4 momentos que contam a história da destruição das ferrovias no Brasil:toro casino

Fototoro casino1911 mostra estação Alto da Serra III da São Paulo Railway

Crédito, Biblioteca Nacional

Legenda da foto, Desde o auge, no início do século 20, malha ferroviária perdeu 8 mil km

A BBC News Brasil perguntou a especialistastoro casinohistória e engenharia ferroviária o porquê - sintetizado, a seguir,toro casinoquatro momentos.

Trechotoro casinoferrovia da São Paulo Railway Company na Serra do Mar

Crédito, Frédéric Manuel/Biblioteca Nacional

Legenda da foto, Trecho da São Paulo Railway Company na Serra do Mar: desde o início, ferrovias operaram sob regimetoro casinoconcessão

A crise do café

O café é elemento central nos primeiros capítulos da história das ferrovias no Brasil - tanto na ascensão quanto na decadência, como explica Eduardo Romerotoro casinoOliveira, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

É a razão para a construção das primeiras estradastoro casinoferro no século 19: a primeira delas, a Estradatoro casinoFerro Mauá, que começou a operartoro casino1854, levavatoro casinosuas locomotivas a vapor a commodity do Vale do Paraíba ao portotoro casinoMagé, na baixada fluminense, que,toro casinolá, seguiatoro casinobarco até a cidade do Rio. Nessa época, o café representava quase 50% das exportações brasileiras.

A malha ferroviária foi aumentando com a expansão da atividade cafeeira e passou a deslocar também passageiros, que até então só conseguiam viajar longas distâncias com transportes movidos por tração animal, como as charretes puxadas por cavalos.

"Durante muito tempo, as ferrovias foram praticamente a única viatoro casinotransportetoro casinocargas e pessoas no país", destaca Oliveira, um dos pesquisadores do projeto Memória Ferroviária.

E foi nesse contexto que a malha chegou a quase 30 mil kmtoro casinoextensão na décadatoro casino1920, quando veio o baque da crisetoro casino29. O crash da bolsa nos Estados Unidos, na época o maior compradortoro casinocafé brasileiro, e a grande depressão que se seguiu tiveram impacto direto sobre o Brasil.

Em um curto espaçotoro casinotempo, as exportações da mercadoria despencaram, assim como os preços. As ferrovias, que eram administradas pelo setor privado sob regimetoro casinoconcessão, passaram a transportar cada vez menos carga e viramtoro casinorentabilidade despencar.

Tem início, nesse momento, um período lentotoro casinodecadência que culminaria na estatização das estradastoro casinoferro maistoro casinoduas décadas depois.

Antigo Largo do Rosário,toro casinoSão Paulo, no início do século 20

Crédito, Guilherme Gaensly/Biblioteca Nacional

Legenda da foto, Antigo Largo do Rosário,toro casinoSão Paulo: antes dos trens, transporte era feito por tração animal

JK e o nascimento da indústria automobilística

Antes, contudo, outros dois fatores importantes entramtoro casinocena: o crescimento das cidades e a popularização do automóvel.

O país vive uma grande transformação depoistoro casino1940. Até então baseada quase exclusivamente na agricultura, a economia brasileira se volta cada vez mais para a indústria. A Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e a Vale do Rio Doce, então empresas estatais, são fundadas nessa época,toro casino1940 e 1942, respectivamente, no último período do governotoro casinoGetúlio Vargas, a ditadura do Estado Novo.

Essa mudança na matriztoro casinocrescimento, portoro casinovez, catalisa um processotoro casinomigração das populaçõestoro casinoáreas rurais para as cidades. As capitais ganham uma nova escala, vão inchando, um processo que tem como efeito colateral a diminuição da demanda por trenstoro casinopassageirostoro casinoalguns trechos menores, entre cidades próximas.

"As fábricas estão nas cidades", pontua Oliveira.

A políticatoro casinoindustrialização continua com o presidente Juscelino Kubitschek, que assumetoro casino1956 e elege a indústria automobilística como catalisadortoro casinoseu planotoro casinodesenvolvimento.

O Planotoro casinoMetastoro casinoJK, que ganhou o slogan "50 anostoro casino5", é frequentemente apontado como o início do chamado "rodoviarismo" no Brasil. Um movimento cheiotoro casinonuanças e explicado por uma combinaçãotoro casinofatores, diz o professortoro casinoEngenhariatoro casinoTransportes da Coppe/UFRJ Hostílio Xavier Ratton Neto.

Um deles é a própria natureza da indústria automotiva, que tem uma cadeiatoro casinoprodução longa, com efeito multiplicador na economia, e emprega uma mãotoro casinoobra qualificada que até então não existia no país.

"É nessa época que se cria a classe do operário especializado, com maior poder aquisitivo", afirma.

Em paralelo, a construção das rodovias era menos custosa que as estradastoro casinoferro e o petróleo usado para produzir combustível ainda era muito barato.

No panotoro casinofundo, a Guerra Fria estreitava as relações entre Brasil e Estados Unidos. Na tentativatoro casinobarrar a expansão da influência da União Soviética no continente, os americanos firmaram acordostoro casinocooperação técnica etoro casinofinanciamento para investimentos com diversos países da América Latina.

Assim, aindatoro casino1956 foi criado o Grupo Executivo da Indústria Automobilística (GEIA), sob o comando do Capitãotoro casinoMar e Guerra Lúcio Meira.

O Brasil, que até então só montava veículos, passaria a fabricar carros, caminhões e jipes, tendo como principal polo a região do ABC paulista. São desse período dois modelos que fizeram história no país: o Fusca e a Kombi, ambos da linhatoro casinomontagem da Volkswagentoro casinoSão Bernardo do Campo.

Com a produçãotoro casinoveículos nacionais, multiplicaram-se os quilômetrostoro casinorodovias. Só nos cinco anostoro casinogestão JK, a malha rodoviária federal pavimentada foi multiplicada por três,toro casino2,9 mil km para 9,5 mil km.

As ferrovias, portoro casinovez, entravam os anos 1950 sucateadas.

Além da redução da demandatoro casinocarga e passageiros, um outro fator contribuiu para o "estado bastante acentuadotoro casinodegradação física das estradastoro casinoferro": "Muitas concessões já estavam no final, próximo da devolução, e não havia cláusula nos contratos que obrigassem as concessionárias a fazer investimentos ou devolver as ferrovias no estadotoro casinoque as pegaram", diz Ratton Neto, que tem larga experiência no planejamento, construção, operação e gestãotoro casinosistemastoro casinotransporte metroviário e ferroviário.

É nesse contexto que,toro casino1957, surge a Rede Ferroviária Federal (RFFSA), estatal que passou a administrar as ferrovias que até então estavam nas mãostoro casinodiferentes empresas privadas.

Inicialmente, diz o historiador Welber Luiz dos Santos, do Núcleotoro casinoEstudos Oestetoro casinoMinas da Associação Brasileiratoro casinoPreservação Ferroviária, a intenção não era "destruir" as ferrovias.

"Os primeiros relatórios da empresa demonstram que o projeto eratoro casinomodernização e unificação administrativa para facilitar a integração entre os diferentes meiostoro casinotransporte", afirma o pesquisador.

"Os investimentos rodoviários do Planotoro casinoMetastoro casinoJK não eram uma ameaça ao sistema ferroviário", avalia.

Malha ferroviária brasileira. Entre 1854 e 1985 -toro casinokm.  .

A extinção das linhastoro casinopassageiros

Os projetostoro casinorecuperação e melhoria, contudo, incluíam a desativaçãotoro casinouma sérietoro casinolinhas e "ramais" (jargão do setor para os trechos secundários) considerados deficitários.

A lógica, diz o historiador Eduardo Romerotoro casinoOliveira, é que o mundotoro casinomeados do século 20 era completamente diferente daquele que, muitas décadas antes, havia norteado a construçãotoro casinoparte das ferrovias.

"Houve uma mudança no negócio", diz o professor da Unesp. "As estradastoro casinoferro da música do Milton Nascimento eramtoro casinooutra época, para pensar o transportetoro casinocafé,toro casinoaçúcar,toro casinoum períodotoro casinoque nem a legislação trabalhista existia."

O químico Ralph Mennucci Giesbrecht, um "fanático por ferrovias" que há maistoro casinoduas décadas pesquisa sobre elas, especialmente sobre as estações, coleciona diversas histórias desse período turbulento.

"Nos anos 60 e 70 sumiram praticamente todas as ferrovias menores, aquelas consideradas deficitárias", diz ele, autor do livro O Desmanche das Ferrovias Paulistas.

Os conflitos aparecemtoro casinohistórias como a da desativação do trecho entre as cidades paulistastoro casinoSão Pedro e Piracicaba, concluídatoro casino1966. O prefeitotoro casinoSão Pedro na época chegou a enviar um telegrama incisivo ao governador, Laudo Natel, questionando o critério da baixa rentabilidade usado para justificar a extinção do ramal.

"Déficit, se não levarmostoro casinoconta o bem coletivo, também dá a polícia, dão as escolas e todas as repartições mantidas pelo Estado. O déficit do ramal é muito relativo, pois, não levandotoro casinoconta o movimento das estaçõestoro casinoBarãotoro casinoRezende, Costa Pinto, Recreio e Paraisolândia, a estaçãotoro casinoSão Pedro despachou este ano maistoro casino40.000 toneladastoro casinocana. Finalizando, aqui deixo minha desilusão por tudo e por todos", dizia a mensagem, conforme reportagem do jornal O Estadotoro casinoS.Paulotoro casino30toro casinooutubrotoro casino1966 encontrada por Giesbrecht.

Aos poucos, as linhastoro casinopassageiros foram desaparecendo, permanecendo,toro casinoalguns casos, aquelas que cruzavam as regiões metropolitanas das grandes cidades, usadas até hoje.

Com o avanço da indústria automobilística e a entrada do aviãotoro casinocena, as ferrovias entraramtoro casinocrise,toro casinomaior ou menor medida,toro casinotodo o ocidente. Nos paísestoro casinoque foram mantidas para transportetoro casinopassageiros, o serviço, na maioria dos casos, passou às mãos do Estado.

É o caso, por exemplo, dos Estados Unidos. A estatal Amtrak foi fundadatoro casino1971 e faz até hoje a gestão das linhastoro casinopassageiros no país. Também são estatais a alemã Deutsche Bahn, a espanhola Renfe e a francesa Société Nationale des Cheminstoro casinofer Français (SNCF).

Trecho da Estradatoro casinoFerro D. Pedro II

Crédito, Biblioteca Nacional

Legenda da foto, Trecho da Estradatoro casinoFerro D. Pedro II, rebatizada posteriormentetoro casinoCentral do Brasil

A estagnação e o corredortoro casinocommodities

Do lado do transporte ferroviáriotoro casinocarga, parte dos investimentos vislumbrados no período JK não saíram do papel, diz o historiador Welber Santos.

Emtoro casinovisão, a ditadura militar mudou o foco da políticatoro casinotransportes, que passou a ser mais voltada para as rodovias, com a apostatoro casinograndes obrastoro casinoengenharia, como a ponte Rio-Niterói, e alguns investimentos questionáveis, como a Transamazônica, que nunca foi concluída.

A Ferrovia do Aço, ele diz, um dos projetos ferroviários que chegou a sair do papel nesse período, começou a ser construídatoro casino1973 com a promessatoro casinoser entreguetoro casinomil dias, mas só foi inauguradatoro casino1992, e com um porte muito mais modesto do que o projeto inicial.

Para Ratton Neto, da Coppe/UFRJ, um dos principais obstáculos à realização dos investimentos necessários à malha ferroviária do país naquela época foi a crise do petróleotoro casino1973 e o período turbulento que se seguiu.

"Depois daquele choque na economia mundial, o Brasil, que até então tinha acesso fácil a crédito, passou a ser visto como paístoro casinoalto risco. A partir daí, teve início uma crise que impediu que os planos nacionaistoro casinodesenvolvimento pudessem ter sequência. Deixamostoro casinoplanejar para apagar incêndio praticamente até os anos 90", diz ele.

Nos anos 1990,toro casinoum contextotoro casinobaixo crescimento econômico, inflação elevada e alto níveltoro casinoendividamento público, a RFFSA é liquidada e as ferrovias são novamente concedidas à iniciativa privada, por meio do Plano Nacionaltoro casinoDesestatização (PND).

A partir daí, elas passam a funcionar majoritariamente como corredorestoro casinotransportetoro casinocommodities para exportação, diz o professor da Coppe/UFRJ.

Hoje, quase metade da malha, 14 mil km, está nas mãos da Rumo Logística, empresa do grupo Cosan. Outros 2 mil km são administrados pela Vale. Cercatoro casino75% da produçãotoro casinotransporte ferroviário é minériotoro casinoferro. "Outros 10% ou 12% são soja", estima Ratton Neto.

Como os contratostoro casinoconcessão não preveem a realizaçãotoro casinoinvestimentos e melhorias, boa parte da malha segue como foi construída no segundo império, com a chamada bitola métrica, ultrapassada, bem mais estreita que a bitola internacional, hoje usada como padrão.

O modelo atualtoro casinoexploração das ferrovias, na avaliação do especialista, subaproveita o potencial do país e deixa o Brasil refém das rodovias - consequentemente, mais suscetível a grevestoro casinocaminhoneiros como atoro casino2018, que gerou caos e desabastecimento.

As estradastoro casinoferro poderiam ser mais utilizadas para transportetoro casinobens industriais, ele exemplifica,toro casinobobinastoro casinoferro e cimento a automóveis, inclusivetoro casinotrechos curtos, nos moldes das "short lines" dos Estados Unidos.

"Também poderiam ser usadas para transportar contêineres, uma tendência nova e muito rentável", acrescenta.

Um entrave para o planejamentotoro casinonovas linhas, contudo, é o apagãotoro casinodados sobre a movimentação internatoro casinocargas. O Brasil não sabe, no detalhe, o que é transportado etoro casinoonde para onde. Iniciativas como o Plano Nacionaltoro casinoContagemtoro casinoTráfego ainda não geram dados robustos nesse sentido, diz o professor.

A outra é o próprio modelotoro casinoconcessão,toro casinoque as concessionárias têm controle tanto sobre as vias quanto sobre os trens. Assim, essas empresas acabam tendo o monopólio do transporte ferroviário e,toro casinoúltima instância, decidem o que trafega ou não pelos trilhos.

"As ligações hoje atendem aos interesses dos próprios concessionários."

Os novos projetos anunciados recentemente pelo governo, na avaliação do professor, não chegam a quebrar a lógica das ferrovias como corredortoro casinocommodities. Em setembro, o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, anunciou a autorização para construção, pela iniciativa privada,toro casino10 novas ferrovias, com investimentos da ordemtoro casinoR$ 50 bilhões.

Em paralelo, ele chama atenção também para o projeto da Ferrogrão, que deve ligar o Mato Grosso ao Parátoro casinocercatoro casino933 km com a propostatoro casinofacilitar o escoamentotoro casinogrãos pela região Norte do país.

Na tentativatoro casinotirar a ferrovia do papel, o governo sinalizou que disponibilizará para a futura concessionária até R$ 2,2 bilhõestoro casinorecursos da União. O dinheiro, contudo, viria da outorga que será paga pela Vale para renovar a concessãotoro casinoduas das ferrovias que administra hoje, a Estradatoro casinoFerro Carajás e a Estradatoro casinoFerro Vitória-Minas.

"Os recursos da outorga que poderiam ser usados para geraçãotoro casinobenefícios econômicos e sociais nesse caso acabariam captados pelo próprio setor privado."

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