O brasileiro que descobriu como o Universo pode acabar:link do estrela bet

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, Muitos físicos e matemáticos tentam entender como o universo foi criado, mas alguns - como o brasileiro Marcelo Disconzi - buscam respostas para outra pergunta: como ele irá acabar?

A equaçãolink do estrela betLichnerowicz havia sido criada para tentar descrever o comportamentolink do estrela betfluidos viscosos viajando a velocidades relativísticas - comparáveis à velocidade da luz.

Quando encontrou a solução, Disconzi não pensou num efeito prático. Kephart e Scherrer propuseram uma questão: será que a viscosidade poderia impactar o Universolink do estrela betalguma forma?

"Achei a ideia interessante, e passamos a nos encontrar com regularidade", conta o brasileiro. Nas primeiras reuniões, ele explicou os detalhes da solução. Depois, o trio aplicou a equação a alguns cenários. O resultado veio no ano seguinte, num estudo que rodou o mundo.

A novidade trouxe à tona a possibilidade natural do Big Rip - ou "grande ruptura" -, uma das principais teorias sobre o fim do mundo.

Trata-selink do estrela betum Big Bang - teoria que aponta que o Universo começou com uma grande explosão - ao contrário.

A ideia propõe que, daqui a exatos 22,8 bilhõeslink do estrela betanos, o Universo estará tão acelerado e disperso que os átomos que formam planetas e galáxias começarão a se desintegrar.

Crédito, Jeremy Teaford/Luiza Guerim

A teoria do Big Rip surgiulink do estrela bet2003, mas todas as tentativaslink do estrela betdeterminar quando o Universo seria rasgado eram inconsistentes.

Cientistas que se aventuravam a estudar a propagaçãolink do estrela betfluidos viscosos, oulink do estrela betenergia escura (formalink do estrela betenergia que acelera a expansão do Universo), chegavam a um pontolink do estrela betque, para que o rasgo acontecesse, essas matérias precisariam viajar a uma velocidade superior a da luz.

Só que nada viaja mais rápido do que a velocidade da luz.

Faltava algo mais consistente para corroborar a teoria. O estudolink do estrela betDisconzi, publicado originalmente na revista Physical Review D, sugeriu um modo natural, e verossímil, desse fenômeno.

"O que era uma ideia puramente teórica agora é muito mais provável que corresponda à realidade física", explica Kephart, que pesquisou o tema com o brasileiro.

Paixão por equações

Disconzi,link do estrela bet37 anos, é um sujeito afávellink do estrela betestatura baixa, cabeça raspada e olhos corlink do estrela betmel. Casou-se com a porto-riquenha Alexandra Valdés,link do estrela bet35 anos, uma professoralink do estrela betCiências e Biologia. Os dois moramlink do estrela betNashville (EUA), cidade onde, desde 2014, ele ocupa o cargolink do estrela betprofessor assistentelink do estrela betMatemática da Universidadelink do estrela betVanderblit.

O professor nasceulink do estrela betPorto Alegre, mas ainda criança foi morar com a famílialink do estrela betMontenegro, no interior do Rio Grande do Sul. Voltou à capital gaúchalink do estrela bet1998 para ingressar na Faculdadelink do estrela betFilosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

"Sempre gosteilink do estrela betquestões profundas, que envolvessem pensamento crítico", relembra. A escolha, porém, não lhe agradou. No semestre seguinte, Disconzi pediu transferência para o cursolink do estrela betFísica.

A faculdade despertou nele uma paixão por pensamentos abstratos, cálculos e equações. Quando se formou, aproveitou para emendar dois mestrados na UFRGS: umlink do estrela betFísica e outrolink do estrela betMatemática, ambos concluídoslink do estrela bet2005.

Ao retirar os títulos, Disconzi percebeu que se considerava mais matemático do que físico.

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, Disconzi se dedica às equações diferenciais parciais, que servem para descrever comportamentos (ou processos geométricos) por meiolink do estrela betdiferentes taxaslink do estrela betvariação física

Ele já estava com o doutorado engatilhado na Universidade da Pensilvânia quando conheceu Dennis Sullivan, professor do Institute for Mathematical Sciences, centrolink do estrela betexcelêncialink do estrela betpesquisa matemática da Universidadelink do estrela betStony Brook,link do estrela betNova York. De lá, saíram três medalhistas do Fields, popularmente considerado o "Nobel da Matemática".

"Ele (Sullivan) me contou sobre a tradiçãolink do estrela betStony Brook, especialmentelink do estrela betequações diferenciais parciais, área que estudo. Daí topei trocarlink do estrela betinstituição", sintetiza Disconzi. Após virar PhD, ele conseguiu lugar no pós-doutoradolink do estrela betVanderbilt e, posteriormente, uma vaga como professor assistente.

Sempre vestido com jeans e camisa, ele chega à faculdade por voltalink do estrela bet7h30. A cafeteira é a primeira coisa que liga quando entra emlink do estrela betsala - às vezes até mesmo antes das lâmpadas.

Com 14 metros quadrados, o ambiente é retangular, com paredes corlink do estrela betcreme, quadro negro, mesa e uma estantelink do estrela betL com cercalink do estrela bet400 livros. Também há computador, cadeiras e uma confortável poltrona ocre. Tudo é milimetricamente organizado e limpo.

Como as aulas só ocorrem no primeiro horário das segundas, quartas e sextas-feiras, Disconzi passa praticamente o dia todo ali. Revisa lições, atualiza o próprio site, organiza eventos (seminários e congressos) e, claro, faz pesquisa. Várias, por sinal. O Big Rip é apenas a ponta do seu iceberglink do estrela betseus estudos.

Singularidade matemática

Desde o doutorado, Disconzi se dedica às equações diferenciais parciais. Elas servem para descrever comportamentos (ou processos geométricos) por meiolink do estrela betdiferentes taxaslink do estrela betvariação física.

Por exemplo: numa previsão meteorológica, é necessário equacionar no mesmo problema diferentes taxaslink do estrela betvariação física - pressão atmosférica, velocidade do vento, temperatura, umidade e assim por diante.

Contudo, nem toda a equação desperta interesse ou possui um objetivo claro.

Quando matemáticos falamlink do estrela betresolver uma equação, geralmente querem "provar" que existem soluções, e não que haja uma fórmula específica para tal. Não raramente, os resultados ficam limitados a cenários muito específicos.

Crédito, Divulgação/Univ. Vandebilt

Legenda da foto, Thomas Kephart e Robert Scherrer sugeriram a aplicação dos estudoslink do estrela betDisconzi e assinam pesquisa juntamente com brasileiro

Imagine o seguinte: os cientistas encontram evidênciaslink do estrela betque existiu vidalink do estrela betMarte. A descoberta seria o equivalente a provar a existêncialink do estrela betuma solução - é uma afirmação ampla, geral, que não descreve detalhes do objeto. Referendar o organismo vivo que teria vivido por lá, com descrições particulares - se uni ou pluricelular, aquático ou não, inteligente ou não - seria como escrever a fórmula da solução.

A lógica ocorreu com a teoria da relatividade gerallink do estrela betAlbert Einstein, cujas equações foram criadas pelo físicolink do estrela bet1915 sob critérios gerais. Nos anos seguintes, a equação foi solucionadalink do estrela betforma fracionada, por partes,link do estrela betcondições particulares. A união dos resultadoslink do estrela betum teorema geral - ou seja, a fórmula da solução - só apareceu na décadalink do estrela bet1950.

Na mesma época, o francês Andre Lichnerowicz montou equações diferenciais parciais para descrever fluidos viscosos no contexto da relatividade geral. Foi esse problema que Disconzi solucionou parcialmente, dois anos atrás, e apresentou como um recém-contratado professor assistente da Universidadelink do estrela betVanderbilt.

"O que descobri pode ser considerado intermediário. Está entre o particular e o geral", explica.

A fórmula era mais valiosa do que ele imaginava.

Fluidos viscosos

Pensarlink do estrela betum contêiner cheio d'água ajuda a compreender a conexão entre a solução das equaçõeslink do estrela betLichnerowicz, descoberta por Disconzi, e a cosmologia.

A água é feitalink do estrela betmoléculas. Nela, existem regiões com mais matéria (as moléculas) e regiões mais vazias (o espaço entre as moléculas). Do pontolink do estrela betvista macroscópico, a água não é vista como um agregadolink do estrela betmoléculas, mas como um fluido distribuídolink do estrela betforma homogênea (sem espaços entre uma parte e outra).

Do pontolink do estrela betvista cosmológico, o contêiner representa o Universo e a água, a energia contida nele. As galáxias são as moléculaslink do estrela betágua. Assim,link do estrela betvezlink do estrela betpensar o Universo como um aglomeradolink do estrela betgaláxias, os astrônomos passaram a entendê-lo como uma distribuição homogênealink do estrela betmatéria e energia.

"O ponto crucial é que essa distribuição se comporta como se fosse um fluido enchendo o Universo", explica Disconzi. "Isso nos dá a certezalink do estrela betque o Universo estálink do estrela betexpansão - elink do estrela betforma acelerada."

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, Disconzilink do estrela betação: trabalho, diz ele, visa construir argumentações lógicas para equações, tendo uma "pergunta perfeita" como pontolink do estrela betpartida

Essa expansão, segundo ele, tende a ficar cada vez mais veloz com o passar do tempo,link do estrela betvirtude da energia emitida por corpos celestes - que aumentam, assim, a viscosidade do Universo.

A combinaçãolink do estrela betdistribuiçãolink do estrela betenergia e aumento da viscosidade produzirá uma pressão negativa. Na relatividade geral, o efeitolink do estrela betuma pressão negativa é gerar uma força que se opõe à força gravitacional. Dessa forma, as galáxias tendem a se separar, e os planetas ficarão mais e mais distantes uns dos outros.

No final, projetado para daqui a 22,8 bilhõeslink do estrela betanos, tudo será rasgadolink do estrela betpedaços.

"Esse comportamento incomum é o Big Rip, produzido por uma taxalink do estrela betexpansão infinitalink do estrela betum tempo finito", diz Robert Scherrer, coautor do estudo.

Ainda há muito a responder sobre a tese - um novo estudo do trio já estálink do estrela betanálise para publicaçãolink do estrela betuma revista científica. Pesquisadoreslink do estrela betuma universidade italiana também estão debruçados sobre o objeto desde a primeira descoberta.

Futurolink do estrela betVanderbilt

Quando não lê na escrivaninha ou rabisca o quadro, é na poltrona ao lado da estante que Disconzi desenvolve seus estudos.

"As pessoas tendem a achar que meu trabalho, por ser um matemático, é só fazer cálculos", ele diz, demonstrando um leve ressentimento.

"Na verdade, meu trabalho é construir argumentações lógicas para as equações, tendo uma pergunta perfeita como pontolink do estrela betpartida. 'Sobre quais hipóteses a equação pode ter solução?'", ilustra.

Disconzi visita pouco o Brasil. Em média, vai a cada dois anos - embora já tenham se completado três anos desde a última vezlink do estrela betque pôs os pés no país. Geralmente a incursão começa pelo Riolink do estrela betJaneiro, onde mora uma irmã. Depois, vai a Porto Alegre e a Montenegro para visitar o restante da família.

No Tennessee, o professorlink do estrela betVanderbilt mora com a esposa e uma gata, Kaya - diminutivo que homenageia a russa Sofia Kovalevskaya, uma das primeiras matemáticaslink do estrela betrenome, falecidalink do estrela bet1891.

Em casa, Disconzi mantém alguns hábitos típicos dos gaúchos. Toma chimarrão com frequência, com erva mate comprada na internet. Churrasco? Sólink do estrela betrestaurante brasileiro. "Em casa faço o americano", ri, reconhecendolink do estrela betseguida que assar hambúrguer na grelha está longelink do estrela betum churrasco legítimo.

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Legenda da foto, O matemático gaúcho com a gata Kaya, batizadalink do estrela bethomenagem à matemática russa Sofia Kovalevskaya (1850-1891)

Para o futuro, Disconzi formula maneiraslink do estrela betescrever um livrolink do estrela betparceria com outros autores - David Ebin, da Universidadelink do estrela betStony Brook, é um deles. "Não existe um bom livro introdutório sobre equações diferenciais parciais. Tudo o que há foi escrito para especialistas, e os alunos ficam perdidos", justifica.

A obra só virá caso seja admitido como professor titular, o que pode ocorrerlink do estrela betaté cinco anos. Se efetivado, também gostarialink do estrela betpropor um programalink do estrela betdiversidade no Departamentolink do estrela betMatemática, semelhante ao que existe nolink do estrela betFísica.

"Infelizmente, negros, latinos e mulheres ainda encontram muita desvantagem no meio educacional", lamenta. Ele é único latino entre os 32 professoreslink do estrela betMatemáticalink do estrela betVanderbilt.

O desfecho do mundo, afirma ele, seguirálink do estrela betseu horizontelink do estrela betpesquisas. "O nosso estudo sobre o Big Rip mostra o quanto ainda falta a gente entender sobre o Universo", suspira. "Vamos seguir investigando."

O prazo final, assim como olink do estrela bettodo o Universo, deve expirarlink do estrela bet22,8 bilhõeslink do estrela betanos.