O pintor filhoiubetescravizados com famaiubetrebelde que recusou prêmio e foi um dos precursores da SemanaiubetArte Moderna:iubet
Na frenteiubettodos, bradou: "Recuso!". "Ele e os colegas julgavam que o prêmio era inferior ao merecido e, diante do imperador, o recusouiubetvoz alta", explica o filósofo Felipe Chaimovich, professor do DepartamentoiubetArtes da Fundação Armando Alvares Penteado, a FAAP. "Foi suspenso da instituição por um ano".
Paris, 1889. O pavilhão do Brasil na Exposição Universal incluiu uma galeriaiubetarte. Por iniciativa do empresário paulista Antônio Prado (1840-1929), paiiubetPaulo Prado (1869-1943), o "mecenas" da SemanaiubetArte Moderna, 17 artistas expuseram 59 obras, entre retratos, paisagens e naturezas-mortas.
Dessas 59 obras, 26 pertenciam a um único artista: Estevão Roberto da Silva. Ou, simplesmente, Estevão da Silva, o pintor negro com famaiubetrebelde que, uma década antes, recusara o prêmio e ficara famoso por retratar naturezas-mortas com frutas brasileiras, como mangas, ananás, cajus, carambolas, laranjas, uvas e romãs.
"A escolhaiubetEstevão da Silva indica a permanênciaiubetum valor cultivado pela família Prado entre 1889-1922: a busca por uma arte brasileira contrária à arte oficial", observa Chaimovich.
"Não há uma influência direta dele nos artistas da Semanaiubet1922, mas Paulo Prado mantém a posiçãoiubetexibir artistas contra-acadêmicos, tal como era considerada Anita Malfatti (1889-1964) desde a exposiçãoiubet1917, na qual Paulo Prado adquire a tela A Onda, aliando-seiubet1921 a Di Cavalcanti (1897-1976) na concepção da SemanaiubetArte Moderna. Além disso, veio, após a Semana, a fomentar uma arte com conteúdo brasileiro, tal como foi o Movimento Pau-Brasil. Sob esse aspecto, Estevão Silva é o precursor das artes visuais da Semanaiubet1922."
Exposição apresenta pintor ao grande público
Em 2022, anoiubetque se comemorou o centenário da SemanaiubetArte Moderna, seis telasiubetEstevão da Silva poderam ser conhecidas pelo público graças à exposição Modernos, no MuseuiubetArte Brasileira da FAAP.
A mostra foi divididaiubetdois núcleos: Antesiubet1922, com curadoriaiubetFelipe Chaimovich, e Depoisiubet1922,iubetLaura Rodríguez.
AlémiubetEstevão da Silva, o núcleo Antesiubet1922 exibiu obrasiubetoutros artistas, como Antônio Parreiras (1860-1937), Eliseu Visconti (1866-1944) e Georg Grimm (1846-1887).
Para Chaimovich, a obraiubetEstevão da Silva ganhou destaque na Exposiçãoiubet1889, entre outros motivos, por representar tanto "o artista independente que sobrevivia do nascente mercadoiubetarte do RioiubetJaneiro" quanto "o indivíduo negro cujo trabalho atingia o maior grauiubetliberdade: as belas-artes".
"Ele foi identificado como 'africano'iubetseu documentoiubetmatrícula na Academia ImperialiubetBelas Artes. Logo, foi ex-escravizado ou era filhoiubetescravizados. Essa condição no Brasil da segunda metade do século 19 já é suficiente para indicar que foi vítimaiubetpreconceito ou discriminação racial numa sociedade escravocrata", contextualiza um dos curadores da mostra da FAAP.
EmiubetdissertaçãoiubetMestradoiubetHistória e Teoria da Arte pela Universidade Federal do RioiubetJaneiro (UFRJ), Estevão Silva e a PinturaiubetNaturezas Mortas no Brasil do Século XIX (2002), Alexandre Pessôa revela detalhes da infânciaiubetEstevão da Silva.
A começar poriubetdataiubetnascimento: 26iubetdezembroiubet1845. Por maisiubetum século, essa informação permaneceu ignorada. O enigma foi decifrado no diaiubetque a certidãoiubetnascimento do artista foi localizada nos arquivos do Museu Dom João VI, da EscolaiubetBelas Artes, da UFRJ, pelos pesquisadores do livro 150 AnosiubetPintura no Brasil: 1820-1970 (1989).
O documento não menciona onde Estevão nasceu. Apenas onde foi batizado: Niterói (RJ). Seus pais, Vitor Roberto da Silva e Ana Rita da Silva, eram escravizados ou ex-escravizados. Quanto ao artista, não se sabe se nasceu livre ou se obteve alforria ainda jovem.
"Estevão pertenceu a uma geraçãoiubetpintores que questionou as normas artísticasiubetseu tempo. Não fosse seu falecimento precoce, poderia ter avançado nas conquistas formaisiubetsua pintura e figurar entre os maiores nomes da transição para a modernidade", analisa Pessôa.
Estevão da Silva ingressou na Academia ImperialiubetBelas Artes,iubet1864. Embora tenha nascidoiubet1845,iubetcertidãoiubetnascimento só foi emitida 17 anos depois,iubet1862. Na instituição fundada por Dom João 6º (1767-1826), estudou com Victor Meirelles (1832-1903), que dava aula sobre Pintura Histórica; Jules Le Chevrel (1810-1872), sobre Desenho Figurado; e Agostinho da Motta (1824-1878), sobre Paisagem, Flores e Animais.
Entre 1884 e 1886, conheceu e fez amizade com integrantes do Grupo Grimm, formado por sete jovens pintores, todos egressos da Academia ImperialiubetBelas Artes. Sob a orientaçãoiubetGeorg Grimm, esse grupo se reunia na PraiaiubetBoa Viagem,iubetNiterói, para pintar ao ar livre. Em 1885, Estevão da Silva tornou-se professor do LiceuiubetArtes e Ofícios do RioiubetJaneiro.
Sem encomendas para novos retratos
Ao longo da carreira, produziu telasiubetdiferentes gêneros, como pinturasiubettemática histórica, religiosa e alegórica. Pintou, também, alguns poucos retratos, como o do pintoriubetorigem italiana João Batista Castagneto (1851-1900),iubet1885.
Provavelmente, teria pintado outros se não tivesse se envolvidoiubetum bate-boca com um figurão da época que, certo dia, lhe encomendou um retrato. Reza a lenda que o sujeito não teria gostado do resultado do trabalho.
Seu nariz,iubettão vermelho, mais parecia um caju. Indignado, se recusou a pagar pelo quadro. O que Estevão fez? Acrescentou dois chifres na testa do comendador e, saindo por debaixo da cadeira, um grande rabo. Por fim, deu novo título à obra: Retrato do Diabo.
De nada adiantou. O sujeito continuava irredutível. Mais adiante, Estevão colocou o tal Diabo atrás das grades. E rebatizou a pintura: "O diabo preso por não pagar a Estevão Silva". O comendador, então, pagou a encomenda. Mas fez questãoiubetdestruir o quadro.
"Vou processá-lo!", ameaçou o pintor, revoltado. "Mas ele pagou pelo trabalho", argumentou a turma do "deixa disso". "Sim, pagou, mas sacrificou o melhor caju que já pintei até hoje", respondeu, irreverente. Conclusão: Estevão da Silva nunca mais recebeu encomendasiubetretratos.
"No mercadoiubetarte, os retratos eram mais valorizados que as naturezas-mortas", explica Cristina PierreiubetFrança, doutoraiubetArtes Visuais pela Universidade Federal do RioiubetJaneiro (UFRJ) e professora do Colégio Pedro II, no RioiubetJaneiro. "Era um artista que não se curvava às injustiças sofridas". O tema do seu Mestrado foi Estevão Silva e Hélio Oiticica — Brasilidade, a Sensação Revisitada (2002).
Foi como pintoriubetnaturezas-mortas, gêneroiubetque o autor representa seres ou objetos inanimados, como flores e frutos, que Estevão da Silva escreveu seu nome na história da arte brasileira. "Emiubetépoca, um pintoriubetnaturezas-mortas era consideradoiubetsegunda categoria", esclarece a museóloga Cláudia Rocha, do Museu NacionaliubetBelas Artes (MNBA), no Rio, que guarda cinco obras do pintor fluminenseiubetseu acervo. "Ainda hoje, é um artista pouco estudado e não tão valorizado na história da arte brasileira."
O Museu NacionaliubetBelas Artes (MNBA) não é o único a disporiubetobras do artista. A PinacotecaiubetSão Paulo tem seis telas e o Museu Afro Brasil, 11. "Alémiubetter sido o primeiro artista negro a frequentar a Academia ImperialiubetBelas Artes, o que não é pouco para um filhoiubetafricanos na décadaiubet1860, ainda privilegiouiubetsuas pinturas os frutos brasileiros, compostosiubetarranjos mais despretensiosos e menos formais", explica a historiadoraiubetarte Valéria Piccoli, curadora chefe da PinacotecaiubetSão Paulo.
"Diferentemente das naturezas-mortasiubetPedro Alexandrino (1856-1942), onde predominam o brilho dos tachosiubetcobre e das porcelanas, Estevão Silva arranja os frutos sobre uma mesa simples ou, às vezes, no chão. Desse modo, evocava a conexão entre o fruto e a terra e exaltava a fertilidade da terra brasileira."
Pintor escondia frutas por trásiubetsuas telas
Em História da Pintura Brasileira no Século XIX (1983), o críticoiubetarte Quirino Campofiorito (1902-1993) relata que, certa vez, Estevão da Silva, durante uma exposição, resolveu esconder pedaçosiubetfrutas, como goiabas, cajus e jacas, atrás das telasiubetseus quadros.
O cheiro que emanava das frutas inebriava os visitantes da exposição, que não faziam ideiaiubetonde ele vinha. "Estevão Silva se destacou na composiçãoiubetnaturezas-mortasiubetforma bastante realista", afirma Cláudia Rocha, do MNBA.
"Vários são os relatos, tanto publicadosiubetjornaisiubetépoca quanto feitos por críticosiubetarte, sobre a recepçãoiubetsuas pinturasiubetnaturezas-mortas quanto às sensações que provocavam a vontadeiubetsaborear as frutas". Ainda segundo Campofiorito, Estevão da Silva teria sido o precursor do que se convencionou chamariubetarte happening.
Foi o suposto hábitoiubetesconder frutas por detrás dos painéis que exibiam seus quadros, "agregando uma dimensão olfativa à visualidade da pintura", o que mais chamou a atençãoiubetAlexandre Pessôa para a vida e obraiubetEstevão da Silva. Coincidência ou não, quase 70 anos depoisiubetsua morte,iubet1891, uma arte "multissensorial", desenvolvida por nomes como Lygia Clark (1920-1988) e Hélio Oiticica (1937-1980), entre outros artistas, ganhou força na cena brasileira.
"É pouco provável que tais nomes tivessem qualquer familiaridade com a obraiubetEstevão Silva. Mas, para os estudiosos do século 21, esse encaminhamento da nossa produção contemporânea permitiu uma ligação com o pintor oitocentista, convertido numa espécieiubet'marco zero' da nova arte que não se limitava mais a estimular apenas a visão do espectador."
Estevão da Silva morreuiubet9iubetnovembroiubet1891, aos 45 anos. Cento e trinta e um anos depois, já teria conquistado o reconhecimento artístico que merece? "Seu lugar na história da arte brasileira ainda tem pouco reconhecimento, talvez porque o gênero da natureza-morta seja pouco compreendido", especula Felipe Chaimovich, da FAAP.
"Precisa ser analisado até que ponto aiubetcondição racial contribui para aiubetinvisibilidade no campo artístico da época", observa Cláudia Rocha, do MNBA. "Penso que a crescente demanda por representatividade nas artes visuais talvez venha a reverter essa 'invisibilidade' num futuro próximo", acredita Alexandre Pessôa, da UFRJ.
"O Brasil maltrata muitoiubetmemória", lamenta Emanoel Araújo, diretor curador do Museu Afro Brasil,iubetSão Paulo. "Estevão Silva, que morreu pobre, não é um caso isolado. Há outros exemplos, como os irmãos Artur (1882-1922) e João Timóteo da Costa (1879-1932), que morreram loucos, e Antônio Rafael Pinto Bandeira (1863-1896), que cometeu suicídio. Estevão Silva é um artista que rompeu com o preconceito racial que, ainda hoje, ronda o Brasil".
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