'Tratoraço': entenda o suposto 'orçamento secreto'Bolsonaro, que deverá ser investigado pelo TCU:

Presidente Jair Bolsonaro

Crédito, Marcos Corrêa/PR

Legenda da foto, Entendaoito pontos o que é o suposto "orçamento secreto"Bolsonaro, porque ele pode configurar crimeresponsabilidade

Além disso, a destinaçãorecursos aconteceudezembro2020, pouco antes das eleições que escolheram os novos presidentes da Câmara e do Senado, no iníciofevereiro.

Isso sugere, segundo analistas, que a disponibilização do dinheiro pode ter sido uma formao governo influenciar o voto dos parlamentares no pleito. Daí a analogiaCastello Branco com o escândalo do "mensalão", revelado2005, durante o primeiro governoLuiz Inácio Lula da Silva (PT), que envolveu repassesrecursos a parlamentarestrocaapoio político.

O governo federal e os parlamentares citados negam irregularidades.

Na segunda-feira (10/05), o subprocurador-geral do Ministério Público junto ao TCU (TribunalContas da União), Lucas Furtado, solicitou que o tribunal investigue o caso.

Na representação, Furtado avalia que o suposto esquema pode configurar eventual crimeresponsabilidade. Foi o entendimentoque a ex-presidente Dilma Rousseff teria cometido crimeresponsabilidade no caso das "pedaladas fiscais" que levou ao impeachment da petista2016.

"Os fatos noticiados pelo site do jornal Estadão denotam,tese, inadequada execução orçamentária, motivada supostamente por interesses políticos edesvirtuamento do princípio da isonomia que orienta a distribuiçãorecursos, (...) podendo caracterizar eventual crimeresponsabilidade, por atentar contra a lei orçamentária", escreveu o subprocurador-geral do Ministério Público junto ao TCU.

Entendaoito pontos o que é o suposto "orçamento secreto"Bolsonaro, porque ele pode configurar crimeresponsabilidade e o que deve vir pela frente, após o pedidoinvestigação pelo Ministério Público ao TCU.

1) Como o governo destinou R$ 3 bilhões a parlamentaressua baseapoio?

Para entender o esquema do "orçamento paralelo"Bolsonaro, primeiro é preciso compreender como funcionam as emendas do Orçamento federal.

Segundo o site do Senado Federal, as emendas do Orçamento "são propostas por meio das quais os parlamentares podem opinar ou influir na alocaçãorecursos públicosfunçãocompromissos políticos que assumiram durante seus mandatos, tanto junto aos Estados e municípios, quanto a instituições".

As emendas sãoquatro tipos: individual,bancada,comissão e do relator.

As emendas individuais são destinadas a cada senador ou deputado. As emendasbancada são coletivas,autoria das bancadas estaduais ou regionais. Também são coletivas as emendas apresentadas pelas comissões técnicas da Câmara e do Senado.

Já as emendas do relator (também conhecidas no jargão burocrático pelo código RP9) são feitas pelo deputado ou senador que, num determinado ano, foi escolhido para produzir o parecer final sobre o Orçamento. Em 2021, o relator-geral do Orçamento foi o senador Marcio Bittar (MDB-AC).

Foram as emendas desse último tipo que possibilitaram a distribuição "por debaixo dos panos"R$ 3 bilhões aos parlamentares da base do governo, conforme a reportagem do Estadão.

"As emendasrelator existem há muito tempo", lembra Castello Branco, da Contas Abertas. "Na horafechar o Orçamento, às vezes precisavauma correção técnica da destinaçãorecursos para alguma área que precisava ser melhor contemplada. Então essas emendas eram um espaço para esses pequenos ajustes técnicos feitos pelo relator."

Segundo o especialistacontas públicas, a partir do Orçamento2020, no entanto, as emendas do relator passaram a receber um volume extraordináriorecursos. Naquele ano, o então relator Domingos Neto (PSD-CE) destinou R$ 30 bilhões a esse tipoemendas. Após embate entre Congresso e governo, parte dessa verba foi devolvida ao Executivo.

No Orçamento2021, isso se repetiu. Na véspera da aprovação da peça orçamentária, o senador Marcio Bittar retirou recursosdespesas obrigatórias como Previdência, seguro-desemprego e abono salarial para destinar maisR$ 26 bilhões às emendasrelator.

Novamente, a manobra repercutiu muito mal, e parte do recurso foi devolvida ao Executivo para recompor as despesas obrigatórias. Ainda assim, Bittar conseguiu manter cercaR$ 16 bilhõesemendas do relator.

O que o escândalo do suposto "orçamento secreto" revelou é que R$ 3 bilhões dessa verba foram disponibilizados a alguns deputados e senadores, que puderam definir, atravésofícios ao Ministério do Desenvolvimento Regional, para que esse dinheiro deveria ser usado.

Senador Marcio Bittar (MDB-AC).

Crédito, Edilson Rodrigues/Agência Senado

Legenda da foto, Em 2021, o relator-geral do Orçamento foi o senador Marcio Bittar (MDB-AC)

2) Para que foi usado o dinheiro?

O Orçamento federal é divididoprogramas e ações orçamentárias.

No caso do "orçamento paralelo"Bolsonaro, as principais ações envolvidas são duas: "apoio à política nacionaldesenvolvimento urbano voltado à implementação e qualificação viária" e "apoio a projetosdesenvolvimento sustentável local integrado".

"Na primeira ação, o parlamentar pode pedir pavimentação, calçadas, redeabastecimentoágua, esgotamento sanitário, contençãoencostas - todas elas iniciativasgrande apreço dos deputados e senadores, porque isso gera votos", diz Castello Branco.

"Na segunda ação, o parlamentar pode pedir pavimentaçãoestradas vicinais [vias não pavimentadas, geralmente municipais, que são usadas como conexões entre áreas rurais e urbanas] e pode pedir também a compratratores, pás carregadeiras, roçadeiras, caminhões, escavadeiras, usinasasfalto", enumera o secretário-geral da Contas Abertas.

"Então essas duas ações são as preferidasnove entre dez parlamentares, ainda mais porque estamos num ano pré-eleitoral e qualquer uma dessas obras gera retorno nas eleições."

Segundo a reportagem do Estadão, o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), por exemplo, determinou a aplicaçãoR$ 277 milhõesverbas do Ministério do Desenvolvimento Regional. Desse montante, R$ 81 milhões teriam sido destinados pelo senador à Codevasf (CompanhiaDesenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba), estatal que seria controlada pelo parlamentar e outros políticos.

Em outro exemplo, conforme o jornal, o governo teria liberado R$ 359 mil para compraum trator, cuja despesa normal deveria seraté R$ 100 mil, por indicação do deputado Lúcio Mosquini (MDB-RO). O deputado Vicentinho Junior (PL-TO) também teria destinado R$ 600 mil à Codevasf para compramáquinas.

Esses são apenas alguns casos, do total101 ofícios a que O EstadoS. Paulo teve acesso, envolvendo 37 deputados e cinco senadores.

3) Por que o caso do ' tratoraço ' é diferente do uso normal das emendas parlamentares?

Élida Graziane, procuradora do Ministério PúblicoContas do EstadoSão Paulo, lembra que, nos últimos anos, fora feitas quatro emendas à Constituição - a emenda 862015 e as emendas 100, 102 e 1052019 - para tentar conferir critérios impessoais, transparentes e isonômicos para as emendas parlamentares.

Castello Branco explica que essas mudanças na Constituição tornaram as emendas individuais,comissão ebancadas impositivas, ou seja,pagamento obrigatório. Isso porque havia uma reclamação antigaque os governos sempre favoreciam os parlamentares da base,detrimento da oposição.

"Essas emendas têm valores fixados. No ano passado, por exemplo, cada parlamentar tinha R$ 8 milhões para gastaremendas. Então era igual para todo mundo: o deputado da situação tinha R$ 8 milhões, o deputado da oposição tinha R$ 8 milhões e as emendas tinham que ser liberadas obrigatoriamente", explica o especialista.

Foi quando o Orçamento se tornou todo impositivo que as emendas do relator passaram a ganhar recursos mais vultosos, numa tentativaburlar esses critérios isonômicos.

Pelas regras atuais, o Congresso pode indicar áreas genéricas para o investimento dos recursos das chamadas emendas RP9, mas a definição dos municípios e projetos específicos a serem efetivamente contemplados cabe exclusivamente ao Executivo.

O Congresso até tentou impor o destino dessas emendas, mas isso foi vetado pelo próprio presidente Jair Bolsonaro que argumentou que a medida contrariava o interesse público e estimulava o "personalismo".

Mas o que se vê no caso do suposto "orçamento paralelo" é justamente esse descaso com o interesse público e o personalismoação, avalia Castello Branco.

"Neste caso, o governo abriu para alguns parlamentares do seu interesse a possibilidadeindicar onde desejariam alocar recursos, além das emendas tradicionais", explica o especialista.

"O que seria destinado por critérios técnicos passou a obedecer a interesses políticos paroquiais. E sem transparência, pois apenas as pastas sabem quem indicou o que, para onde, com qual valor", afirma.

"É um 'mensalão' disfarçadoemendas parlamentares. Compra explícitaapoio político", opina o fundador da Associação Contas Abertas.

4) Por que isso é um problema para a transparência e o controle das contas públicas?

Segundo Castello Branco, o grande problema das emendas do relator ou RP9 é que elas são na prática uma "caixa-preta".

No caso das emendas individuais,comissão ebancada, o site SIGA Brasil, do Senado Federal, disponibiliza um painel para acompanhamento. É possível saber quem fez, qual o valor, o objetivo e se as emendas já foram pagas.

Já nas emendas do relator não há essa possibilidadecontrole público.

"A faltatransparência é tal que, se esses ofícios a que o Estadão teve acesso não tivessem aparecido, jamais alguém saberia que a Flávia Arruda (PL-DF) fez emenda, que o Arthur Lira [Progressistas-AL] fez emenda", exemplifica Castello Branco.

A procuradora Élida Graziane tem avaliação similar.

"Fica claro o risco que a existênciaexecução descentralizada dentro das emendasrelator traz a respeitodirecionar os recursosforma subjetiva para quem é da baseapoio do governo, sem parâmetro inclusiveaderência ao planejamento setorialpolíticas públicas", diz Graziane.

"Nós caminhamos tanto nos últimos anos tentando aperfeiçoar o processo orçamentário, dar ao Parlamento maior autonomia, garantir o repasse obrigatóriorecursos para o Parlamento exercer seu papelfreio e contrapeso, para agora voltarmos a uma coisa opaca, sem critérios impessoais e com prestaçãocontas frágil. É um trato 'balcanizado' da coisa pública", avalia.

5) O 'orçamento paralelo' se assemelha a escândalos do passado?

Os dois especialistascontas públicas são unânimes na avaliaçãoque sim.

Além do mensalão, lembrado pelo representante da Associação Contas Abertas, a procuradora Élida Graziane cita ainda semelhança com o caso dos "Anões do Orçamento".

Nesse escândalo, que foi alvouma CPI (Comissão ParlamentarInquérito)1993, durante o governoItamar Franco (PMDB), um grupo37 políticos foi investigado por manipular emendas parlamentes com o objetivodesviar dinheiro público.

"Parece que não aprendemos com os erros, por isso eles se repetemforma mais grave", diz Graziane.

"Os Anões do Orçamento na década1990 eram 'anões' porque eram parlamentarespouca expressão nacional. Agora, é o próprio Centrão e o colégiolíderes que estão alijando a representação democrática das minorias e a garantiaum critério impessoal e isonômico."

Castello Branco também vê semelhança com a liberaçãoemendas parlamentares durante o governoFernando Henrique Cardoso (PSDB) para a aprovação da emenda constitucional nº 16,1997, que possibilitou a reeleição para ocupantescargos do Poder Executivo.

Em setembro2020, FHC avaliou que a aprovação da mudança1997 foi "um erro".

Presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira [Progressistas-AL]

Crédito, Luis Macedo/Câmara dos Deputados

Legenda da foto, "A faltatransparência é tal que, se esses ofícios a que o Estadão teve acesso não tivessem aparecido, jamais alguém saberia que a Flávia Arruda (PL-DF) fez emenda, que o Arthur Lira [Progressistas-AL] fez emenda", exemplifica Castello Branco

6) O caso do 'orçamento paralelo' pode caracterizar crimeresponsabilidade?

A Constituição lista como crimesresponsabilidade os atos do presidente da República que atentam contra: a própria Constituição; a existência da União; o livre exercício dos poderes Legislativo e Judiciário, do Ministério Público e dos Estados; o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; a segurança interna do país; a probidade administrativa; a lei orçamentária; o cumprimento da lei e das decisões judiciais.

Conforme a representação apresentada na segunda-feira (10/05) pelo subprocurador-geral do Ministério Público junto ao TCU, Lucas Furtado, o caso do "orçamento secreto" pode "caracterizar eventual crimeresponsabilidade, por atentar contra a lei orçamentária, nos termos do art. 85, inciso VI, da Constituição Federal."

7) Quais são os próximos passos, após o pedidoinvestigação feito ao TCU?

Segundo Castello Branco, após a solicitação do subprocurador-geral Lucas Furtado, o TCU deve se ver na obrigaçãoabrir uma investigação.

"Há indícios, que precisarão ser comprovados,que o esquema teria sido uma formacompra explícitaapoio político", afirma o especialistacontas públicas.

Graziane explica que o TCU pode, por exemplo, declarar a irregularidade das despesas e dar a conhecer ao Ministério Público Federal para que ele entrejuízo contra quem deu causa a eventuais situaçõessobrepreço, enriquecimento ilícito e dano ao erário. Depois disso, caberia ao Judiciário punir por eventual improbidade.

Castello Branco lembra que há também um pedidoCPI no Congresso, mas ele acredita que isso não deve prosperar, já que a oposição não tem votos suficientes para criar uma comissão investigativa e os parlamentares do Centrão não têm interesse nisso, por serem os beneficiários do suposto esquema.

8) O que diz o governo emdefesa?

Em nota publicada na segunda-feira (10/05), o Ministério do Desenvolvimento Regional repudiou as acusações feitas pelo jornal O EstadoS. Paulo.

"É do Parlamento a prerrogativaindicar recursos da chamada emendarelator-geral (RP9) do Orçamento. O RP 9 foi criado por iniciativa do Congresso Nacional2019, e não pelo Executivo, como erroneamente tenta afirmar a manchete do jornal", diz a pasta.

O ministério afirma ainda que possui uma dotaçãoR$ 6 bilhões para 2021 com baseemendasrelator (RP9) e apenas R$ 3,8 bilhõesrecursos discricionários (RP2). "O esforço para recompor o corte44% das despesas discricionárias do MDR e evitar a paralisiaobrashabitação, saneamento e segurança hídrica vêm sendo amplamente noticiado", afirma o ministério.

Quanto à afirmaçãoque equipamentos teriam sido comprados pela pasta com sobrepreço, o ministério afirma que "a acusação se baseiaum preçoreferência que não existe no Governo Federal. A reportagem utiliza uma cartilha meramente ilustrativa, com preços2019, que não refletem variações do momento econômico pós-pandemia e as especificidades das regiões brasileiras."

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