aos sábados, a variedade é maior. Se alguém faz aniversário, ganha bolo, cachorro quente e salgados.
Rotina intensa
A escola também organiza viagens para provasbet telegrammaratona aquática, especialmente a Travessia dos Fortes e a Rei e Rainha do Mar, ambas no Riobet telegramJaneiro. Também neste caso, os alunos que podem arcam com seus custosbet telegraminscrição, passagens, hospedagem e alimentação. Para os que não conseguem, entra Peixinho.
"Ela é uma dessas pessoas que a gente encontra no Brasil e que deveria ser um espelho, como professorabet telegramnatação e como educadora física. Ela se sacrifica, se dedica ao coletivo. Nós só podemos aplaudir", afirma Luiz Lima, ex-nadador profissional com participaçãobet telegramduas olimpíadas, Atlanta 1996 e Sydney 2000.
Organizador da prova Rei e Rainha do Mar, Lima também mantém um projeto social com natação no Riobet telegramJaneiro. Para ele, o trabalhobet telegramPeixinho tem o méritobet telegramser "democrático nas duas pontas".
"Não é só assistência social. Ela usa a natação para formar cidadãos e ainda dá a oportunidade a quem quiser progredir enquanto atleta, botando pra competir", observa.
Para conseguir bancar os custos das aulas, dos materiais e das viagens dos alunos - e pagar as próprias contas - Peixinho dispõebet telegramum leque variadobet telegramrendas, cujos valores prefere não revelar.
Além das mensalidadesbet telegramquem paga pela natação na praia, ela dá aulas na piscinabet telegramum condomínio próximo ao Porto, realiza recreaçãobet telegramfestas infantis e faz sessõesbet telegrammassagem watsu, uma técnicabet telegramrelaxamento executada, é claro, na água. Seus dias, entretanto, são prioritariamente no Porto, onde dá aulasbet telegrammanhã, pela tarde e à noite.
"Ela não descansa, não tem férias nem folga. Desce pra praia no sol, na chuva, com trovoada, desce até com dorbet telegramdente. Só tem dois dias do ano que ela não dá aula: Natal e 1ºbet telegramjaneiro, que é o aniversário dela. Mesmo assim, não duvido que ela desça se aparecer um aluno", diz Priscila Jatobá, que nada com Peixinho há 10 anos e hoje auxilia na gestão da escola.
Família
Ela tem duas justificativas pessoais parabet telegramdedicação. De um lado, sente que tem obrigaçãobet telegrampassar para os alunos aquilo que recebeu dos seus professores ao longo da vida.
A segunda razão ela revelabet telegrammeio a um emocionado pranto: "Nunca tive afeto na minha família. Fui abusada por meu pai, minha mãe não me dava carinho e fui me afastando dos meus irmãos. Eu sempre sofri com essa carência e tento dar aos meus alunos aquilo que sempre quis ter".
Entre alunos e ex-alunosbet telegramPeixinho, a ideiabet telegramfamília é recorrente.
"Tia Peixinho é como uma mãe pra mim. A gente nunca teve patrocínio, mas nunca deixoubet telegramcompetir ebet telegramviajar. A gente vendia rifa pra ajudar a pagar tudo", conta Jardelbet telegramSouza,bet telegram21 anos, nadando há 15 com Peixinho sem nunca ter pago mensalidade. Para ele, a natação virou sustento. Hoje, Jardel é salva-vidas num resort no Litoral Norte da Bahia.
Outra que vê uma mãe na professora é Kátia Fernanda,bet telegram37 anos, conhecida na praia como Katinha. Há 12 anos, ela sofrebet telegraminsuficiência renal e faz hemodiálise três vezes por semana. Em 2011, foi contemplada na filabet telegramtransplantesbet telegramrim, mas seu corpo rejeitou o órgão.
"Eu nem sei como estaria hoje sem a natação. É o que me dá força pra não desistirbet telegramlutar pela minha saúde. E eu sou grata a Peixinho por me aceitar do jeito que sou", diz a aluna, integrante da escola há 10 anos, também sem custos.
Contrariando os prognósticos médicos, Katinha já participoubet telegramprovasbet telegram1 km no mar. "É uma emoção muito grande ir se aproximando da praia e bater na faixabet telegramchegada. É inesquecível", descreve ela, que dá aulasbet telegramreforço escolar.
Já o operadorbet telegramlogística Ricardo Sales,bet telegram37 anos, até seis meses atrás não sabia nadar e, confessa, tinha medo do mar. Como levava o filho Caio,bet telegram13 anos, para as aulas com Peixinho, Ricardo também ganhou atenção da professora.
Em pouco tempo, venceu o medo. Em janeiro, nadou 3 km, parte delesbet telegrammar aberto. "Hoje eu sinto orgulhobet telegrammim mesmo e a ajuda dela foi essencial. Nadar com Peixinho é uma terapia". Detalhe: com a natação, Ricardo perdeu 20 quilos.
"Aqui a gente encontra uma diversidadebet telegramníveisbet telegramnadadores e também uma diversidade social que jamais veria num clube. Peixinho junta todo mundo, experiente ou iniciante, profissional liberal, empresário ou gente que não trabalha. O que ela faz é um capítulo a parte", diz o aluno Eron Garciabet telegramSantana,bet telegram52 anos, médico anestesista.
Na natação, ele tem a companhia da esposa Ana Valéria, também médica.
Trajetória
Sulamita começou a se tornar Peixinho muito cedo. Nascida no apartamentobet telegramque mora até hoje, suas primeiras lembranças remetem ao Porto da Barra.
"Com 4 anos, eu estava nas pedras e uma tia começou a se afogar. Eu entrei com uma boia dessasbet telegramcâmarabet telegrampneubet telegramcaminhão e trouxe ela pra areia", conta.
Então, começou a nadar num clube perto dali, que já nem existe mais. Pequena, magra e veloz, foi apelidadabet telegram"pititinga" pelo primeiro treinador. Mas, aos 5 anos, mudoubet telegramclube,bet telegramtreinador ebet telegramapelido. Na primeira competição nacional, ganhou duas medalhasbet telegramouro. Virou Peixinho.
"Conheço Peixinho desde que ela era um peixinho mesmo, pequeninha, solta nessa praia", diz o auditor fiscal aposentado Luiz Eládio Humbert, o Lalado,bet telegram72 anos.
Hoje, ele faz questãobet telegramlevar a neta Maria Júlia,bet telegram1 ano e 8 meses, para as aulas com a professora. "Maju começou com 7 meses. Com Peixinho, entrego sem medo".
Peixinho rememorabet telegramtrajetória como competidora atravésbet telegramrecortesbet telegramjornal e fotografias que guarda numa mala. Foram muitas medalhas e recordes, dos quais ela lembra sem modéstia e com alguma mágoa. "Fui a melhor nadadora da Bahia, mas não tinha nome nem apoio da família."
Aos 14 anos, começou a se afastar das competições e, aos 18, virou assistente das aulasbet telegramnatação infantilbet telegramum clube. "Foi quando descobri o que queria ser: professora. Pra mim, meus alunos são como meus filhos."
Nos anos seguintes, Peixinho passou por quase todos os clubes e academias da capital baiana, à frentebet telegramescolinhasbet telegramnatação ou comandando equipes competitivas. Aos 32, depoisbet telegramidas e vindas, concluiu o cursobet telegramEducação Física.
Em 2001, virou sóciabet telegramum espaçobet telegramnatação. Ali, uma mulher chegou com o filho - que tinha paralisia cerebral - e afirmou não ter dinheiro para as mensalidades do garoto. "Eu queria botar a criança na água, mas meu sócio não aceitou. Em um mês, saí da sociedade no prejuízo, mas não dava pra mim."
Adepta do candomblé e filhabet telegramIemanjá, Peixinho afirma lembrar do momentobet telegramque definiu seu destino. "Cheguei aqui no Porto e fiquei pensando, meditando. Foi como se minha mãe Iemanjá me dissesse: façabet telegramescola aqui."
Desde então, são 17 anos sem férias, masbet telegramboas histórias. Sem precisão na contagem, ela estima que maisbet telegram2 mil pessoas já passaram por suas aulas na praia, sempre com uma médiabet telegram70%bet telegramgratuidade.
"Não tem nada a ver com dinheiro. Muitas vezes eu fico endividada, outro dia estava com R$ 12 mil negativo no banco, mas o dinheiro volta, os alunos que podem ajudam e assim a gente segue. Minha maior conquista é ver meus alunos felizes", define.
Mar Grande
Uma das iniciativas mais ousadasbet telegramPeixinho foi ter realizado cinco edições independentes da travessia Mar Grande-Salvador, uma das provasbet telegramáguas abertas mais tradicionais do país.
Desde 1955, uma vez por ano, nadadores rompem a braçadas os 12 km da Baíabet telegramTodos os Santos, entre Mar Grande, na Ilhabet telegramItaparica, e o Porto da Barra,bet telegramSalvador. Para isso, contudo, precisam desembolsar uma quantia salgadabet telegramcada uma das etapasbet telegramclassificação e com a taxabet telegramfederação.
Como a maioriabet telegramseus alunos não tem como arcar com os custos - e os organizadores, segundo ela, não chegaram a se sensibilizar com os pedidosbet telegramgratuidades - ela resolveu fazerbet telegramprópria travessia, batizadabet telegramMar Grande-Salvador Sem Compromisso, quebet telegramjaneiro deste ano chegou à quinta edição, com 19 alunos nadando os 12 km e maisbet telegram20 completando distâncias menores.
Diego Albuquerque, presidente da Federação Baianabet telegramDesportos Aquáticos (FBDA), que organiza a prova oficial, elogia o trabalhobet telegramPeixinho e afirma desconhecer a solicitaçãobet telegramcortesias, mas coloca a entidade à disposição da professora para conversas futuras.
Quem participou da prova Sem Compromisso este ano foi Allan do Carmo, baiano que esteve nos Jogos Olímpicos do Rio 2016 e que já venceu a Mar Grande oficial seis vezes.
"Esse ano pude participar e foi um prazer, especialmente por nadar ao lado dos nadadores do projeto dela. Ela faz um trabalho social importante, traz para a maratona aquática pessoasbet telegramcomunidades carentes, pessoas que não têm oportunidadebet telegramnadar outras provas", diz.
Ter a presençabet telegramum atleta olímpico na prova é simbólico para incentivar jovens como Pilar Rodrigues,bet telegram13 anos, apontada por Peixinho como a próxima baiana a despontar nas maratonas aquáticas. Ela também completou os 12 quilômetros da travessia Sem Compromisso.
"Com tia Peixinho, o treino é sempre especial. Aqui é como ter uma segunda família. Ela cobra muito, mas também é carinhosa. Eu me sinto muito preparada para as competições", afirma a garota, que tem a companhia da mãe nos treinos no mar.
Dores
É nesta família e no filho Leonardo,bet telegram30 anos, que Peixinho encontra apoio para suportar as dores que carrega - e que muita gente não vê.
Há cinco anos, ela descobriu nove miomas e um nódulo no útero. Nunca fez exames para investigar se o nódulo era (ou é) um tumor cancerígeno e, como se recusa a tomar medicamentos para abrandar as fortes cólicas que afirma sentir, buscou se tratar com cirurgias espirituais.
De um totalbet telegram12 sessões, já teve nove encontros com um médium que diz manifestar o espírito do médico alemão Dr. Fritz. "A energia lá é muito forte. Não sei se vai me curar, só sei que saiobet telegramlá renovada. E não tenho nenhum medo da morte. Meu único medo é a solidão", entrega.
No dia a dia, a professora ainda lida com a audição restrita, apenas do ouvido esquerdo, pois o tímpano direito estourou há 12 anos, quando uma bombabet telegrampesca explodiu perto dela no mar. Para ver, conta somente com o olho direito, pois um acidente lhe tomou a visão do outro olho há 25 anos.
"Mesmo assim, a visão dela é incrível. Ela conta quantas toucas entram no mar e enxerga a praia toda", diz Katinha.
Sua simplicidade se transporta para seu apartamento,bet telegramfrente à praia. Não há TV e quase não há móveis. Ali, a prioridade no espaço é dos cães Teodoro e Boneca.
Reformas feitas no passar dos anos nunca tiveram acabamento. E isso não chega a ser um problema -bet telegramcada marca disformebet telegramcimento sem reboco ela consegue ver uma imagem que representa algo marcante embet telegramtrajetória.
A sala exibe um altar sincrético, com orixás unidos a santos católicos e uma bíblia. Junto a este santuário, Peixinho deita-se no chão e faz seus pedidos.
Se não convém revelar os pedidos, seus principais sonhos ela deixa escapar: ganhar uma boa festabet telegramaniversário e realizar, a nado, a travessiabet telegram34 km do Canal da Mancha, entre França e Inglaterra.