Homem negro é acusadojogo do pescador blazefurtar sapatos que comproujogo do pescador blazeloja no Mato Grosso:jogo do pescador blaze

Paulo Arifa

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, Paulo Arifa relata ter sido acusado injustamentejogo do pescador blazefurtojogo do pescador blazeshoppingjogo do pescador blazeCuiabá (MT)

Horas mais tarde, ele registrou um boletimjogo do pescador blazeocorrência sobre o caso, no qual relata ter sido vítimajogo do pescador blazeinjúria, calúnia e lesão corporal.

Quase 10 dias depois, o episódio ainda é uma situação que abala Paulo. Alguns dias, diz ele, têm sido mais difíceis e as recordações causam uma tristeza profunda.

No fim da manhã desta sexta-feira (18/6), ele disse à reportagem que se sentia mais confortável para falar sobre o assunto. "Mas ainda é muito difícil relembrar isso", confessou.

Para Paulo, o motivojogo do pescador blazeter sido acusadojogo do pescador blazefurto é claro: ele é um homem negro.

A lojajogo do pescador blazecalçados Studio Z e o Pantanal Shopping, locaisjogo do pescador blazeque ocorreram o episódio, lamentaram a situação e disseram que repudiam qualquer tipojogo do pescador blazepreconceito e discriminação.

'Achava que esse passado tinha ficado para trás'

Paulo Arifa

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, Servidor público relata ter vivido período traumático durante abordagemjogo do pescador blazeseguranças

A situação no shoppingjogo do pescador blazeCuiabá trouxe a Paulo lembranças amargas do passado. Nascido e criado na periferiajogo do pescador blazeBelo Horizonte (MG), ele já havia convivido por diversas vezes com episódios nos quais foi vítimajogo do pescador blazediscriminação.

"Era para eu estar acostumado com essa situação (como a do shopping), mas isso me abalou muito, porque eu achava que esse passado na periferia tinha ficado para trás", relata.

Enquanto muitos amigosjogo do pescador blazeinfância e adolescência na periferia estão "mortos ou presos", Paulo seguiu o caminho dos estudos. "Sou uma exceção. Eu sei disso. Nem era para chegar onde cheguei, mas a diferença é que eu tive pai e mãe presentes", comenta.

Ele se formoujogo do pescador blazeengenharia civil. Anos atrás, foi aprovadojogo do pescador blazeum concurso federal - ele frisa ter ingressado por meio do sistemajogo do pescador blazecotas - e se mudou para Mato Grosso.

Nos últimos anos, ele acompanhou notícias sobre pessoas negras injustamente acusadasjogo do pescador blazecrimes ou vítimasjogo do pescador blazeagressões pelo país. Esses casos sempre o abalaram, porém ele afirma que não esperava vivenciar algo semelhante.

Mas, naquela tardejogo do pescador blaze9jogo do pescador blazejunho, ele vivenciou o que considera o pior episódiojogo do pescador blazediscriminaçãojogo do pescador blazesua vida.

Naquele dia, Paulo estava trabalhandojogo do pescador blazecasa. A esposa havia levado o pai dela para uma consulta médica. Enquanto deixava os dois filhos,jogo do pescador blazetrês e cinco anos, na casa da cunhada, ele foi convocado para uma reunião presencial.

O servidor público conta que estava com roupas informais e chinelos, por isso decidiu passarjogo do pescador blazelojas do shopping para comprar um tênis e uma calça antesjogo do pescador blazechegar à reunião.

Por voltajogo do pescador blaze13h30, ele comprou um sapato na loja Studio Z e pagoujogo do pescador blazeespécie, com uma notajogo do pescador blazeR$ 100, e recebeu trocojogo do pescador blazeR$ 20. Paulo detalha que calçou o parjogo do pescador blazesapatos ainda no estabelecimento e saiu.

Enquanto entravajogo do pescador blazeuma outra loja, um segurança o abordou. "Ele disse algo que não entendi", detalha. Ele entrou no estabelecimento, provou uma calça, comprou e, enquanto saía, foi abordado por um grupojogo do pescador blazeseguranças. "Havia uma equipe e a vendedora me esperando. Ela me acusoujogo do pescador blazeter furtado o parjogo do pescador blazesapatos", relata.

"Tentei resolver a situaçãojogo do pescador blazetodas as maneiras possíveis. A legislação brasileira pressupõe que todo mundo é inocente até que se prove o contrário. Mas naquele momento eles já tinham convicçãojogo do pescador blazeque eu tinha pegado aqueles sapatos. Ou seja, eu que deveria provar a minha inocência", acrescenta o servidor público.

Paulo conta que ficou constrangido e tentou encontrar a nota fiscal do produto, mas estava muito nervoso e não localizou o comprovante naquele momento.

Sapatosjogo do pescador blazecouro expostosjogo do pescador blazeloja

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Paulo foi a um shopping comprar parjogo do pescador blazesapatos para participarjogo do pescador blazereunião e horas depois estavajogo do pescador blazeuma delegacia registrando boletimjogo do pescador blazeocorrência

Ele relata que mostrou os R$ 20 que recebeujogo do pescador blazetroco na lojajogo do pescador blazecalçados, para provar que pagou pelo produto. Porém, segundo Paulo, os seguranças disseram que aquilo não era uma prova.

Segundo Paulo, os seguranças ignoraram o apelo dele para que fosse liberado para que não se atrasasse para a reunião. Ele conta que os homens chegaram a falarjogo do pescador blazechamar a polícia, caso ele não comprovasse a origem dos sapatos.

O servidor público detalha que os seguranças queriam levá-lo para a salajogo do pescador blazesegurança do shopping. Quando percebeu essa intenção, ele se desesperou. Isso porque se lembroujogo do pescador blazecasos como ojogo do pescador blazeJoão Alberto Silveira Freitas,jogo do pescador blaze40 anos, um homem negro que foi espancado e morto por seguranças do supermercado Carrefour na zona nortejogo do pescador blazePorto Alegrejogo do pescador blazenovembro passado.

"Quando falaram que eu precisaria acompanhá-los, fui cercado e fiquei acuado. Falei que se equivocaram, porque não roubei nada. Fiquei com medo e vi que estavajogo do pescador blazesituaçãojogo do pescador blazeperigo, porque o pior poderia acontecer", emociona-se Paulo.

"Tentei me resguardar ao máximo. Tudo passou pela minha cabeça. Pensei nos riscos, nos meus filhos e sabia que tudo ali poderia acontecer", diz.

Ele conta que foi empurrado por um dos seguranças enquanto insistiam para que ele fosse para a sala. Nesse momento, Paulo pisoujogo do pescador blazefalso e lesionou o tornozelo direito.

A situação somente foi contornada após Paulo conseguir ligar para a chefe dele e informar sobre a situação. "Ela teve que ir ao shopping para me ajudar", diz. Após ela defender o servidor diante dos seguranças e alegar que ele tinha uma reuniãojogo do pescador blazepoucos minutos, Paulo foi liberado.

Ele estima que toda a abordagem dos seguranças durou cercajogo do pescador blaze10 a 15 minutos.

"Eu me sinto privilegiado por poder estar falando sobre isso agora. Especialmente por estar vivo. Sei que isso poderia terminar pior. Não sou o primeiro e nem o último que passa por isso. Não é possível que a sociedade não consiga mudar", desabafa o servidor público.

'Procedimento padrão'

O servidor público conta que localizou a nota fiscal do parjogo do pescador blazecalçados pouco após deixar o shopping. "Com calma, eu procurei novamente e encontrei a nota no bolso da bermuda que eu estava usando (antesjogo do pescador blazecomprar a calça)", relata.

Ainda consternado, Paulo participou da reuniãojogo do pescador blazetrabalho. Ao fim, por volta das 17h, retornou ao Pantanal Shopping. "Voltei para pegar o meu carro, que ficou estacionado lá. E aproveitei para apresentar a nota fiscal para a gerência do shopping para esclarecer que eu não havia furtado nada no local", diz.

Ele relata que a administração do shopping informou que a conduta dos seguranças foi um "procedimento padrão". Segundo Paulo, o relato dele foi registrado somente como uma reclamação.

Horas mais tarde, ele foi ao hospital e descobriu que havia lesionado o tornozelo direito durante a abordagem. Ainda no mesmo dia, registrou um boletimjogo do pescador blazeocorrência sobre o fato.

O caso está sendo investigado pela Polícia Civiljogo do pescador blazeMato Grosso. A reportagem questionou a instituição sobre as apurações, mas não obteve respostas até a conclusão deste texto.

Em nota, o Pantanal Shopping afirma que "não tolera nenhuma formajogo do pescador blazediscriminação ou violência e que o tratamento narrado não faz parte das diretrizes da empresa, que baseia a abordagem com o públicojogo do pescador blazeforma geraljogo do pescador blazevalores como ética e respeito".

Ainda no comunicado, o shopping argumenta que apurou os fatos relacionados à abordagem a Paulo, notificou a loja e afastou os seguranças envolvidos. "O shopping ressalta que irá reforçar o treinamento com a equipe para garantir que casos como este não voltem a se repetir", diz nota da empresa.

Vultosjogo do pescador blazepessoas caminhandojogo do pescador blazecorredorjogo do pescador blazeshopping

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Servidor público diz que os seguranças queriam levá-lo para a salajogo do pescador blazesegurança do shopping, o que fez ele ficar desesperado

Já a Studio Z diz,jogo do pescador blazenota, que o episódio é "profundamente lamentável" e "jamais poderá se repetir"jogo do pescador blazesuas unidades.

A empresa declara "absoluto repúdio" ao fato e afirma que usará o ocorrido no shoppingjogo do pescador blazeCuiabá como exemplojogo do pescador blazealgo que jamais deve ser feito. A Studio Z diz que nas próximas semanas irá anunciar um "extenso programajogo do pescador blazetreinamento com todas as equipes".

"Afinal, já somos uma empresa com mais da metade dos cercajogo do pescador blaze2100 colaboradores - e dos nossos cargosjogo do pescador blazeliderança - negros. Assim, não podemos e não vamos aceitar que isso se repita. Esse é o nosso compromisso com a sociedade, nossos clientes e nossos colaboradores", diz comunicado da empresa.

Para Paulo, as envolvidas no caso e as demais empresas do país devem treinar seus funcionáriosjogo do pescador blazeforma séria para que situações assim não se repitam. "Sei que o que vivi foi uma situação normal para todo negro. É simplesmente mais um caso no país. Espero que não volte a acontecerjogo do pescador blazeoutros locais, embora eu saiba, do fundo do meu coração, que continuará acontecendo", desabafa.

'O racismo sempre esteve presente'

O casojogo do pescador blazePaulo ocorreu no mesmo períodojogo do pescador blazeque uma outra história repercutiu no país. Um rapaz negrojogo do pescador blaze22 anos foi acusado por um casaljogo do pescador blazejovens brancosjogo do pescador blazeter furtado a bicicleta elétricajogo do pescador blazeuma jovem no Leblon, na zona sul do Riojogo do pescador blazeJaneiro.

O instrutorjogo do pescador blazesurfe Matheus Ribeiro registrou um boletimjogo do pescador blazeocorrência sobre o caso na segunda-feira (14/6). Ele relata que estavajogo do pescador blazefrente a um shopping, no último sábado (12/6), quando o casaljogo do pescador blazejovens se aproximou e a menina perguntou se a bicicleta era a dela, que havia sido furtada anteriormente.

Ele negou e mostrou imagens antigas dele com a bicicleta. Segundo o jovem, o namorado da garota quis encaixar um cadeado na bicicleta, para verificar se realmente não era a mesma que havia sido furtada.

Matheus filmou o momentojogo do pescador blazeque o rapaz havia acabadojogo do pescador blazeretirar o cadeado da bicicleta dele e comprovado que não era a mesma. O vídeo viralizou nas redes sociais e o instrutorjogo do pescador blazesurfe decidiu registrar um boletimjogo do pescador blazeocorrência sobre o caso.

Ao G1, Matheus relatou que não foi a primeira vez que sofreu uma abordagem desse tipo. "Essa foi a única vez que consegui gravar, mas também foi a mais constrangedora", disse. Para ele, o casal não teria a mesma postura se ele fosse branco.

Na noitejogo do pescador blazequarta-feira (16/6), a polícia prendeu o responsável pelo furto da bicicleta elétrica do casal do Leblon: um homem branco, conhecido como "Lorão".

O advogado Daniel Teixeira, diretor do Centrojogo do pescador blazeEstudos das Relaçõesjogo do pescador blazeTrabalho e Desigualdades (CEERT), ressalta que situações vividas por Paulo e Matheus fazem parte do cotidiano das pessoas negras.

"O racismo sempre esteve presente nas práticas sociais quaisquer que sejam. Como é estrutural e estruturante nas relações sociais,jogo do pescador blazetodos os setores é possível haver racismo como panojogo do pescador blazefundo nas relações entre as pessoas e nas instituições", diz à BBC News Brasil.

"Por conta disso, nas situações mais diversas é possível haver racismo. É um sistemajogo do pescador blazeopressão que hierarquiza brancos e negros. Existe uma inferiorização do negro e uma atribuiçãojogo do pescador blazesuperioridade a brancos. Isso pode acontecerjogo do pescador blazeuma escola, no comércio oujogo do pescador blazequalquer local", declara Teixeira.

Ele aponta que o racismo no país existe desde a chegada dos portugueses, que se colocaram como superiores aos indígenas.

"Ocorre que o Brasil não assume o seu racismo. Isso é cada vez mais insustentável e origina mais denúnciasjogo do pescador blazeum processojogo do pescador blazeconscientizaçãojogo do pescador blazepessoas negras e brancas sobre o tema. Percebem que não é só nos Estados Unidos que acontecem casos como ojogo do pescador blazeGeorge Floyd (homem negro morto estrangulado por um policial nos Estados Unidos durante uma abordagem). No cotidiano brasileiro há, todos os dias, um um Floyd, como o João Alberto, do Carrefour", diz.

"A pessoa negra sempre precisa estar com um RG ou com a nota fiscal, porque senão é interpeladajogo do pescador blazeforma violenta. Isso pode, inclusive, acarretar perdajogo do pescador blazevida", acrescenta.

A urbanista e escritora Joice Berth, pesquisadora sobre questões raciais ejogo do pescador blazegênero, afirma que ainda que muitas pessoas negras não admitam ou não falem a respeito do tema, elas já foram acusadasjogo do pescador blazeroubo ou perseguidasjogo do pescador blazelojas ao menos uma vez na vida.

"Muitas pessoas se espantam com casos como esses (como os do Paulo e do Matheus). Mas se as pessoas tivessem entendido como é o racismo, não se espantariam e nem achariam que são casos isolados. Isso é o retrato da pessoa negra construído no imaginário brasileiro, sempre relacionada a criminalidade, violência, selvageria e um comportamento primitivo que pode se manifestar a qualquer momento", diz.

Para ela, é fundamental haver um trabalho intenso nas escolas sobre questões raciais e também discussõesjogo do pescador blazetodas as famílias, negras ou brancas, para conscientizar sobre o tema.

Daniel Teixeira frisa que uma das formasjogo do pescador blazeenfrentar episódiosjogo do pescador blazeracismo é recorrer à Justiça. "Do pontojogo do pescador blazevista criminal, é possível punir pelo crimejogo do pescador blazeinjúria racial ou racismo. Há também responsabilidade civil, com indenização por danos morais ou materiais. Há aindajogo do pescador blazealgumas localidades, como São Paulo, que têm leis para punir o estabelecimentojogo do pescador blazeque ocorre a discriminação racial", explica.

A defesajogo do pescador blazePaulo Arifa não descarta recorrer à Justiça contra o shopping e a lojajogo do pescador blazecalçados, sob o argumentojogo do pescador blazeque o servidor público foi vítimajogo do pescador blazeatojogo do pescador blazeracismo.

"Somente após a apuração das autoridades policiais saberemos com propriedade como conduzir o caso", explica a advogada Suleyme Santos, responsável pela defesa dele.

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