A históriaArtemisia Gentileschi, a pintora violentada que se vingou pela artepleno século 17:

Legenda do áudio, Em áudio: A pintora violentada que se vingou pela artepleno século 17

Para piorar, Artemisia sofreu com a indiferença e a rejeição do mundo artísticosua época por ser mulher, e passou pela humilhaçãover a autoriaseus quadros atribuída a seu pai e outros artistas masculinos.

Mesmo depoismorta, durante séculos foi considerada apenas uma curiosidade, uma raridade exótica e menor na história da arte.

Quadro "Ester e Assuero"1626-29

Crédito, The Metropolitan Museum of Art

Legenda da foto, Artemisia aprendeu a pintar no ateliê do pai

Demorou muito para que seu valor artístico fosse reconhecido. E apenas na década1970 Artemisia se tornou um símbolo do feminismo.

Em novembro do ano passado, o MuseuRoma abriu uma exposição dedicada somente à artista italiana - a mostra terminamaio.

Artemisia e seu tempo reúne quase 100 quadros pertencentes a alguns dos mais prestigiados museus do mundo, e por meio deles é possível revisitar a vida e o trabalho da artista e algunsseus contemporâneos, incluindo seu pai, Orazio, e outros pintores que trabalhavam na capital italiana no século 17, como Guido Cagnacci, Simon Vouet e Giovanni Baglione.

Ônus da prova

NascidaRoma,1593, Artemisia era a primogênita e a única mulher entre os quatro filhosOrazio Gentileschi.

Aprendeu a pintar no ateliê do pai, influenciada pelo naturalismoCaravaggio (a quem, dizem, teria conhecido pessoalmente),especialdramaticidade e seus fortes contrastes cromáticos.

"Annunciazione"1630

Crédito, Museo e Real Bosco di Capodimonte

Legenda da foto, Agressor da artista pôde escolher entre prisão e exílio

Roma passava por um extenso processotransformação urbana que atraía para a cidade inúmeros artistasbuscatrabalho.

Foi o casoAgostino Tassi, um pintor especializadopaisagens e com famabrigão. Ele e o paiArtemísia foram contratados para fazer os afrescos do Cassino das Musas e do Palácio Rospigliosi.

Os dois ficaram amigos e Orazio abriu as portassua casa para Tassi, que estuprou Artemisia, na ocasião com 18 anos. Ela demorou um ano para ter coragemdenunciá-lo.

Essa demora fez com que a opinião pública se voltasse contra ela, com muitos concluindo que a agressão na verdade teria sido uma relação consensual.

Ainda assim, Tassi foi condenado27novembro1612. Só que o juiz lhe deu a chanceescolher entre uma sentençacinco anostrabalhos forçados ou a deixar Roma.

O pintor optou pelo exílio.

Casamento

Orazio mal esperou o escândalo esfriar para organizar um casamento para que Artemisia "recuperassedignidade aos olhos da sociedade".

Em 29novembro, apenas dois dias depois da condenaçãoTassi, a filha se casou com o pintor Pierantonio Stiattesi e se mudou para Florença.

Artemisia já tinha começado a pintar figuras femininas fortes, inspirada tanto pela Bíblia quanto pela mitologia, mas com uma nova perspectiva: a feminina.

Em 1610, por exemplo, pintara Susana e os Anciãos, quadro que se baseia no relato da parábolaSusana - uma mulher casada com um rico morador da Babilônia, assediada sexualmente por dois juízes que frequentavamcasa. Ao recusar as investidas dos dois, foi falsamente acusadaadultério.

Segundo a Bíblia, Susana só escapou da morte por apedrejamento por intervenção do profeta Daniel. Ele teria sugerido que os dois fossem interrogados separadamente e questionados sobreque árvore do jardim teriam visto a consumação do adultério. Como não haviam combinado os detalhes da história, caíramcontradição e Susana foi inocentada da acusação.

A beleza do quadro fez com que muitos considerassem que a artista, então com 17 anos, não o teria pintado sozinha, e sim orientada pelo pai.

"Susanna e os Velhos",1652

Crédito, Ministério Italiano da Cultura

Legenda da foto, Artista "subverteu" cena bíblica envolvendo Susana

A maioria das pinturas sobre a parábola retrata Susana como uma mulher frívola e namoradora, mas Artemisia optou por uma imagem vulnerável e assustada. . E isso antes mesmoa própria artista se tornar vítimaum estupro, o que ocorreria um ano depois.

Depois da agressãoTassi,abordagem tornou-se ainda mais crítica.

Vingança

JáFlorença, pintou outra cena bíblica, Judite decapitando Holofernes.

Trata-seseu quadro mais famoso e mostra o momentoque a viúva Judite, com ajudauma serva, corta a cabeçaum general que a havia assediado.

"Judith decapitando Holofernes" (1612 - 1613).

Crédito, Gallerie degli Uffizi

Legenda da foto, O quadro mais famosoArtemisia, "Judith decapitando Holofernes" (1612 - 1613).

A passagem bíblica já havia sido levada às telas por inúmeros pintores desde o Renascimento e era considerada uma alegoria do triunfo feminino sobre os homens.

Mas, nas mãosArtemísia, a cena ganhou novos contornos - vários especialistas interpretamabordagem como um desejovingança pela agressão sofrida.

'Judite' foi um tema que Artemísia pintou outras duas vezes, algo também feito com 'Susana'.

Passou a vida pintando e chegou a ter certa fama, mas caiuprofundo e longo esquecimento apósmorte,1654,Nápoles.

Foi apenas na segunda metade do século 20 quearte começou a ser novamente apreciada por alguns críticos e seu nome, desenterrado. Mas"ressurreição" mesmo ocorreu comconversãoícone do movimento pela igualdadedireitos entre homens e mulheres.

"A conversãoMaddalena" (1616-17)

Crédito, Gallerie degli Uffizi

Legenda da foto, Na segunda metade do século 20, Artemisia voltou a ser reconhecida pelos críticos