Prevent Senior: como planosaúde investigado cresceu como 'única alternativa' para idosos:
Em meio a todas essas denúncias, a empresa enfrenta a maior criseimagem desdefundação,1997.
No entanto, beneficiários insatisfeitos com acusaçõesmá-conduta da companhia se veem numa sinucabico: praticamente não existem concorrentes que ofereçam planos para idosos na mesma faixapreços da Prevent SeniorSão Paulo, maior mercado para planossaúde do país e regiãofocoatuação da empresa.
Assim, analistas avaliam que, mesmo diante da sucessãoescândalos envolvendo a companhia, ela tende a ser pouco afetadaseu númerobeneficiários - atualmente542 mil, segundo a ANS, o que coloca a operadora entre as dez maiores do Brasil.
Como os idosos clientes da Prevent chegaram nessa situação,quase não terem alternativas no mercadoplanossaúde paulista? E como a empresa cresceu apostando nesse segmento desprezado pelas demais operadoras? Contamos aqui.
História da Prevent Senior
A Prevent Senior foi fundada pelos irmãos Fernando e Eduardo Parrillo, que começaram a atuar no setorsaúde no negócioremoçãopacientes por ambulância.
Fernando Parrillo falou sobre issoentrevista publicada2007 na revista Memória Empresarial:
"Em 1996, surgiu a ideia da ambulância. Eu era o motorista, e o meu irmão, quando removíamos pacientesUTI, ia como médico na partetrás. Começamos dessa forma, com uma empresa chamada Remotion, quando percebemos que poderíamos exercer outra função. Em vezfazermos a remoção, nós poderíamos ser a empresa que recebia os pacientes", contou o hoje presidente-executivo da Prevent Senior.
O passo seguinte dos irmãos foi comprar uma clínicaSanto Amaro e criar um planosaúde. Em seguida, eles decidiram investir numa estrutura própria, para que a clínica não dependesse mais das empresasambulância para fazer a remoção dos pacientes.
O próximo passo, segundo o empresário, foi criar um modelonegócios focado na prevenção e no público com mais60 anos.
"Nessa fase, apareceu a oportunidade da compraum hospital na Bela Vista [bairro da região centralSão Paulo], que foi o grande salto da nossa vida", contou Fernando Parrillo. Esse primeiro hospital foi inaugurado1997.
"Outra estratégia fundamental foi investirpublicidade pela televisão. Ainda não existia merchandisingoperadorasaúde, e nós fomos os primeiros a entrar. Quando o meu irmão aparecia falando do nosso sistemaum programa vespertino, era uma loucura para atender todas as chamadas telefônicas."
O modelonegócios deu certo: a empresa viu seu faturamento saltarR$ 449 milhões2011, para R$ 1 bilhão2014 e maisR$ 4 bilhões2020. O lucro acompanhou essa trajetória ascendente, indoR$ 33 milhões2011, para R$ 496 milhões no ano passado.
Por que a maioria das operadoras cobra preços exorbitantes dos idosos?
"A Prevent Senior é um caso únicoseu segmento, que desafia a lógica do setor", observava a XP Asset Manegment,relatório2020.
"Apresenta majoritariamente beneficiários idosos, que a princípio oneram mais a rede devido à maior frequênciaatendimentos, sobretudo dos mais complexos e internações, e ainda assim exibe margensrentabilidade muito acima da média do setor."
O comentário da gestorarecursos ajuda a entender por que os outros planos cobram preços proibitivos dos idosos - o que fez a Prevent se destacar ao cobrar mensalidadesem média R$ 800.
"O preço tem a ver com risco na área planossaúde", explica Carlos Suslik, médico, consultor na áreasaúde e ex-diretor executivo do Instituto Central do Hospital das Clínicas (HC)São Paulo.
"A gente costuma dizer na áreasaúde que a pessoa gasta 50%tudo que ela gastasaúde ao longo da vida no último anovida, porque é nesse último ano quegeral vem o 'evento catastrófico', como um câncer, um infarto, um AVC [acidente vascular cerebral]", exemplifica o consultor.
"É muito difícil a gente morrer que nem um passarinho, que dorme, e no dia seguinte está morto. E, quanto mais velho a gente está, mais próximo estamos desse último anovida. Isso faz com que o custo da saúde do idoso seja muito maior", justifica.
A questão das faixas etárias para reajuste dos planos
Para Alessandro AcayabaToledo, presidente da Anab (Associação Nacional das AdministradorasBenefícios), um outro fator que leva aos altos preços dos planossaúde para idosos é o fato de, a partir2004, com a entradavigor do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03), os planossaúde terem ficado proibidosfazer reajustes por faixa etária para pessoas acima dos 60 anos.
Até 2004, os planos tinham sete faixas etárias, sendo as últimas 50 a 59 anos, 60 a 69 anos e 70 anosdiante. Depois do Estatuto do Idoso, as faixas passaram a ser dez, mas a última delas é 59 anos ou mais.
A partir dessa idade, portanto, os planos não podem mais fazer reajuste por faixa etária, mas apenas o reajuste anual baseado na variação dos custos médico-hospitalares e na sinistralidade (númerovezesque o planosaúde é usado pelos pacientes).
"Por essa regra, o cara65 anos paga a mesma coisa que o cara85 anos. Isso faz com que o plano tenha que cobrar mais carotodo mundo na média", argumenta Suslik, que defende a volta das faixas adicionais para os idosos mais velhos.
Matheus Falcão, advogado do programaSaúde do Idec (Instituto BrasileiroDefesa do Consumidor), discorda da proposta e diz que a faixa única acima dos 59 anos foi estabelecida para proteger os direitos dos idosos.
"Conhecemos esse argumento, mas não concordamos com essa tese", diz Falcão. "Foi estabelecida uma faixa só porque o Estatuto do Idoso veta a discriminação entre idosos. A proibiçãoque haja reajustes distintos é uma formaproteger essa parcela da população", considera.
Segundo o advogado, o mercadoplanossaúde é orientado pelo princípio do mutualismo,que os setores mais jovens ajudam a financiar os mais velhos. "Você não pode individualizar o risco, isso quebra com a ideia do mutualismo. Se você permitir que as pessoas mais velhas recebam reajustes mais elevados, isso vai expulsando as pessoas nos níveis mais elevados e nada garantiria que as operadoras reduziriam o percentualreajuste."
Como a Prevent conseguiu então ser bem sucedida atendendo idosos?
Segundo dados da ANS, a Prevent Senior tem 76%sua carteirabeneficiários composta por idosos, comparado a uma média14,2% do setor. A idade média dos pacientes da operadora é66,6 anos, contra média setorial35,8 anos.
O que garante à operadora menores custos do que a concorrência e permite a ela oferecer planos mais baratos aos idosos é a verticalização, jargão do mundo dos negócios para quando uma empresa controla as diversas etapas do seu processo, sem terceirizá-las para outras companhias.
"A empresa conseguiu com muito sucesso implementar uma estrutura muito vertical, centrando grande parte dos atendimentos e exames, dos simples aos complexos,seus postosatendimentos e rede própriahospitais, conhecida como Sancta Maggiore", diz a XP Asset no seu relatório.
Suslik explica que o uso da rede própria permite à empresa um maior controle dos custos.
"Na rede própria, você consegue regular o usoexames,laboratórios,internações, o tempointernação, porque a rede é sua", diz o consultor, lembrando que outras operadoras também têm redes próprias, como NotreDame Intermédica, Hapvida e Unimed, no Brasil, e a Kaiser Permanente, no mercado americano.
Outro fator que reduz o custo da Prevent, segundo o ex-diretor do HC, é a regionalização.
"Se um paciente da PreventSão Paulo passar malManaus, ele não tem cobertura - quem compra sabe disso. Isso reduz custos porque, para ter uma cobertura nacional, é preciso credenciar serviços no país inteiro, para um númeropacientes muito pequeno, então o preço para credenciar é muito mais alto, porque você não tem poderbarganha", explica.
O problema desse modelo baseadorede própria e regionalização é a dificuldadeescalar o negócio. Isso explica por que somente2020 a Prevent Senior expandiuatuação para o RioJaneiro, ainda restrita à capital fluminense.
Plano individual ou coletivo?
Outra peculiaridade do modelonegócios da Prevent é apostar quase que exclusivamenteplanos individuais ou familiares, quando a maioria do setor prefere os planos coletivos, que são aqueles oferecidos por empresas ou associaçõesclasse, como os sindicatos.
Segundo a ANS, a Prevent tem 94,5%beneficiáriosplanos individuais ou familiares e somente 5,5%planos coletivos. No setorgeral, 81,4% dos beneficiários estãoplanos coletivos.
"A diferença é que, nos planos individuais, a definição do reajuste é feita pela própria ANS - recentemente, numa decisão inédita da agência, teve até um reajuste negativo. Enquanto isso, nos planos coletivos, há uma liberdadereajuste entre as empresas contratantes", explica Toledo, da Anab.
"Historicamente, o índicereajuste aplicado aos planos individuais é inferior àquele aplicado aos planos coletivos, então as operadoras já há muito tempo desestimularam a comercializaçãoplanos individuais e passaram a ter oferta maiorplanos coletivos."
Aqui, novamente, o representante do setorplanossaúde defende que uma menor regulação pela ANS poderia aumentar a competição no segmentoplanos individuais, dando mais opções aos consumidores. E aqui, tambémnovo, o advogado do Idec discorda.
"No entendimento do Idec, a solução seria que a regulação se estendesse também para os planos coletivos", diz Falcão, do institutodefesa do consumidor. "O problema não está na regulação dos planos individuais, está na faltaregulação dos planos coletivos, que permite às operadores cobrarem aí preços mais elevados."
Para o advogado, o que poderia reduzir custos no setorplanossaúde e permitir uma maior ofertaserviços para os idosos seria uma maior transparência nos custos das operadoras, o que beneficiaria empresas e consumidores, navisão.
Idosos sem alternativa
O resultado desse modelo único criado pela Prevent e da faltacompetição no segmentoque ela atua é que seus pacientes não têm muita opção, se ficarem descontentes.
"Se eu não tenho outra opção, ou a outra opção é pior, eu fico onde estou, é basicamente isso", diz Suslik.
Ele também descarta que as concorrentes tentem aproveitar a criseimagem da empresa para abocanhar parte do seu filão. "Esse modelo que eles fizeram é muito difícilcopiar, eles são muito especializados na terceira idade e são muito bons nisso. Mesmo quando o [ex-ministro da Saúde Luiz Henrique] Mandetta criticou a empresa, e eles também tiveram uma perdaimagem, aumentou o númeropacientes", exemplifica o consultor.
Ele faz referência a episódio ocorridomarço2020, quando o então ministro acusou a Prevent Seniorpromover "aglomeraçãoidosos", num momentoque a rede era destaque no noticiário pelo número elevadomortes por covid-19seus hospitais.
Toledo, da Anab, avalia que a situação da empresa poderia se complicar mais, caso as diversas investigaçõesandamento sobre a Prevent se estendam do âmbito da pandemia para outras práticas. Mas também avalia que as opções dos idosos são restritas.
"A partir dessas denúnciasimpulsionamento do 'kit covid', da hidroxicloroquina e outras coisas mais, por talvez ser um tratamento maisconta, mais barato, isso chama a atenção das autoridades e pode eventualmente ter desdobramentos para saber se esse tipoprática se replicavaoutros modelosatenção e assistência às pessoas", afirma.
O representante lembra que uma pesquisa do Instituto Vox Populi, encomendada pelo IESS (InstitutoEstudosSaúde Suplementar) e divulgadajunho deste ano, mostrou que ter um planosaúde é o terceiro maior desejo do brasileiro, atráscasa própria e educação.
"É claro que os idosos que têm lá seu dinheirinho querem ter uma assistência médica privadaqualidade, mas muitas vezes não cabe no bolso deles. Aí a Prevent Senior acaba apresentando uma solução com custo benefício interessante. O fatoela estar no centro da CPI arranha, é claro, a imagem da empresa, mas, no fim do dia, as pessoas nessa faixa etária não têm uma outra opção."
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