Do medo da covid-19 à desolação: enfermeiros enfrentam danos psicológicos do trabalho na pandemia:bet7k com

Profissionaisbet7k comsaúde com equipamentosbet7k comproteção enquanto estão sentados. Um deles está com a cabeça baixa.

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Duramente afetados pela rotina da pandemia, profissionaisbet7k comenfermagem têm relatado diversas dificuldades a voluntáriosbet7k comprojeto focadobet7k comsaúde mental

Entre os casos que acompanhou, Dóris destaca um que a deixou muito comovida: uma enfermeira que se sentia culpada após a mãe morrerbet7k comdecorrência do novo coronavírus. "Ela acreditava que tinha sido a responsável por infectar a mãe. Foi uma das situações mais difíceis", relata.

O "Enfermagem Solidária" ajudou até mesmo a idealizadora do projeto. Em novembro passado, o maridobet7k comDóris morreubet7k comdecorrência da covid-19.

"Percebo que o "Enfermagem Solidária" até me ajuda a compreender melhor a perda que eu tive", diz.

Os enfermeiros na linhabet7k comfrente

Desde o começo da pandemia, os profissionaisbet7k comsaúde que estão na linhabet7k comfrente contra a covid-19 enfrentam situações extremasbet7k comesgotamento físico e mental, que se tornaram mais agudas nos picos da pandemia, como hospitais sobrecarregados, faltabet7k comequipamentosbet7k comsegurança e ausênciabet7k commedicamentos para intubar pacientes.

Esses trabalhadores também vivem com o medobet7k comserem vítimas do novo coronavírus e lidam com a saudadebet7k comcolegas que morrerambet7k comdecorrência da covid-19.

Dóris posa para selfie

Crédito, Arquivo Pessoal

Legenda da foto, Em março do ano passado, Dóris deu início ao "Enfermagem Solidária" para ajudar aqueles que estão na linhabet7k comfrente da pandemia

Em todo o Brasil foram registrados, desde o começo da pandemia, 56,1 mil casosbet7k cominfecções pelo novo coronavírus entre profissionaisbet7k comenfermagem e 784 mortes, segundo dados atuais do Observatóriobet7k comEnfermagem, do Cofen.

Doutorabet7k comsaúde mental e professora aposentada da Universidade Federalbet7k comSão Paulo (Unifesp), Dóris afirma que desde o princípio da pandemia não havia dúvidas da necessidadebet7k comuma iniciativa para apoiar os profissionaisbet7k comenfermagem. Após autorização do Cofen, ela procurou outros enfermeiros que também são especialistasbet7k comsaúde mental. Em poucos dias, o projeto recebeu diversos voluntários.

O "Enfermagem Solidária" entroubet7k comfuncionamento a partir do fimbet7k commarçobet7k com2020. Meses depois, passou a atender também alguns trabalhadores da área da radiologia.

A responsável pela iniciativa ressalta que o projeto não tem o objetivobet7k comsubstituir sessõesbet7k comterapia ou acompanhamento psiquiátrico.

"O que fazemos é uma escuta empática, para acolher esses trabalhadores. O objetivo é que esses profissionais desabafem. Se necessário, criamos uma rotina com aquela pessoa, pedimos para ela voltarbet7k comoutro momento também para conversar", explica Dóris.

"Alguns psicólogos ligaram para tentar ajudar no projeto, mas o meu objetivo era reunir voluntários que fossem da enfermagem e com especializaçãobet7k comsaúde mental. Era um sentimentobet7k comque outros enfermeiros poderiam dar um apoio melhor aos colegasbet7k comprofissão no atual momento, porque conhecem a rotinabet7k comtrabalho", acrescenta.

Dóris posa ao lado do marido, Oswaldo Humerez

Crédito, Arquivo Pessoal

Legenda da foto, Em novembro, o médico Oswaldo Humerez, maridobet7k comDóris, morreubet7k comdecorrência da covid-19

Os relatos ao longo da pandemia

O projeto funciona por meiobet7k comum chat no site do Cofen. Ali, profissionaisbet7k comenfermagem desabafam com os voluntários por meiobet7k comtextos. "Acredito que quando eles escrevem o que sentem, também refletem sobre aquilo", afirma Dóris.

Ela comenta que os desabafos dos profissionaisbet7k comsaúde mudaram ao longo dos mesesbet7k compandemia. No início, segundo Dóris, a maior parte dos relatos eram referentes ao medo intensobet7k comcontrair o novo coronavírus e infectar a família.

"Era uma situação quase geral. Os profissionais se queixavam que não havia equipamentobet7k comproteção adequado ou, quando havia, não recebiam treinamento para usá-los. Era uma situação na qual ainda estavam se ajustando, pois era começo da pandemia", relata.

Meses depois, segundo a enfermeira, o medo da contaminação pelo vírus desapareceu. "A impressão foibet7k comque todos já haviam aceitado que estavam contaminados ou seriam contaminadosbet7k comalgum momento. Muitos profissionais passaram a mudarbet7k comcasa para proteger a família. Alguns alugaram casa com colegasbet7k comprofissão para não colocar os parentesbet7k comrisco", diz Doris.

"Com o passar do tempo, essa distância da família causou uma sensaçãobet7k comdesamparo, porque estavam distantes dos entes queridos. Alguns diziam que passavam na rua abanando a mão para o filho ou para a mãe. Foi um período sofrido ebet7k comdesamparo, porque eles precisavam da família naquele momento", comenta a enfermeira.

Outra situação que se tornou frequente entre os relatos foi sobre o estigma que passou a ser associado aos profissionais que trabalhambet7k comhospitais.

"Em determinado momento, começaram a aplaudir os profissionaisbet7k comsaúde. Mas ao mesmo tempo, esses trabalhadores foram estigmatizados. Houve situaçõesbet7k comenfermeiros hostilizados no transporte público ou até nos condomíniosbet7k comque moravam. Parecia que a sociedade queria os profissionaisbet7k comsaúde cuidando, mas não queriam eles por perto. Queriam que eles morassem no hospital e ficassem por lá", diz Dóris.

Quando os casos começaram a reduzir no país, por volta do fim do ano passado, o "Enfermagem Solidária" ficou desativado por cercabet7k com20 dias. Porém, o projeto logo voltou a funcionar, no períodobet7k comque a situação no Amazonas voltou a ficar crítica.

"Quando chegou essa segunda onda no Amazonas, começamos a atender o caos. Nesse período, percebemos que os enfermeiros começaram a se perguntar: o que estamos fazendo aqui? Para que estamos aqui? Isso não vai acabar? Havia muitos óbitos e muitos diziam que não queriam mais trabalharbet7k comUTIs", relata.

No início deste ano, segundo Dóris, o cansaço extremo e os temores relacionados à pandemia aumentaram entre os profissionais do país,bet7k comrazão da explosãobet7k comcasosbet7k comcovid-19.

Enfermeiros reunidosbet7k comsala para atender paciente

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Desencanto com a profissão na pandemia é um dos relatos mais comuns entre os profissionaisbet7k comenfermagem

"Eles viram quantidadesbet7k comóbitos que nunca haviam visto. Antes, eles eram como salvadores, pois conseguiam salvar muitas vidas. Eles estudaram e se especializaram para isso. Mas nos primeiros meses deste ano se desencantaram com tantos óbitos. Eles pensavam: isso não vai ter fim, o que estou fazendo aqui?", relata Dóris.

Após enfrentar explosãobet7k commortes pela covid-19 no primeiro quadrimestre do ano, o Brasil registrou queda nos númerosbet7k comóbitos. Nos últimos dias, porém, os números voltaram a subirbet7k comalgumas regiões do país.

No mês passado, os óbitos pelo novo coronavírus entre os enfermeiros caírambet7k com71%bet7k comcomparação ao mês anterior. Enquantobet7k commarço foram 83 mortes pela covid-19 na categoriabet7k comtodo o país,bet7k comabril foram 24. Os dados são do Cofen, que aponta que fatores como a vacinação — profissionais da saúde são prioritários — e melhor conhecimento sobre os protocolos para combater o novo coronavírus foram fundamentais para reduzir as mortes desses trabalhadores.

Apesar do cenário atual mais ameno,bet7k comcomparação aos primeiros meses deste ano, Dóris afirma que o desencanto com a profissão ainda é frequente entre os trabalhadores da saúde. "É o que estamos sentindo nos relatos atualmente", diz. Esse sentimento, aponta a enfermeira, ocorre por tudo o que ocorreu nos últimos meses e pelo temorbet7k comuma nova explosãobet7k comcovid-19 no país.

No período recente, o "Enfermagem Solidária" faz uma médiabet7k com80 atendimentos diários.

Do início do projeto até hoje, muitos daqueles que buscam ajuda são trabalhadores que sofrembet7k comdepressão, transtorno do pânico ou ansiedade generalizada. "Alguns já haviam sido diagnosticados por psiquiatras", relata Dóris. Muitos desses transtornos foram agravados durante a pandemia. "A depressão com vontadebet7k comdesistirbet7k comtudo é a situação mais frequente", afirma a enfermeira.

'Ela dizia que foi a responsável por infectar a mãe'

Um dos casos mais marcantes para Dóris no "Enfermagem Solidária" ocorreubet7k commaiobet7k com2020. Na época, uma enfermeira que havia perdido a mãe para a covid-19 buscou ajuda.

"Ela dizia que estava chorando muito porque havia sido a responsável por infectar a mãe. Foi um caso muito difícil, tentei explicar para ela que qualquer um poderia contaminar o outro durante a pandemia", relata Dóris.

No relato,bet7k commaio do ano passado, a enfermeira contou que a mãe era muito cuidadosabet7k comrelação à prevenção contra a covid-19. "Essa moça dizia que não tinha dúvidasbet7k comque a mãe tinha morrido por causa dela. Era uma culpa tão grande essa moça tinha até ideação suicida. Era muito doído, porque ela acreditava que precisava pagar por ter contaminado a mãe", relembra Dóris.

Enfermeiros com equipamentosbet7k comproteção conversambet7k comhospital

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Em todo o país, maisbet7k com770 profissionaisbet7k comenfermagem morrerambet7k comdecorrência da covid-19 desde março do ano passado

"Ela falava que a mãe era saudável e feliz. Cada vez mais, ela se culpava pela morte da mãe. Foi uma história muito triste", diz a enfermeira.

Dóris conversou com a moça por diversas vezes ao longo dos meses. "Consegui fazer com que ela se sentisse melhor. De vezbet7k comquando, ela ainda me escreve e diz que está um pouco melhor. É muito importante termos esse retorno positivo, que recebemosbet7k commuitos casos", comenta.

A perda do marido

Enquanto liderava o projeto, Dóris sofreu uma perda que a afetou duramente. O marido dela, o médico Oswaldo Humerez,bet7k com70 anos, morreubet7k comdecorrência da covid-19bet7k comnovembro passado.

Ele trabalhavabet7k comuma unidadebet7k comsaúde do Guarujá,bet7k comSão Paulo — cidadebet7k comque o casal morava. Emocionada, a viúva relata a situação na qual o companheiro acredita ter contraído o novo coronavírus. "Ele estava saindo da unidadebet7k comsaúde quando viu que um médico mais novo estava intubando um paciente. Ele quis ajudar e recebeu uma carga viral enorme, porque não estava com todos os equipamentosbet7k comproteção, apenas com a máscara. Quando ele chegoubet7k comcasa, me disse; se eu peguei o coronavírus, foi hoje."

O marido dela apresentou os primeiros sintomas da doença. Logo a situação se agravou e Oswaldo precisou ser internado. Ele ficou cinco dias intubado, mas não resistiu às complicações do novo coronavírus.

"Foi tudo muito rápido e inesperado. Ele não tinha comorbidades, era esportista, jogava tênis e até dava uma surfadinha. Ele era muito vivo", lamenta Dóris, que também contraiu o novo coronavírus e teve sintomas leves.

"Pelo menos depois me informaram que o paciente que ele intubou conseguiu se salvar. Ao menos uma coisa boa", acrescenta.

Dóris e Oswaldo foram casados por 40 anos. Eles tiveram uma filha. Logo após a perda do marido, a profissionalbet7k comsaúde relata que ficou deprimida e com medobet7k comrelação ao projeto "Enfermagem Solidária".

"Não sabia se daria contabet7k comajudar aqueles vários voluntários que acreditavambet7k commim e no meu projeto. Mas o fatobet7k comachar que eles precisavambet7k commim fez com que eu criasse coragem para voltar", relata.

Quando retornou ao "Enfermagem Solidária", recebeu apoio intenso dos outros voluntários. "Todo mundo me deu força e isso me ajudou", diz Dóris.

Ela confessa que os atendimentos mais difíceis atualmente são osbet7k comprofissionaisbet7k comsaúde que perderam parentes para a covid-19. "Tenho que ficar firme quando atendo casos que são semelhantes ao meu, senão eu choro também. Apesarbet7k comdifícil, eu tento ajudar aquela pessoa que também está passando por isso, porque sei como é uma situação muito pesada", diz Dóris.

"Tenho a impressãobet7k comque está sendo um período difícil para todo mundo, para mim também", acrescenta.

Enquanto a pandemia segue sem prazo para acabar, o "Enfermagem Solidária" continuabet7k comfuncionamento. No primeiro quadrimestre deste ano foram, ao menos, 3,5 mil atendimentos.

"Depois que a pandemia for controlada, vamos pensarbet7k comum novo modelobet7k comprojeto para acompanhar a saúde mental dos profissionaisbet7k comenfermagem", afirma Dóris.

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