'Influencer' argentino, cidades com zero votos? Entenda 4 alegações falsas sobre fraude nas urnas:

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Legenda da foto, Influencer argentino levantou dúvidas sobre urnas eletrônicas que foram desmentidas pela justiça eleitoral brasileira

Outra informação falsa que circula nas redes sociais para levantar suspeitasfraudes éque haveria cidadesque o petista obteve 100% dos votos válidos. Na verdade, existem apenas 143 seções eleitoraisque isso ocorreu, o que representa menos0,03% das 496.512 seções do país. Já Bolsonaro obteve todos os votos válidosquatro zonas eleitorais (menos0,001% do total).

Há ainda acusaçõesseções eleitorais que teriam "sumido" do sistema da Justiça Eleitoral, num suposto indícioque votos não teriam sido computados.

No entanto, o TSE esclareceu que isso ocorreu no casoseções pequenas, que foram unificadas com outras para "racionalizar" o processovotação, sem prejuízo para o exercício do voto.

Entenda melhor a seguir cada uma dessas alegaçõesfraudes e as explicações que contestam essas acusações.

1) Suposta transferênciavotosLula para Bolsonaro

O vídeo com falsas alegaçõesfraude sobre a eleição brasileira do argentino Fernando Cerimedo foi retirado do ar após alcançar mais400 mil visualizações no YouTube.

Nele, ele dizia ter recebido um dossiê com uma sérieindíciosfraudes sem revelar quais seriam os autorestal documento.

A principal acusação, sem provas concretas, éque teria ocorrido uma transferênciamilhõesvotosBolsonaro para Lulaurnas antigas que não teriam sido auditadas pelo TSE.

A votação brasileira conta com urnas eletrônicasdiferentes anos, já que máquinas antigas vão sendo substituídas por novas. Nesta eleição, foram usados seis modelos: 2009, 2010, 2011, 2013, 2015 e 2020.

Segundo o Tribunal Superior Eleitoral, todas passaram por análises e auditorias nos últimos anos, como a Auditoria Especial que o PSDB solicitou2014 após a derrotaAécio Neves para Dilma Rousseff e cinco edições do Teste PúblicoSegurança.

No vídeo, Cerimedo diz que apenas as urnas2020 teriam sido auditadas recentemente e que o resultado da eleição no Nordeste indicaria que o petista obteve proporcionalmente mais votos nas seções que usaram modelosurnas anteriores a 2020.

No entanto, o argumentoque só as urnas2020 teriam sido "auditadas" recentemente é falso. Os testes públicossegurança do TSE costumam analisar o modelourna mais recente disponível naquele momento. Dessa forma, o último teste público, realizadonovembro2021, testou as urnas2015.

Quando ficaram prontas as urnas modelo 2020, não haveria tempo suficiente para um amplo teste público desses aparelhos antes da eleiçãooutubro, por isso essas urnas foram testadas por três universidades: UniversidadeSão Paulo (USP), Universidade EstadualCampinas (Unicamp) e Universidade FederalPernambuco (UFPE).

Segundo o professor Marcos Simplício, do DepartamentoEngenhariaComputação e Sistemas Digitais da USP, não há qualquer distinção entre os testes realizados com os modelos novos e antigos.

Ele é um dos coordenadores da equipe que analisou as urnas modelo 2020 e que também participou do último teste públicosegurança no TSE.

"Eu não seionde ele tirou a informação que a 2020 foi testada e as anteriores não", questiona o professor.

O argentino não explica o que seria a auditoria

Após a primeira publicação desta reportagem na quarta-feira (09/11), Cerimedo entroucontato com a BBC News Brasil. Ele reclamouter sido chamadoinfluenciador e pediu para ser identificado como "empresário, consultor político e professor".

Questionado sobre o que seria a "auditoria" específica das urnas modelo 2020 que ele citaseu vídeo, o argentino não esclareceu. Depois, disse que enviaria documentos a respeito, mas não o fez até a publicação da atualização dessa reportagem, na sexta-feira (11/11).

Embora a suposta diferençaauditoria das urnas seja um ponto central do seu vídeo, ele passou a minimizar a importância desse ponto na trocamensagens com a BBC News Brasil.

Segundo o argentino, independentementequalquer auditoria, haveria supostamente diferenças nas quantidadesvotos obtidos por Lula e Bolsonaro a depender dos modelos das urnas.

"Vocês estão muito concentrados nas auditorias. Não há auditoriasoutros modelos que não seja2020. Mas, suponhamos que fizeram auditorias dois anos, três anos atrás, não importa, tá bom? Por que existe diferença numa mesma cidade, nos mesmos centrosvotação, que esse dado que nós analisamos, onde há misturasmáquinas, algumas 2020, e outras não 2020, há tanta diferençavoto?", questionouuma mensagemáudio.

O argumento do vídeoCerimedo é que foram analisados quantos votos Lula e Bolsonaro receberamurnas novas e antigascidadesaté 50 mil ou 100 mil habitantes na região Nordeste.

A conclusão da análise foi que Lula teria recebido proporcionalmente mais votos nas urnas antigas, enquanto Bolsonaro teria ido melhor nas urnas novas.

Para Cerimedo, como essas cidades analisadas têm, supostamente, perfil social semelhante, as urnas diferentes deveriam ter registrado a mesma proporçãovotos para os dois candidatos. Como isso não ocorreu, o argentino insinua que algum mecanismo teria transferido milhõesvotosBolsonaro para Lula nas urnas antigas.

Para checar tal alegação, a BBC News Brasil solicitou a Cerimedo a listacidades usadas nessa análise para que fosse possível verificar os resultados divulgadosseu vídeo. No entanto, o argentino não forneceu qualquer detalhamento.

Ele disse que os cálculos foram feitos por 22 cientistas e matemáticos brasileiros e confirmados porequipe. Mas afirmou que não seria possível identificar quem são esses brasileiros porque eles temem censura e perseguição no Brasil.

Cientistasdados brasileiros, como Caio Gomes e Tiago Batalhão, decidiram analisar a distribuição das urnas pelo país para verificar o argumento do vídeoCerimedo.

A partirdados do TSE, eles constataram que, no caso da região Nordeste, as urnas mais novas foram usadas, principalmente, nas capitais e nas regiões metropolitanas, onde Bolsonaro teve desempenho melhor. Já as urnas mais antigas foram mais usadas no interior, onde Lula venceu com vantagem mais larga.

"Esse fato já torna muito difícil uma comparação entre os dois modelosurna, pois sabemos que as condições socio-econômicas do interior do Nordeste são bem diferentes do litoral", afirma Gomesum relatório que aponta falhas na argumentação do argentino.

Mestrefísica pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e cientistadados profissional, Caio Gomes considera equivocado até mesmo comparar diferentes cidades do interior, pois mesmo nesse caso pode haver diferenças relevantesapoio a Lula ou Bolsonaro entre elas.

Para testar sefato o modelo da urna interfere no númerovotoscada candidato, Gomes analisou os votos obtidos pelos candidatos dentrozonas eleitoraisque foram usadas simultaneamente urnas novas e antigas.

Isso ocorreu461 zonas eleitoraistodo o país. Porém, a análiseGomes não encontrou nenhuma variação relevante estatisticamente. Ou seja, segundo seus cálculos, Lula e Bolsonaro receberam votações similares nas urnas antigas e novas quando comparados os resultadosuma mesma zona eleitoral.

Isso indica que o modelo da urna não teve qualquer interferência na quantidadevotos recebida por cada candidato.

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Legenda da foto, TSE esclareceu à BBC News Brasil os pontos que circulam como notícia falsa

2) Suposta existênciadois programas nas urnas

Outra alegação falsa levantada pelo influenciador argentino é que haveria dois softwares, ou seja, dois programas diferentes rodando nas urnas eletrônicas.

Segundo Cerimedo, essa é a única conclusão possível ao se identificar que há dois logs (registros do que ocorre na máquina) diferentes nas urnas.

A afirmação é contestada por Marcos Simplício e pela equipe da USP que tem acesso ao código-fonte da urna eletrônica.

Segundo o professor, log é o registrotudo que ocorre na urna eletrônica, produzido pelo próprio software da máquina. Após o influencer argentino levantar a teoriaque haveria dois programas na urna, a equipeSimplício verificou o código-fonte do softwarevotação e identificou que o mesmo software pode gerar dois logs diferentes a dependercomo ocorre a carga do programa nas urnas.

Por exemplo, se o servidor da Justiça Eleitoral digita um número errado no momentoinserir a senha para carregar o software e, por isso, precisa apertar a tecla "corrige" para reiniciar o procedimento, isso gera um log diferente do que o log padrão, que é registrado quando a carga é feita corretamente na primeira tentativa.

Segundo Simplício, a hipóteseque os dois logs seriam resultado da existênciadois softwares na urna é válida. No entanto, o argentino erra ao dizer que essa seria a única explicação possível para os dois logs.

"A gente (a equipe da USP) verificou no código que recebemos do TSE e, não, não são dois softwares distintos", afirmou.

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Legenda da foto, Lula recebeu 100% dos votos143 urnas; Bolsonaro,quatro

3) Urnas sem votos para Bolsonaro

O fatoalgumas dezenasurnastodo o país terem registrado apenas votos para Lula também está sendo usado para levantar dúvidas sobre a integridade da eleição.

Circula nas redes sociais uma suposta listacidades que teriam votado apenas no petista. Essa lista vem acompanhadaum pedido para que eleitoresBolsonaro dessas cidades se manifestem publicamente, mostrando que a ausênciavotos para o presidente nesses locais seria uma fraude.

No entanto, é falso que existam cidadesque 100% dos votos foram para o presidente eleito. O que existem são algumas seções eleitorais espalhadas por diferentes municípiosque apenas Lula ou apenas Bolsonaro receberam votos no segundo turno.

A partir dos dados oficias do TSE, um levantamento da agência Tatu, especializadajornalismodados, identificou que Lula obteve 100% dos votos válidos143 urnas, enquanto o mesmo ocorreu com Bolsonaroquatro urnas.

Isso geralmente aconteceucomunidadesque os eleitores têm uma visão muito coesa. Por exemplo, o petista foi escolhidoforma unânime entre eleitoresalgumas comunidades indígenas, enquanto Bolsonaro recebeu todos os votos válidoseleitores brasileiros registrados para votarCaracas, capital da Venezuela.

Um caso que gerou especial atenção nas redes sociais bolsonaristas foi o da seção eleitoral 158 do municípioConfresa, no Mato Grosso,que houve 384 votos para Lula, um voto nulo e nenhum voto para Bolsonaro.

Para apoiadores do presidente, seria impossível tal resultado, já que o EstadoMato Grosso votou predominantementeBolsonaro. Na cidadeConfresa como um todo, aliás, o presidente venceu com 69,8% dos votos.

A seção 158, porém, fica dentro da comunidade indígena Apyãwa, conhecida também como povo Tapirapé. À BBC News Brasil, o cacique da comunidade, Elber Ware'i, disse que o povo Apyãwa se reuniu, analisou as propostasLula e decidiu que ela era o melhor candidato para seu povo.

"Visto que a proposta da campanha do presidente eleito foi voltadaatender a questão social, especialmente no atendimento das populações que mais necessitamapoio do governo federal como quilombolas, ribeirinhos, extrativistas e principalmente os povos indígenas", explicou por mensagemWhatsApp.

"A políticacombate ao desmatamento, a continuidade da educação escolar indígenaqualidade, saúdeboa qualidade nas aldeias... Tudo isso fez com que o povo Apyãwa votasse100% no candidato eleito", disse ainda na mensagem.

Alémas dezenassessõesque houve votos para apenas um candidato não representarem qualquer fraude, elas também somam menos0,02% do totalvotos computados no segundo turno. Ou seja, apenas esses votos isoladamente não interferem no resultado da eleição.

4) A seção que 'desapareceu'Minas Gerais

Também causou indignação entre bolsonaristas o suposto sumiçoseções eleitorais do sistema do TSE. Um eleitorMinas Gerais, por exemplo, gravou um vídeo indignado com esse problema.

Na gravação, ele mostra seu comprovantevotação na seção 292 da cidadePassos. Depois, o vídeo exibe a consulta ao resultado das urnas no portal do TSE. No entanto, o eleitor não localiza na zona eleitoralPassos a seção 292, já que a listaseções passa direto da 291 para a 293.

"A minha seção do comprovante (de votação) tem o mesmo dado do meu título (de eleitor), onde eu votei. Por que a minha seção não está aqui contabilizada? E diz que todas foram totalizadas, 100% das urnas. Por que que a minha não está aqui? O que aconteceu e pra onde foi meu voto?", questiona.

"A gente consegue ver que não foi só com uma (seção eleitoral). Da 0183 vai pra 0185, não tem uma sequência. Pularam a minha e pularam outras. Muitas pessoas estão dizendo que não estão encontrando as suas seções e não houve nenhuma mudança na zonavotação", reforça o autor do vídeo.

Questionado pela BBC News Brasil, o TSE explicou que algumas seções eleitorais foram agregadas a outras, um procedimento que é permitido pela resolução 23.669 da Corte "visando à racionalização dos trabalhos eleitorais, desde que não importe prejuízo ao exercício do voto".

É por esse motivo que a seção 292Passos não aparece no sistemaconsulta aos resultados das urnas. Isso, porém, não significa que os votos não foram computados.

Uma planilha disponível no portal da Corte permite consultar as mais24 mil seções que foram agregadas a outras nesta eleição. Em Passos, por exemplo, isso ocorreu com 34 seções, sendo que a 292passos foi agregada à 316.

Dessa forma, houve apenas uma urna para essas duas seções e os votos apurados foram registrados no portal do TSE todos na seção 316Passos. A consulta ao portal mostra que 138 compareceram para votar nessas duas seções agregadas, sendo que Lula obteve 99 votos e Bolsonaro recebeu 34. Houve ainda três votos nulos e doisbranco.

Apesar das diversas teorias sobre irregularidades que circulam nas redes sociais, diferentes instituições analisaram os resultados da eleição e não constataram fraudes, como o TribunalContas da União, a Ordem dos Advogados do Brasil e o Ministério da Defesa.

No caso das Forças Armadas, o relatório também sugeriu aperfeiçoamentos no processo eleitoral e o TSE afirmou que essas sugestões serão analisadas oportunamente.

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