'Bolsonaro tirou machismo do meu marido do armário':

Alexandre Coimbra Amaral e Daniela Leal
Legenda da foto, Entrevistados no podcast Brasil Partido, psicólogos Alexandre Amaral e Daniela Leal têm atendido muitos casais rachados por questões políticas.

O que acontece quando os conflitos políticos presentes hoje no Brasil invadem um relacionamento amoroso?

Esse é o tema do primeiro episódioBrasil Partido, um podcast da BBC News Brasil, lançado nesta quarta-feira (14/09) no site da BBC, no canal da emissora no YouTube eplataformasáudio como Spotify e Apple Podcasts.

O episódio inaugural tratacasais que recorreram a psicólogos para mediar diferenças políticas - eterapeutas que têm atendido muitas famílias rachadas politicamente na véspera da eleição.

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Uma das pessoas entrevistadas é uma donacasa que passou a fazer terapiacasal para lidar com diferenças políticas que surgiramseu relacionamento após 2018.

Ela diz que, assim como o marido, votouJair Bolsonaro naquele ano para "tirar o PT do poder".

Mas a mulher afirma que, desde então, os dois tomaram rumos distintos: enquanto ela passou a reprovar o governo, o marido virou um defensor ferrenhoBolsonaro e foi, segundo ela, influenciado negativamente pelo comportamento do presidente.

"Ele (Bolsonaro) ressuscitou os machistas, ele fortaleceu, pôs para fora, tirou do armário a parte machista da pessoa - a parte autoritária, essa parte mais difícilconviver", diz Maria (nome fictício), que deu a entrevista sob condiçãoanonimato.

Podcast Brasil Partido

Logo do podcast Brasil Partido
Legenda da foto, Podcast Brasil Partido busca entender como os brasileiros chegaram ao atual graudivisão; episódios serão lançados às quartas-feiras.

Apresentado pelo repórter João Fellet, o podcast Brasil Partido mostra como pessoasdiferentes grupos sociais estão sendo afetadas por conflitos políticossuas vidas.

São abordadas situações vividas por pessoas pertencentes a grupos como mulheres evangélicas, brasileiros que se identificam como pardos, agricultores e executivos do mercado financeiro.

O podcast busca ainda entender como os brasileiros chegaram ao atual graudivisão e se há possibilidadediálogo entre grupos divergentes. Os episódios são lançados sempre às quartas-feiras.

Antipetismo X bolsonarismo

Maria, a donacasa que participa do primeiro episódio, diz que hoje evita falarpolíticacasa para não entrarconflito com o marido.

"Eu me sinto reprimida, eu não posso dialogar dentro da minha casa sobre a divergência que eu tenho", afirma a mulher, casada há mais20 anos.

Ela afirma que, até 2018, nunca havia tido divergências políticas com o marido. "A gente pensava igual: eu queria derrubar o PT, queria derrubar o Lula, e eu me agarrei a essa ideia", conta.

As diferenças surgiram quando ela passou a desaprovar a postura do presidente, especialmente na gestão da pandemia. "Eu não virei uma bolsonarista, e o meu marido, ele não, ele se tornou um bolsonarista."

Homem e mulher sentados distantesbanco

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Muitos casais romperam por causadivergências políticas, dizem psicólogos entrevistados no primeiro episódio do podcast Brasil Partido

Relacionamentos rompidos

Os psicólogos Daniela Leal e Alexandre Coimbra Amaral, também entrevistados no podcast, dizem que têm lidado com muitos pacientes que romperam relacionamentos amorosos por causa da política.

Casados há 19 anos, eles atendem casaissessões virtuais que começaram a organizar na pandemia. Algumas reuniões contam com mais100 participantes.

Amaral diz que, pela primeira vez desde que começou a trabalhar como psicólogo, tem visto pacientes que enfrentam um "adoecimentofora para dentro, ou seja, 'eu estou mal porque essas coisas estão acontecendo no meu país e elas reverberam dentrocasa'".

Leal afirma que os conflitos políticos vividos pelos casais têm a ver com "decisões muito estruturais da vida parental, por exemplo, como criamos os nossos meninos e como criamos as nossas meninas".

Eles afirmam que,muitos desses embates, nota-se uma dificuldade dos homensse relacionar com o feminino.

"Não só do homem se relacionar com a mulher, mas do homem se relacionar com as suas características femininas que têm a ver com delicadeza, gentileza, empatia, solidariedade", diz o psicólogo.

Para ele, hoje vigora no Brasil "uma prática política que convida o homem a anular todo esse lado feminino dele e se postar na vida somente com esse ato bélico o tempo inteiro sendo direcionado para o mundo".

Manifestante pró-armasato pró-Bolsonaro

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Para psicólogo, vigora no Brasil uma prática política que abafa lado feminino dos homens e os estimula a manter uma postura bélica

Os psicólogos dizem que,alguns casos, precisam intervir para que conflitos entre casais não resultemviolência física.

"O Brasil é um país extremamente feminicida e esses crimes acontecem dentrocasa, então às vezes chegam situações pra gente na clínica que podem sim se transformarfeminicídios", diz Amaral.

O casal diz também atender muitos pacientes que vivem problemas políticos com homens mais velhos da família -geral pais, tios ou avôs.

Segundo Leal, muitos desses homens cresceramcontextos nos quais "o questionamento era uma faltarespeito com os pais". "E aí,repente, ele se vêuma época sócio-histórica onde o questionamento tá liberado, onde questionar faz parteuma horizontalização das relações", diz.

Há possibilidadeentendimento?

E existe alguma possibilidadeconciliação quando as divergências dentrocasa se tornam tão acirradas?

Os psicólogos afirmam que, nesse cenário, muitas pessoas optam por evitar conversas sobre temas sensíveis com o familiar discordante.

"A gente vê isso tomando muitos campos da vida,tal forma que muitas relações se sustentam, mas com uma perda considerávelintimidade, com uma mudança da posição da pessoa no mapa afetivo davida", diz Amaral.

Nos casosque, apesar das diferenças, as pessoas queiram manter as relações, os psicólogos recomendam que se faça um esforço para que os interlocutores se sintam "minimamente reconhecidos".

"Se é impossível fazer isso no espectro dos valores políticos, sociais etc., que você possa reconhecer os afetos, que você possa reconhecer os momentosque aquela pessoa foi amorosa, que ela foi generosa, que ela cuidou do neto", diz Amaral.

"Nesses pequenos atos a gente consegue construir pertencimento familiar, e isso pode dar uma uma diluída nessa tensão que fica o tempo inteiro se apresentando como uma rocha, como um bloco que nunca se dissolve."

Línea

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