‘Como me tornei amigo do homem que me torturou quando éramos crianças-soldado’:betnacional da bônus

Ayik Chut e Anyang Reng
Legenda da foto, Ayik Chut (à esquerda) foi torturado quando tinha 13 anos por Anyang Reng (direita), durante a guerra civil do Sudão. Hoje são amigos e moram na Austrália |Fonte: Temucin Mustafa

betnacional da bônus Uma relaçãobetnacional da bônusviolência e dominância se transformou, anos mais tarde,betnacional da bônusamizade. Ayik Chut foi torturado quando tinha 13 anos por Anyang Reng, que também era uma criança, durante a guerra civil do Sudão. Maisbetnacional da bônusdez anos depois, longe das armas e da guerra, os dois se reencontraram.

Tudo começu na décadabetnacional da bônus1980. Ayik Chut tinha 13 anos quando se tornou uma criança-soldado. Ele decidiu se juntar ao Exército Popularbetnacional da bônusLibertação do Sudão, depois que seu pai, irmão e avó foram mortos.

Enviado a um campobetnacional da bônustreinamento na Etiópia, ele foi submetido a um duro treinamento militar. "Nós subíamos as montanhas da Etiópia e, mesmo com sede, não podíamos tomar água. Usávamos pedras para cortar árvores. Éramos treinados todos os dias", conta.

"Tínhamos que fazer o que o chefe mandava. Éramos acordados quatro ou cinco da manhã e empunhávamos galhos como se fossem armas. Só comíamosbetnacional da bônusmanhã. Comíamos milho ou arroz. Fazíamos nossa própria sopa e pegávamos folhasbetnacional da bônusárvores."

Depoisbetnacional da bônusum tempo, os galhos foram substituídos por armasbetnacional da bônusverdade. "Você tinha que lutar. Fui atacado muitas vezes e vi nosso povo morrer."

As punições dentro do próprio campobetnacional da bônustreinamento eram, muitas vezes, tão ruins quanto o pesadelo dos combates. As crianças-soldado eram enviadas para uma prisão dentro do campo, cujo encarregado era um menino chamado Anyang Reng. Junto com outros soldados jovens, ele torturava os prisioneiros.

"Às vezes você tinha que ficarbetnacional da bônuspé, num pé só, e toda vez que você colocava o pé no chão, você tinha quatro pessoas ao seu redor que te batiam. Às vezes te amarravam e você ficava seis, sete horas preso", relatou.

"A pele ficavabetnacional da bônuscarne viva e ele (Anyang) colocava pimenta na ferida. Ele fez isso com outra criança-soldado do meu lado. Colocou pimenta na ferida, e o menino ficou preso por muito tempo. Os médicos não puderam fazer mais nada. Tiveram que amputar."

O torturador, Anyang, também era um adolescente, apenas alguns anos mais velho que seu prisioneiro.

"Ele era maior que eu e tinha o poder. Eu costumava rezar para guerrear com ele. Eu queria matá-lo. Ninguém tinha me feito passar pelo que ele me fez passar. Ninguém me bateu como ele", confidencia Aik.

Aik tentou fugir várias vezes, mas sempre era capturado e punido por Anyang. Quando terminou o treinamento, foi enviado para a guerra. Ficou na linhabetnacional da bônusfrente por quatro anos até que a irmã mais velha conseguiu resgatá-lo e levar para um campobetnacional da bônusrefugiados no Quênia. Após um tempo, a família conseguiu um visto para viver na Austrália.

Aik diz que gosta da Austrália pela tranquilidade e segurançabetnacional da bônusviver longe da violência da guerra.

"É bom que você consegue dormir sem ouvir tiros. A primeira vez que eu ouvi fogosbetnacional da bônusartifício, tendo sido uma criança-soldado, eu me perguntei: `O que é isso?'. Agora, provavelmente quando eu ouvir fogosbetnacional da bônusartifício vou achar que são fogosbetnacional da bônusartifício mesmo, não tiros."

Tanquebetnacional da bônusguerra
Legenda da foto, Ayik Chut e Anyang Reng eram crianças-soldado recrutados na décadabetnacional da bônus1980, durante a guerra civil do Sudão

Reencontro difícil

Quando já estava morando na Austrália, Aik reencontrou um rosto do passado. "Há alguns anos eu fui para a igreja. Acho que era um casamento. No final, eu olhei para a direita e vi esse rosto. Percebi que o rosto que eu estava olhando era Anyang."

Raiva e mágoa foram os primeiros sentimentos que vieram à tona. "Esse era o cara que toda a vez que a gente fugia ele mandava os guardas atrás. Pensei primeiro, 'tenho que matá-lo'. Mas aí eu pensei, 'ele está na igreja, eu estoubetnacional da bônusAustrália. Se eu matar, vou ficar preso para o resto da vida'. E eu nunca mais voltei àquela igreja."

Ele admite que, se estive na África, talvez levasse a cabo o planobetnacional da bônusassassinar o ex-torturador. "Eu estava com muita raiva, eu queria matá-lo e não sabia como fazer isso. Se eu estivesse na África, seria diferente."

Dois anos depois do primeiro encontro, Aik e Anyang se reencontraram numa festabetnacional da bônusum amigobetnacional da bônuscomum. "Eu disse: 'Oi, você se lembrabetnacional da bônusmim?'. Ele falou: 'Sim, eu me lembro'. E eu disse: 'Você teve sorte. A Austrália salvoubetnacional da bônusvida'".

Anyang se lembra que ficou com medobetnacional da bônusAik quando o viu se aproximar, na festa. "Não foi um encontro bom. Quando ele estava indo na minha direção, ele estava com muita raiva. Eu saíbetnacional da bônusperto."

Mas Aik não conseguia tirar o breve diálogo da cabeça, nem se livrar das memórias dolorosas do passado.

Um dia ele se deparou com uma propagandabetnacional da bônusum projeto da redebetnacional da bônustelevisão norte-americana SBS chamado "Look me in the Eye ('Olhe nos meus olhos'), que tenta reunir pessoas que tiveram grandes divergências, para que resolvam as diferenças por meiobetnacional da bônusuma técnicabetnacional da bônusmediação que consistebetnacional da bônusencarar ao outro, sem falar.

Ayik se registrou e foi chamado a participar do show. "Eu estava sentado lá quando ouvi passos. A pessoa sentou na minha frente. Eu tive que olhar nos olhos dele. E aí as lágrimas começaram a cair", relata.

Menino atrásbetnacional da bônusarame farpado

Crédito, REUTERS

Legenda da foto, Aik foi enviado para a guerra, após o treinamento militar. Ele ficou na linhabetnacional da bônusfrente por quatro anos até que a irmã mais velha conseguiu resgatá-lo e levar para um campobetnacional da bônusrefugiados no Quênia. Foto: Goran Tomasevic

"Eu voltei para quando eu tinha 13 anos. E tudo o que eu lembrava era aquele rosto da pessoa que me batia. Eu não vi nenhuma mudança."

Do lado oposto, Anyang tremiabetnacional da bônusinsegurança. "Eu não sabia que reação ele teria. E, no início, a reação dele foi ruim. Ele estava chorando e eu estava com medobetnacional da bônusque fizesse algo contra mim."

O ex-torturador disse que se sentia mal pelo que fez com Aik. "Eu lamentava o que eu tinha feito. Mas eu não fiz intencionalmente. Era a ordem que tinham me dado. Se meus chefes mandavam, eu tinha que fazer", justificou.

"Eu pedi a ele desculpas. Eu disse que sabia que era errado, mas era meu chefe que tinha mandado."

Aik resolveu perdoar Anyang. "Eu considerei que talvez ele tinha seus próprios problemas. Mas achava que ele tinha que fazer algum tratamento. Ele nunca tinha feito tratamento", disse.

"Eu o perdoo. Ele tem dois netos. Eu tenho um menininho e eu amo muito o meu filho. E eu imagino a mesma coisa do Anyang, o quanto ele ama seus filhos e netos."

Do perdão para a amizade

A relação entre os dois não parou por ali. Eles passaram a conviver mais e se tornaram grandes amigos.

"Depois que eu o perdoei, ficamos amigos. Eu vou na casa dele, eu durmo lá. Toda vez que eu vou dormir lá, ele não me deixa dormir no sofá, ele me cede a cama. Se eu tiver qualquer problema, ele vai me defender e eu vou defendê-lo", afirma Aik.

As memórias da guerra, a ausênciabetnacional da bônusuma infância e adolescências normais e o tempo que passou longe da família ainda pesam para Aik. O fatobetnacional da bônusAnyang ter vivido algo semelhante como criança-soldado reforçou o laço entre os dois.

Carroça na frentebetnacional da bônusum tanquebetnacional da bônusguerra abandonado
Legenda da foto, As memórias da guerra, a ausênciabetnacional da bônusuma infância e adolescência normais, e o tempo que passou longe da família, ainda pesam para Aik. O fatobetnacional da bônusAnyang ter vivido algo semelhante como criança-soldado reforçou o laço entre os dois

"Ele é a única pessoa com quem eu posso me identificarbetnacional da bônusuma forma... Ele entende como eu era quando criança. Minha própria família não me conhece. Eu tenho a melhor família do mundo. Eles se importam muito, são melhores que eu. São todos melhores que eu. Mas eu não consigo me relacionar com eles (da mesma forma)", conta Aik.

Ele lamenta ter pedido a juventude na guerra e diz que isso o fez se distanciar emocionalmente da família. "Eu posso ir para a casa da minha mãe e depoisbetnacional da bônusuma hora já quero sair. Não é porque eu não os amo, é porque não tem laços, porque eu não cresci com eles. A melhor parte da minha vida, que eu devia passar com eles, eu passei na luta armada", diz ele, emocionado.

Para enaltecer o fatobetnacional da bônushoje ser um homem livre, Aik deu o nome do filhobetnacional da bônus"Freeman"- homem livre,betnacional da bônusinglês. Anyang sempre visita o menino e tenta compensar com apoio e amizade o sofrimento pelo qual fez Aik passar quando criança.

"Estou trabalhando duro para construir uma relação boa com ele, por tudo o que eu fiz. Eu tento convencê-lobetnacional da bônusque eu não sou tão ruim. Eu converso com ele todo o dia, eu vou até a casa dele visitar o filho dele. Ele vem ver meu filho também, e a gente discute o que pode ainda alcançar na vida", afirma Anyang.

"Eu queria que isso não tivesse acontecido. Que tivéssemos começado com o pé direito. Mas meu inimigo número um ter virado meu amigo, acho que o final dessa história é muito boa", completa Aik.