Covid-19 acentua crise do setorbetano ahemodiálise e 140 mil brasileiros correm risco sem tratamento:betano a
Sua mãe lhe doou um rim que durou apenas cinco anos.
Aos 15, Gabriella fez hemodiálise pela primeira vez, até receber um segundo transplante, dessa vezbetano aum doador falecido. Mas o rim paroubetano afuncionar um ano e meio depois, quando a moça tinha apenas 18 anos.
Desde então, Gabriella faz pelo menos três sessõesbetano ahemodiálise na semana numa clínica a 10 minutosbetano acarro dabetano acasa,betano aVitória do Santo Antão,betano aPernambuco.
Nesses oito anosbetano atratamento, fez faculdade, formou-se nutricionista, casou e engravidou.
"Minha filha é um milagre porque é mais difícil para uma paciente renal crônica engravidar. Tudo que eu consegui conquistarbetano abom na minha vida eu devo à hemodiálise, sem ela eu não teria sobrevivido", diz ela à BBC News Brasil.
Gabriella é usuária do SUS e faz as sessõesbetano adiálise na Clínica do Rimbetano aVitóriabetano aSanto Antão.
Trata-sebetano auma unidade privada, mas que depende totalmente dos recursos que recebe do sistema público. Durante a gravidez, Gabriella fez seis sessõesbetano adiálise na semana,betano asegunda a sábado, 24 sessões no mês. Mas o SUS só pagou por 18 dessas sessões.
"O restante somos nós que bancamos", conta a nefrologista Suzana Moraisbetano aOliveira Melo, gestora da clínica. "Temos levado muitos prejuízos, mas sabemos que se não dialisarmos o paciente pode morrer", lamenta.
A clínica onde Gabriella faz diálise está endividada e corre o riscobetano afechar aindabetano a2021. Se isso acontecer, Gabriella e outros 329 pacientesbetano aseis municípios ficarão sem o atendimento e terão que ser transferidos pela Secretariabetano aSaúde local para unidades mais distantes, e 82 funcionários serão demitidos.
A unidadebetano aseis sócios atende no local há 20 anos, com todos os pacientes vindos do SUS.
A gestora da clínica conta que os prejuízos vêm se acumulando mês após mês: "Nosso equilíbrio financeiro já era apertado por causa da faltabetano areajuste da tabela do SUS há maisbetano aquatro anos. A situação se agravou demais na pandemia, com a subida astronômicas dos (preços dos) insumos e os custosbetano aequipamentos novosbetano aproteção e afastamentosbetano afuncionários. Hoje, meus custos mensais sãobetano aR$ 930 mil, e minhas entradas sãobetano aR$ 860 mil".
A gestão tem usado empréstimos para honrar a folhabetano apagamento e feito todos os cortes possíveis: três médicos já foram demitidos. Exames complementares oferecidos aos pacientes, como raio-x e ultrassonografia, foram cortados.
O almoço, essencial para a recuperação no meio das sessões cansativasbetano adiálise, foi substituído por um lanche. A clínica também deixoubetano ainvestirbetano anovos equipamentosbetano adiálise, que ficam obsoletosbetano a10 anos.
Segundo a gestora, os sócios também não recebem remuneração há meses. "Antes eu ainda tirava R$ 6 mil por mês pra me sustentar, mas agora nem isso eu tenho mais. A minha vida pessoal se tornou um caos, eu e a clínica estamos no limite", afirma Suzana.
Relatosbetano atodo o país
A realidade da clínicabetano aVitória do Santo Antão, a 56 km do Recife, não é uma exceção.
No Centrobetano aNefrologiabetano aItabaiana, no agreste sergipano, o cenário é parecido. O nefrologista José Roberto Nogueira Lima pensabetano afechar a clínica nos próximos seis meses por causa das dívidas com fornecedoresbetano ainsumos médicos, que se acumulam.
"Nossos pacientes são muito pobres e só podem comer o que têmbetano acasa, geralmente muita macaxeira, cuscuz e banana prata".
Os alimentos, ricosbetano asódio e potássio, são como veneno para um paciente renal crônico, que passa a precisarbetano amais sessõesbetano adiálise.
"Alguns dialisam cinco vezes na semana, mas o SUS só cobre quatro sessões, o resto nós bancamos".
Se a clínica fechar, 130 pacientes podem ficar sem atendimento e 32 funcionários podem ser demitidos.
A faltabetano areajuste da tabela do SUS vembetano aanos. Recentemente, esse quadro foi agravado por uma longa listabetano aoutros custos novos e sufocantes que a clínica tem suportado.
"A caixabetano a100 luvas cirúrgicas antes da pandemia custava R$ 5, agora custa por voltabetano aR$ 90", relata o médico.
A heparina — substância usada para impedir coagulação sanguínea nas sessões — hoje custa por voltabetano aR$ 35 por ampola, diz José Roberto.
"Antes da pandemia, comprávamos por R$ 14, R$ 15".
De 70 gestoresbetano aunidadesbetano adiálisebetano a15 estados brasileiros ouvidos pela BBC News Brasil, 47 estão enfrentando algum tipobetano adificuldade para fazer os investimentos essenciais e honrar a folhabetano apagamento. Desses, 18 consideram reduzir a capacidadebetano aatendimento, demitir funcionários ou até mesmo fechar as portas nos próximos seis meses.
Pandemia piorou problema
Em marçobetano a2020, quando eclodiu a crise do coronavírus, o preço dos insumos hospitalares disparou por causa das dificuldadesbetano afornecimento do mercado chinês, do aumento da procura e da disparada do dólar.
"Nossa empresa se endividou por causa da tremenda inflação dos insumos", conta Karla Israel, gestorabetano auma clínicabetano aManaus.
"Ainda não recebemos pelos atendimentosbetano adezembro e janeiro, o custo dos insumos aumentou significativamente e o valor das sessõesbetano ahemodiálise do SUS está sem reajuste há muitos anos", reclama Maria Amélia Abdo Barreto, que administra uma clínicabetano aAdamantina (SP).
No Rio, "praticamente todos os prestadoresbetano anefrologia (do Estado) estão quebrados, não conseguem mais atender", afirma o executivo Bruno Haddad, presidente da DaVita Tratamento Renal, uma das maiores multinacionais do ramo, que administra 76 clínicasbetano adiálise no país, oito delas no estado fluminense.
Sufocamento econômico
Das 820 unidadesbetano adiálise abertas hoje no país, pelo menos 710 são privadas. Apesar disso, elas prestam serviço ao SUS e são responsáveis por 85% dos atendimentos dos pacientes do sistema, conforme informações do último Censo Nacionalbetano aDiálise da Sociedade Brasileirabetano aNefrologia (SBN).
As unidades privadas recebem do orçamento da saúde por procedimento realizado, com base numa tabela que não é reajustada há quatro anos, e isso explica parte dos problemas que o setor vem experimentando: atualmente, o valor pago pelo SUS por sessãobetano ahemodiálise ébetano aR$ 194,20.
O último reajuste foibetano ajaneirobetano a2017, quando a remuneração da sessão passoubetano aR$ 179,03 para o valor atual. Se corrigido pela inflação medida pelo IGP-M,betano ajaneirobetano a2021, esse valor deveria serbetano aR$ 281,63.
De acordo com Carlos Octávio Ocké-Reis, economista e ex-presidente da Associação Brasileirabetano aEconomiabetano aSaúde (ABrES), o fenômenobetano adegradação da saúde pública tem ligação direta com a emenda constitucional 95, a PEC do tetobetano agastos, que criou um novo modelobetano afinanciamento do SUS a partir da inflação passada.
"A implantação dessa política num país que já apresentava um sistema universalbetano asaúde subfinanciado mostra seus resultados nefastos nas filasbetano acirurgia eletiva, consultas com especialistas e tratamentosbetano amédia e alta complexidade como a diálise. De lá pra cá, o gasto público per capita com saúde vem diminuindo a passos largos", explica.
É nesse cenáriobetano aarrochobetano aremunerações do SUS que a capacidade financeira das clínicasbetano ahemodiálise tende a se debilitar mais. A salvação nos últimos anos tem sido atender planosbetano asaúde privados, que remuneram melhor, para equilibrar a defasagem do SUS e fechar a conta.
"Quem gere clínicabetano adiálise sabe que uns 15%betano apacientesbetano aconvênio equilibram os 85% atendidos pelo SUS", afirma José Roberto, da clínicabetano aItabaiana (SE).
Entre os grandes do mercado, a lógica se assemelha: "uma clínica que só atende pacientes do SUS não funciona. Mesmo uma clínica com um mix razoável com convênios particulares já sofre muito e não consegue se sustentar", afirma o presidente da DaVita no Brasil.
Aumentobetano aimpostos
Em janeirobetano a2021, o governo do Estadobetano aSão Paulo revogou a isençãobetano aICMS sobre a vendabetano ainsumos médicos para clínicasbetano ahemodiálise, passando a tributá-losbetano a18%. A medida tem efeito no custo do atendimentobetano atodo o país, já que o Estado concentra as principais unidadesbetano afabricaçãobetano ainsumos.
Após negociaçãobetano anove meses com as principais entidades representativas do setor, o Ministério da Saúde liberoubetano a29betano adezembrobetano a2020, para estados e municípios, um aporte únicobetano aR$ 109 milhões.
Os recursos devem ser rateados entre as unidadesbetano adiálise do país. São numerosos, no entanto, os relatosbetano aque o dinheiro ainda não chegou onde deveria chegar. Dezenasbetano aentrevistados e as entidades representativas também apontaram que os repasses regularesbetano adezembro também não foram pagosbetano atodo o país.
Endividamento dos pequenos
É nesse cenário que as contasbetano anumerosas unidadesbetano atodo o país têm se tornado deficitárias, gestores pequenos e médios têm se endividado para pagar custos fixos, enquanto as grandes multinacionais investem recursos aguardando a melhora do mercado.
O gestor da DaVita não quis entrarbetano adetalhes sobre os planosbetano ainvestimentos no país, mas afirmou que, apesarbetano ao momento atual ser ruim, "a visão da DaVita para o Brasil ébetano alongo prazo, mas só acreditamos que isso seja possível com a melhora desse contexto. Os pequenos estão quebrando e os grandes estão tentando sobreviver".
Após a abertura do mercado brasileirobetano asaúde ao capital estrangeirobetano a2015, grandes multinacionais como DaVita, Diaverum e Fresenius Medical Care têm feito um forte movimentobetano aaquisiçãobetano aclínicasbetano adiálise no Brasil, e já respondem por 15% do setor, conforme artigo intitulado "Perspectivas Globaisbetano aDiálise: Brasil", publicadobetano amarçobetano a2020 na revista científica Kidney360, uma das publicaçõesbetano anefrologia mais importantes do mundo.
Apenas no primeiro semestrebetano a2020, a DaVita adquiriu oito clínicas privadas no país, conforme informações do site oficial da empresa.
Se nos centrosbetano amaior renda as chancesbetano asobrevivência das clínicas são maiores por causa da remuneração dos convênios particulares e interessebetano amultinacionais nas regiões mais rentáveis, é nos interiores e regiõesbetano amenor renda que a crise do setor tende a chegar ao paciente renal crônico com mais força.
É justamente o casobetano aGabriella: "aquibetano aVitória do Santo Antão, não tem clínicabetano aconvênio médico, eu não tenho condiçõesbetano apagar por um, muito menos por uma hemodiálise particular".
Nesses lugaresbetano amenor renda, o SUS é a única fontebetano afinanciamento possível para o setorbetano adiálise. No interior brasileiro, são comuns históriasbetano apacientes que precisam viajar até 300 km para um município maior, três vezes por semana, para fazer o tratamento.
O que pode acontecer nesses lugares mais vulneráveis se o subfinanciamento do setor persistir?
O presidente da Associação Brasileirabetano aCentrosbetano aDiálise e Transplante (ABCDT), Marcos Vieira Alexandre, oferece um diagnóstico pessimista: "as clínicasbetano adiálise ainda não receberam sequer os aportesbetano adezembro, quem não tem capitalbetano agiro está se endividando e os equipamentos estão ficando velhos".
"Vemos a chancebetano acolapso do sistema, com unidadesbetano adiálise fechando por todo o país. Isso vai gerar um problemabetano adesassistência sério e vai pressionar as vagasbetano ainternação hospitalar disponíveis, que serão ocupadas por pacientes aguardando vagasbetano adiálise", diz Alexandre.
Bruno Haddad, da DaVita, vai mais longe: "são cinco anos sem reajustes e os custos médicos vêm subindo a uma inflação médiabetano a17 a 20%. A pandemia só veio para intensificar essa situação. (...) Muitobetano abreve, o SUS vai sofrer um colapso porque os pacientes não terão onde ser atendidos e migrarão para os hospitais públicos, que não têm capacidadebetano aabsorver nem 5% da demanda desse tipobetano apaciente - que piora muito rápido quando não têm acesso aos cuidados".
Gabriella Moreira conversa com os médicos que cuidam dela e sabe da possibilidadebetano aa Clínica do Rimbetano aVitória do Santo Antão fechar nos próximos meses. "Estou muito nervosa, já tive crisesbetano apânico por causa disso."
Se a clínica fechar, talvez ela seja realocada para uma clínica no Recife ou atébetano aCaruaru, a duas horasbetano aviagem dabetano acasa - se houver vagas.
O pacientebetano adiálise costuma sair muito cansadobetano acada sessão: "a sensação ébetano ater corrido uma maratona, eu chegobetano acasa moída. Se precisar viajar pra longe três vezes por semana, vou ter que desistir da carreirabetano anutricionista e terei muita dificuldadebetano aestar presente para minha filha", desabafa.
"Tenho medobetano afaltar vagabetano ahemodiálise, mesmo longebetano acasa, e eu não ver a minha filha crescer, medobetano amorrer. Por agora, eu decidi viver e lutar."
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