Censo 2022 enfrenta ameaçagreve e desistênciarecenseadores:
Programado para acontecer2020, o Censo teveser adiado por conta da pandemiacovid-19. Em 2021, sofreu novo adiamento, por faltaorçamento - mais90% da verba prevista foi cortada na tramitação da lei orçamentária no Congresso.
Após determinação do STF (Supremo Tribunal Federal), o governo federal liberou R$ 2,3 bilhões para a realização da pesquisa, valor 26% menor que os R$ 3,1 bilhões inicialmente previstos.
'Se não formos ouvidos, vamos parar'
Lucas Ferreira, da União dos RecenseadoresSalvador, é um dos trabalhadores que participam da mobilização da categoria por direitos.
Os recenseadores da capital baiana realizaram uma assembleia virtual no último domingo (21/8) e planejam uma manifestação nesta sexta-feira (26/8), às 9h, na sede do IBGE no bairroNazaré,Salvador.
"A greve seráúltimo caso. Estamos tentando um diálogo com o IBGE, lançamos uma carta aberta ao presidente nacional da fundação e estamos pedindo que o instituto olhe para nossa situação", diz Ferreira.
"Mas, realmente, se não formos ouvidos, pretendemos fazer um movimento paredista, não só na Bahia, mas um movimento nacional", afirma.
Segundo o representante, os três principais problemas enfrentados pelos recenseadores são atrasos nos repasses do auxílio-deslocamento, demora no pagamento por setores já concluídos pelos recenseadores e atraso na remuneração referente ao períodotreinamento.
"AquiSalvador, o IBGE pagou uma médiaR$ 40 para que o pessoal pudesse se deslocar durantes os 22 diastrabalho. Muitos não receberam ou só receberam na primeira semana e depois mais nada. Quando cobramos, eles dizem que vão depositar e pedem para que continuemos a trabalhar, mas não temos mais dinheiro, não temos como tirar do nosso bolso para exercer uma função do IBGE", diz Ferreira.
Os recenseadores também afirmam que falta clareza com relação à remuneração.
A remuneração da categoria é variável, dependendo do númeroentrevistas e horas trabalhadas. Eles só recebem após a conclusãocada setor, que passa por uma supervisão antes da liberação do pagamento, num processo que pode levar até 15 dias.
"Quando começamos a trabalhar, eles vieram com um regra que não tinha, que para podermos receber precisamos ter 95%conclusão [do setor]. Meu setor são 600 domicílios, então se eu não fizer 570, eu não recebo meu dinheiro. Parece uma cilada para não pagar a gente. Sempre tem uma desculpa", reclama o trabalhador temporário.
Ao longo desta terça-feira (23/8), chamados para greve passaram a pipocar nas redes sociaisdiversos outros Estados, a exemploSão Paulo e RioJaneiro, onde há previsãoprotestos no próximo dia 1ºsetembro.
Mais6 mil recenseadores abandonaram seus postos
De acordo com o IBGE, mais160 mil recenseadores já foram contratados e outros 10 mil estãotreinamento. Até o momento, 6.550 rescisões foram registradastodo o país.
Conforme o instituto, as rescisões representam menos5% do totalcontratados e estão dentro do previsto.
Entre os fatores citados pelos recenseadores que estão abandonando seus postos estão a insuficiênciaajudacusto para a realização do trabalho (como auxílio transporte e alimentação), atrasos nos pagamentos, alémepisódiosameaças, racismo e assédio sexual.
Milena Martins,25 anos e moradora do RioJaneiro, pediu seu desligamento após realizar pouco mais30% das entrevistasseu primeiro setor,DuqueCaxias, na Baixada Fluminense.
"Eu cheguei a ser seguida na rua por um homem. Um outro rapaz quis me agredir. E, por último, o quefato motivou minha saída foi um rapaz que disse que daria entrevista, mas estava com as mãos para trás", conta a ex-recenseadora.
"Ele perguntou diversas vezes para que servia o IBGE e se a pesquisa tinha motivação político-partidária. Eu expliquei que não, mas ele me mostrou que tinha um porrete nas mãos, o que é considerado uma arma branca. Ele começou a me ameaçar, dizendo que se tivesse alguma perguntapolítica, era para eu ficar esperta. Eu tentei manter a calma até o final, mas me senti paralisada e desesperada. Então decidi pedir demissão, na minha primeira semanatrabalho, porque acho que minha vida vale mais do que qualquer salário."
Milena avalia que o treinamento que ela recebeu foi insuficiente para lidar com as situações que enfrentoucampo.
E que a faltadivulgação sobre o Censo 2022 contribui para a resistência da populaçãoresponder, num momentoque proliferam os golpes no país, o que deixa muitas pessoas desconfiadascompartilhar informações pessoais.
"Acredito que não houve uma divulgação adequada, o que pode ser um resultado da faltaverbas. Se tivesse uma divulgação mais ampla, a população estaria mais confianteque aquele é um trabalho sério, que acontece a cada dez anos, e não teríamos todo um trabalhoficar reexplicando a cada casa", afirma.
Dificuldade para preencher vagas
Gabriela Santiago,23 anos e moradoraDuqueCaxias, conta que só não desistiu ainda porque não tem outra opção, mas avalia que as condiçõestrabalho dos recenseadores estão longe do ideal.
"Fiz meu treinamentojulho e deveria ter recebido uma ajudacusto na semanatreinamento, mas só recebi um mês depois. O IBGE está muito enrolado na questão dos pagamentos, ninguém sabe informar como e quando vai ser", critica a trabalhadora.
Ela afirma que, naregião, havia uma promessa informalque os recenseadores receberiam por uma parte do serviços ao concluírem 50% do setor. Mas, segundo ela, depois isso mudou e os supervisores passaram a exigir conclusão100% para liberação do pagamento, que acontece somente após o processosupervisão, num prazoaté 17 dias.
"Ficou muita gente desmotivada e muita gente desistiu. Aqui onde eu moro, está toda hora abrindo vaga, porque muita gente está desistindo", afirma.
Além das desistências, o IBGE tem enfrentado dificuldade para preencher vagas.
Dados internos do instituto, aos quais a BBC News Brasil teve acesso, mostram que a média nacionalrecenseadores contratados,relação ao númerovagas, estava76% no último dia 16agosto.
Em nove Estados, o percentualcontratação está abaixo da média nacional. As piores situações acontecem no Mato Grosso (51%) e São Paulo (57%), mas também estão abaixo da média: Espírito Santo, os três estados da região Sul, Mato Grosso do Sul, Goiás e Rondônia.
"[Sudeste, Sul e Centro-Oeste] são regiões historicamente com taxasdesemprego menores. Comopraxe nos Censos, os processos seletivos seguemandamento também durante a operação censitária", disse o IBGE,nota, quando questionado sobre o baixo preenchimentovagas nessas regiões.
Até o dia 17agosto, quase 17% da população já havia sido recenseada. As regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste concentram a maior parcelaEstados abaixo dessa média.
A evolução do Censo estava indoritmo parecido com o2010 até a segunda semana da pesquisacampo, mas recentemente perdeu ritmo. Naquele ano, 27% da população já havia sido recenseada a essa altura, contra 18,6% até o último dia 18.
"São épocas distintas, muito diferentes (2022 e 2010). Os problemas atuais, especialmente os observados nas três regiões acima citadas, não são os mesmos12 anos atrás", disse o IBGE, sem dar mais detalhes sobre quais são os problemas atuais.
Racismo, assédio e fake news
Além dos problemassegurança, trabalhadores do Censo têm relatado episódiosracismo e assédio sexual.
Em Belo Horizonte, Augusto César Carvalho foi vítimaracismo no seu primeiro diatrabalho. No grupotrocamensagensum condomínio no Sagrada Família, bairro onde vive há 30 anos, foi compartilhada afoto, para que os moradores soubessem quem iria entrevistá-los.
Uma moradora comentou que Augusto, que é negro, tinha "pintaassaltante". O caso foi denunciado pelos outros vizinhos, segundo o jornal Extra. Carvalho foi à Delegacia EspecializadaCrimes Raciais e registrou boletimocorrência.
Em Jequiá da Praia, litoral sulAlagoas, um homem foi preso pela Polícia Civil suspeitotentativaestupro contra uma recenseadora, conforme jornais locais.
Segundo o IBGE,casosagressão, ofensa ou outro tipoviolência, cabe à unidade estadual do instituto monitorar caso a caso. "A unidade estadual onde eventualmente há ocorrência é orientada a informá-la. O que é informado é encaminhado aos órgãossegurança. Se necessário, o recenseador receberá apoio da área médica e social", informou o órgão.
A recomendação do IBGE ao recenseador é registrardelegacia um boletimocorrência e comunicar ao coordenador ou ao supervisor para as providências cabíveis.
O instituto ressalta ainda que agentes, pesquisadores e recenseadores são servidores públicos federais e, por isso, crime contra eles são sujeitos a investigações federais com base na Constituição.
Por fim, um último problema que vem afetando a coleta do Censo2022 são as fake news, notícias falsas que têm circulado entre a população, descreditando o trabalho do IBGE.
Um exemplo é um áudioWhatsApp que circulouCuritiba, dizendo aos moradorescondomínio para não abrirem as portas a ninguém, pois bandidos teriam falsificado coletes e crachás usados pelos recenseadores para realizar assaltos.
O IBGE admite que o problema tem atrapalhado a coletadados, mas dentro do esperado.
"O IBGE faz esforçosesclarecimentos tanto junto aos condomínios, quanto junto à imprensageral,alguns casos, com apoioagênciaschecagem", informou o instituto, sobre como está combatendo as fake news e a resistência da população a responder à pesquisa.
- Este texto foi publicado originalmentehttp://vesser.net/brasil-62654676
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