'Mãe, fica tranquila, a gente tá dentrofederal loteriacasa': as famílias destruídas pela violência policialfederal loteriaplena pandemia:federal loteria

Crédito, Família Rocha

Legenda da foto, Igorfederal loteriacasa comfederal loteriafamília

Trabalhando para sustentar a família, Ana Paula criou sozinha seus quatro filhos, Bruna, Bárbara, Beatriz e Igor, com um salário mensalfederal loteriaR$ 1,5 mil. Eles dividiam a casa no Jardim São Savério, na periferia da Zona Sulfederal loteriaSão Paulo, região que é parte da rota da linhafederal loteriaônibusfederal loteriaque Ana Paula trabalha. Desde o dia do crime, ela desvia o olhar sempre que o ônibus passa perto da viela. "Não consigo".

No diafederal loteriaque Igor foi baleado, Ana Paula estava há 11 dias isoladafederal loteriaseu quartofederal loteriacasa, saindo apenas para receber atendimento médico, com febre alta e muita faltafederal loteriaar, sintomas fortesfederal loteriacoronavírus. "Eu vivia mais no hospital do quefederal loteriacasa, os médicos chegaram a querer me intubar", lembra.

Naquele 2federal loteriaabril, Igor acordou tarde e quis ir à padaria comprar pão e batata palha, para almoçar as sobrasfederal loteriacachorro-quente da noite anterior. A mãe pediu que ele trouxesse também um pacotefederal loteriacigarros. Saiufederal loteriacasa por volta das 13h15; apenas dez minutos depois, Ana Paula ouviu os gritos no portão.

"Mataram um menino. Mataram um menino e parece que é o Igor."

Aterrorizada, ela lembrafederal loteriadescer correndo as escadas do sobrado e sair pela porta da frente, subindo a rua com dificuldades para respirar,federal loteriacenas registradasfederal loteriavídeos amadores que circulam pela internet. Lembrafederal loteriater tirado a máscara antesfederal loteriaenxergar o filho, caído.

"Eu vifederal loterialonge o tênis que ele estava usando, reconheci que era ele". Ela se recorda também do choro desesperado da filha, Bruna. "Foi na cabeça mãe! O tiro foi na cabeça".

Nessa hora, a mãe entroufederal loteriapânico. Filmadas pelos celularesfederal loteriavárias testemunhas, imagens bem gráficas mostram Bruna e Ana Paula sendo violentamente contidas enquanto tentam passar pelo número cada vez maiorfederal loteriapoliciaisfederal loteriatorno do corpofederal loteriaIgor.

"Doeu muito vê-lo daquele jeito. É uma cena que eu não desejo para ninguém", diz ela, emocionada,federal loteriaentrevista concedida à BBC News Brasil no pátio da escolafederal loteriaque Igor estudava.

"Os policiais o colocaram na maca e o embrulharam como se ele estivesse vivo, com o rosto para fora. Não me deixaram chegar perto, ficaram me segurando. Aí, levaram ele pro hospital. Não me deixaram ir na ambulância".

O atestadofederal loteriaóbito emitido no hospital confirmou que Igor morreu na hora, com um único tiro na nuca. Imagens e relatosfederal loteriatestemunhas mostram que ele caiu perto da padaria,federal loteriabruços, no chão.

Dez meses depois, ninguém foi preso pelo assassinatofederal loteriaIgor, mas a Polícia Militarfederal loteriaSão Paulo diz que o caso ainda está sob investigação. Informaram também que o policial suspeito pela mortefederal loteriaIgor não foi afastado do atendimento ao público e continua trabalhando normalmente.

A mãe diz que, ainda no local, um dos policiais disse a ela que o menino foi baleadofederal loteriauma trocafederal loteriatiros, dando a entender que Igor estava armado. "Eu, nervosa, comecei a gritar, 'mentira! Meu filho acaboufederal loteriasairfederal loteriacasa. Eu tô com covid, meu filho não estava saindofederal loteriadentrofederal loteriacasa. Todos esses dias'."

Legenda da foto, Ana Paula Rocha, mãefederal loteriaIgor

Testemunhas também disseram à BBC que não viram Igor com uma arma. A políciafederal loteriaSão Paulo afirma que ainda não concluiu a investigação sobre a versão dos policiais.

Ana Paula diz que a vida, a partirfederal loteriaagora, é lutar por justiça para Igor. Mas teme que a reação do sistema judiciário reflita o preconceito contra quem mora nos bairros mais pobres da cidade. "Se meu filho fosse filhofederal loteriarico, o policial já estaria na prisão. Já estaria preso".

Um isolamento com recordefederal loteriamortes

Nos primeiros seis mesesfederal loteria2020, justamente quando muitas pessoas deixaramfederal loteriacircular pelas ruas para se protegerem do vírus, 3.148 pessoas foram mortas pela polícia no Brasil,federal loteriaintervenções policiais. Em média, 17 pessoas morreram por dia.

No Riofederal loteriaJaneiro, Estado com 16 milhõesfederal loteriahabitantes, o número absolutofederal loteriapessoas mortas pela polícia nos seis primeiros meses do ano foi maior que o registradofederal loteriatodos os Estados Unidos. Em São Paulo, o númerofederal loteriamortos pela polícia no semestre foi recorde para o período desde 2001, início da série histórica do Fórum Brasileirofederal loteriaSegurança Pública, entidade que há décadas reúne e analisa dadosfederal loteriaviolênciafederal loteriatodos os Estados do país.

Mas no Brasil, embora a visibilidade dos casos tenha crescido e ganhado mais adesão e espaço na agenda pública com o crescimento das redes sociais, a violência policial raramente gera protestosfederal loteriamassa, na escala daqueles que levaram milharesfederal loteriapessoas às ruas nos EUA e na Nigéria contra a brutalidade policial no ano passado. A reação nas ruas, no exemplo dos casos relatados nesta reportagem, se concentrou mais a protestos localizados nos bairros das vítimas, ou a grandes campanhas nas redes sociais.

Em São Paulo, as famílias têm encontrado apoio e orientação na busca por resistência por meiofederal loteriaum movimento social, a Redefederal loteriaProteção e Resistência contra Genocídio, que atuafederal loteriacada bairro onde há vítimas, organizando açõesfederal loteriaprotesto e resistência. No casofederal loteriaIgor, por exemplo, foram eles que ajudaram Ana Paula a organizar uma sériefederal loteriaprotestos que, embora localizados na região do crime, marcaram a revolta dos amigos e família. "A mobilização das famílias é resultadofederal loteriaum imenso trabalhofederal loteriaresistência", diz Marisa Feffermann. "Com a pandemia, a violência policial nas periferias tem se escondido. Por isso, queremos usar esse espaço para denunciar esses casos."

Legenda da foto, Ana Paula com familiaresfederal loteriaprotesto contra a mortefederal loteriaIgor

Para analisar quais vidas estiveram mais ameaçadas durante o primeiro semestre da pandemia, a BBC,federal loteriacolaboração com o Fórum Brasileirofederal loteriaSegurança Pública, analisou os perfisfederal loteriamaisfederal loteriamil pessoas mortas pela polícia no Estadofederal loteriaSão Paulo e no Riofederal loteriaJaneiro nos primeiros seis mesesfederal loteria2020.

Os dados confirmam uma tendência antiga:federal loteriaSão Paulo, mais rico Estado do Brasil e onde a grande maioria das pessoas se declara branca, quase 60%federal loteriatodos os mortos pela polícia eram brasileiros negros. Maisfederal loteria99%federal loteriatodos os mortos eram do sexo masculino e quase 30% tinham menosfederal loteria24 anos.

No Rio, o Estado mais letal do Brasilfederal loteriatermosfederal loteriabrutalidade policial, a proporção é ainda maior: 75%federal loteriatodos os mortos pela polícia eram negros. O que comprova que um jovem, negro e do sexo masculino, no semestrefederal loteriaque a pandemia chegou ao Brasilfederal loteria2020, tinha cinco vezes mais chancesfederal loteriaser morto pela polícia do que um jovem branco.

Ponto importante: nos números analisados pela BBC, todas as estatísticas sobre pessoas vivas referem-se a categorias raciais autodeclaradas. Para os mortos, a filiação racial foi registrada conforme consta nos registros policiais.

No Brasil, a descrição racial da vítimafederal loteriahomicídio é feita pelo médico legista ou pelo policial investigador, utilizando as amplas categoriasfederal loteriapreto, branco, outro ou desconhecido. Os negros, neste caso, geralmente incluem indivíduos negros e pardos, mestiços.

Crédito, Família Rocha

Legenda da foto, Filmado pelo celularfederal loteriaum familiar, o sanguefederal loteriaIgor corre na rua enquantofederal loteriamãe fala com um policial

Caso dois: Guilherme Guedes, sequestrado e morto aos 15 anos, 14federal loteriajunhofederal loteria2020

Uma das mortes mais violentasfederal loteria2020 no Brasil foi afederal loteriaGuilherme Guedes, que desapareceufederal loteriafrente à casa da avó, na Vila Clara, Zona Sulfederal loteriaSão Paulo. Foi encontradofederal loteriaDiadema (SP), no dia seguinte, morto a tiros e com sinaisfederal loteriatortura.

"Eu preferia, hoje, que meu filho tivesse pegado covid-19, né? Do que ter morrido da forma que ele morreu. Muitos falam assim pra mim, "é planofederal loteriaDeus". Não, pra mim não é planofederal loteriaDeus. Deus vai planejar uma pessoa morrer com dois tiros na cabeça?", questiona Joyce da Silva dos Santos, mãefederal loteriaGuilherme.

Crédito, Família Santos

Legenda da foto, Guilherme com a mãe, Joyce da Silva dos Santos

A última vez que Joyce viu o filho foifederal loteriaum churrascofederal loteriafamília, para inaugurar a casa nova que Guilherme havia ajudado a limpar e organizar após a mudança. Descrito pela mãe como seu melhor amigo e "homem da casa", ajudandofederal loteriatudo, Guilherme se ofereceu para acompanhar a avó atéfederal loteriacasa, porque era tarde da noite. No caminho, ele parou para comprar coxinhas, lanche preferidofederal loteriaGui, conta Joyce.

Depoisfederal loteriase despedir da avó, Guilherme passou pelo quintal da casa; avistou outro menino dafederal loteriaidade e atravessou a rua para encontrá-lo. Os depoimentos indicam que o menino avisou Guilherme para tomar cuidado, porque dois policiais à paisana vinham emfederal loteriadireção.

"Mas o Gui disse: Não. Não vou embora, não devo nada ", diz Joyce." Então ele ficou. E é quando os dois chegam", conta Joyce.

Os suspeitos aparecem claramente nas imagensfederal loteriacâmerasfederal loteriasegurançafederal loteriafrente à casa da avófederal loteriaGuilherme, que mostram dois homens cercando Guilherme na rua. Pouco depois, Guilherme não aparece mais.

Seu corpo foi descoberto seis horas depois, abandonado a quilômetros dali.

A autópsia mostrou que, alémfederal loteriasinaisfederal loteriatortura, ele levou dois tiros: um no lábio e outro na nuca.

Legenda da foto, Joyce da Silva dos Santos, mãefederal loteriaGuilherme

"No dia seguinte minha irmã foi ao Instituto Médico Legal (IML). Perguntaram se ele tinha uma tatuagem e que confirmasse onde estava. Foi quando disseram a ela: 'É ele'.

Sete meses depois, a Secretariafederal loteriaSegurança Públicafederal loteriaSão Paulo afirma que as investigações já terminaram e os dois suspeitos do vídeo foram identificados. Atualmente na prisão e aguardando julgamento, o sargento Adriano Fernandesfederal loteriaCampos nega todas as acusações. A polícia continua procurando o segundo suspeito, o ex-policial Gilberto Eric Rodrigues.

Desde a infância, Joyce conta que Guilherme sempre teve medo da polícia, mas que ela sempre lhe disse que não havia motivo, porque os policiais existem para proteger as pessoas. "Eu tirei o medo dele", diz Joyce. "Mas hoje, prefiro que meus outros filhos tenham medo da polícia."

"Acho que para eles todo mundo que mora na periferia é criminoso. Acham que um meninofederal loteria15, 16, 17 anos não pode ter tênisfederal loteriamarca nos pés".

Entre a violência e o vírus

No ano passado, o Riofederal loteriaJaneiro foifederal loterialonge o Estado mais mortal do Brasilfederal loteriatermosfederal loteriaviolência policial letal, respondendo por um quartofederal loteriatodas as mortes por policiaisfederal loteriatodo o país.

Por que o Rio é tão mortal? A resposta envolve a estratégia das operações policiais antidrogas, açõesfederal loteriaque dezenasfederal loteriapoliciais entram nas favelas, muitas vezes apoiados por helicópteros e veículos blindados,federal loteriabuscafederal loteriatraficantes e chefes do crime organizado.

Legenda da foto, Grupo protesta contra o assassinatofederal loteriaGuilherme Guedes

Como jornalista que mora e trabalha nas favelas, Bruno Itan costuma ser o primeiro a chegarfederal loteriamuitos dos confrontos entre a polícia e o tráfico. Mas no ano passado,federal loteriameio à crescente pandemiafederal loteriacoronavírus, Bruno descreve uma operação policialfederal loteriaque a violência foi ainda mais chocante.

"Assim que cheguei, vi muitos corpos espalhados pelas ruas. Foi tão horrível que acho que por um momento, as pessoas se esqueceram do vírus. Foi uma cenafederal loteriaguerra, com sangue por toda parte e buracosfederal loteriaarmafederal loteriafogo."

Era meio-diafederal loteriasexta-feira quando maisfederal loteriauma dezenafederal loteriapoliciais entraram no Complexo do Alemão perseguindo traficantes. Duas horas depois, os moradores locais dizem que pelo menos 12 pessoas foram mortas e cinco corpos deixados para trás pela polícia, no meio da rua.

Presos entre a violência e o vírus, muitos moradores foram forçados a interromper o isolamento e deixar suas casas para limpar os corpos sob o sol escaldante do verão no Rio.

"Todo mundo estava ajudando. Algumas pessoas estavam limpando o sangue, outras distribuindo lençóis, outra pessoa emprestava o carro, enquanto outras ajudavam a carregar os corpos", diz Itan, que viu ali uma cenafederal loteriasolidariedadefederal loteriameio ao caos.

Crédito, João Wainer

Legenda da foto, Grande parte da população urbanafederal loteriabaixa renda vivefederal loteriafavelas

"Eles precisavam ajudar uns aos outros. A mãe não ia conseguir carregar o corpo do filho sozinha ".

Crescendo nas favelas, Bruno diz que aprendeu a conviver com a violência; sabe o que fazer quando o grupofederal loteriaWhatsApp da comunidade o alerta sobre uma operação policial. A regra é buscar abrigo no chão do banheiro ou atrásfederal loteriauma porta, mas sempre longefederal loteriaquaisquer vidros ou janelas.

Mas para Bruno, apesarfederal loteriater vivido centenasfederal loteriaoperações, a escalada da violência policial no ano passado, combinada com a pandemia, representou uma subidafederal loteriatom.

"A violência sempre vem, mas nunca 12 pessoas mortasfederal loteriauma manhã. Talvez uma ou duas. Uma ou duas morrendo, você pode achar estranho, mas infelizmente para nós, isso se tornou normal. Mas 12?"

Uma históriafederal loteriaviolência

Por que a políciafederal loteriaalguns Estados do Brasil é tão agressiva? Parte da resposta está no passado. Saindofederal loteriauma ditadura militarfederal loteria21 anos, na qual milhares foram torturados e centenas mortos, o Brasil tem duas forças policiais: a Polícia Militar e a Polícia Civil.

Grande parte do treinamento da Polícia Militar, até hoje, utiliza táticas e ideologia similares aofederal loteriaum exército, apesarfederal loteriaserem os principais responsáveis ​​pelo policiamento diário das ruas. Já a Polícia Civil assume mais funções judiciais,federal loteriainteligência e administrativas.

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Policial militar durante patrulha

Como ex-chefe da Polícia do Estado do Riofederal loteriaJaneiro, Robson Rodrigues da Silva diz que a pressão sobre os policiais no Brasil não pode ser subestimada. Com uma das maiores taxasfederal loteriacriminalidade do mundo, ele argumenta que a polícia no Brasil é mal paga e com apoio insuficiente. Com o tempo, a imprevisibilidade e a volatilidade do trabalho comprovadamente tendem a causar "danos psicológicos significativos" a muitos policiais.

"A suposição geralfederal loteriaqualquer policial é que muito provavelmente alguém estará armado." diz Robson, especialmentefederal loteriaáreas dominadas por traficantes. "Porque a quantidadefederal loteriaarmasfederal loteriafogo disponíveis nessas áreas reflete o quão ineficiente o sistema é para evitar que tais armas cheguem facilmente às mãos dos criminosos. Isso gera tensão e medo, e quando isso se manifestafederal loteriaum policial, ele é muito mais provavelmente reagirá mal a uma situação. "

Mas para Robson, como ex-policial no Riofederal loteriaJaneiro, nenhum lugar é mais perigoso para ser policial do que nas favelas da cidade do Riofederal loteriaJaneiro.

O Brasil se importa com as vidas negras?

Como o último país do hemisfério ocidental a abolir a escravidão, o Brasil continua profundamente desigual, com negros e pardos brasileiros vivendo, historicamente,federal loteriasituaçõesfederal loteriamaior vulnerabilidade socialfederal loteriadiversos indicadores não sófederal loteriasegurança pública, masfederal loteriasaúde, educação e oportunidades.

Nas estatísticasfederal loteriaviolência, a letalidade policial não é a única modalidadefederal loteriaque os negros são a maioria das vítimas. De acordo com dados mais recentes,federal loteria2019, os negros representam 74,5% das vítimasfederal loteriahomicídio doloso, 68,3% das vítimasfederal loterialesão corporal seguidafederal loteriamorte e 65,1% dos policiais assassinados.

Em dez anos, enquanto o assassinatofederal loterianão-negros diminuiu 12% entre 2008 e 2018, o homicídiofederal loteriapessoas negras cresceu 11,5% no mesmo período.

Legenda da foto, Velas acesasfederal loteriaprotesto contra a mortefederal loterianove pessoas durante ação policialfederal loteriaSão Paulo

"Diferentemente daquela visãofederal loteriaque a sociedade brasileira é uma sociedade pacífica, a realidade nos mostra que é diferente. Você tem violência no trânsito, altas taxasfederal loteriahomicídio, violênciafederal loteriatorcida nos jogosfederal loteriafutebol, linchamento. A violência está entranhada nas estruturas sociais", diz o antropólogo Robson Rodrigues da Silva. Ele tem conhecimentofederal loteriacausa: coronel da reserva da Polícia Militar do Riofederal loteriaJaneiro (PMERJ), comandoufederal loteria2010 a coordenação geral das Unidadesfederal loteriaPolícia Pacificadora (UPPS), tentativa do Estadofederal loteriacriar um policiamento comunitário nas favelas, retomando espaços dominados pelo tráfico. Vê nas estatísticas, além do efeitofederal loteriapolíticas equivocadasfederal loteriaguerra às drogas, os reflexos do racismo que dita as relações sociais no país.

"Por mais que se negue o racismo estrutural existe, e os efeitos são perversos. Como o país que manteve a escravidão por mais tempo a gente ainda não conseguiu achar um caminho para que isso melhorasse", diz.

Caso três: João Pedro Matos Pinto, 18federal loteriamaiofederal loteria2020

Nos primeiros meses do ano passado, um aumento nas mortes cometidas por policiais no Riofederal loteriaJaneiro fez com que 2020 se colocasse no caminho dos recordesfederal loteriabrutalidade policialfederal loteriadécadas. De janeiro a maio, o númerofederal loteriamortosfederal loteriaintervenções policiais no Estado foi o maior para o período desde 2003: 744 pessoas.

A curva da letalidade policial só passou a cair depois da mortefederal loteriaum adolescente,federal loteriamaio, que paralisou todas as operações policiais nas favelas do Riofederal loteriaJaneiro. João Pedro Matos Pinto, morto dentro da casa dos primosfederal loteriauma operação sem mandato judicial.

Crédito, Família Matos

Legenda da foto, João Pedro Matos Pinto

Depoisfederal loteriadisparar maisfederal loteria70 tiros dentrofederal loteriacasa, João Pedro foi morto por uma balafederal loteriafuzil nas costas.

"João era uma criança muito caseira. Onde quer que fosse, estava sempre com os pais. A rotina dele era escola, casa, igreja", conta Rafaela Coutinho Matos, professorafederal loteria36 anos, diz que revive diariamente cada momento daquela segunda-feira, quando, preocupadafederal loteriagarantir que a pandemia do coronavírus passasse bem longefederal loteriasua família, ela ouviu a voz do filhofederal loteria14 anos pela última vez.

No diafederal loteriaque seu filho foi morto, Rafaela estava emfederal loteriacasafederal loteriaSão Gonçalo, na periferia do Rio. João tinha ido brincar na casa do primo a 15 minutos dali, na região da Praia da Luz,federal loteriaItaoca. Por volta das 14h30, ela ouviu o helicóptero da polícia.

"Liguei para o João e falei: 'Filho, estou muito preocupada porque o helicóptero está dando tiro. Mas ele disse:' Mãe, fica tranquila, a gente tá dentrofederal loteriacasa'."

Foi a última vez que Rafaela falou com o filho.

As investigações da polícia e relatosfederal loteriatestemunhas apontam que, após o lançamentofederal loteriaduas granadas, a polícia entrou na casa atirando. As autoridades, à época, chegaram a alegar que seus policiais estavam perseguindo vários traficantesfederal loteriadrogas armados, que teriam pulado o muro e entrado na propriedade.

A mãe e diversos depoimentos afirmam que, assim que os policiais entraram na casa, os adolescentes correramfederal loteriadireções diferentes para se esconderem dos tiros pelos quartos. Deitadosfederal loteriabruços no chão, as crianças colocaram os braços sobre a cabeça para se proteger. Paralisados pelo medo, só mais tarde perceberam que João havia levado uma bala pelas costas.

"Quando eles falaram que havia sido um tiro (perto da barriga), eu imaginei que tivesse sido um tirofederal loteriaraspão, alguma coisa assim. Eu não imaginava que tinha sido um tirofederal loteriafuzil", diz Rafaela, aos prantos.

João,federal loteriaacordo com os depoimentos das testemunhas, foi levado ao helicóptero da polícia. As autoridades afirmam que ainda estão investigando como seu corpo foi removido. Mas seus amigos e primos dizem que um dos jovens foi obrigado a carregar o corpo até o próprio carro e transportá-lo até o helicóptero.

Por 17 horas, Rafaela não sabia para onde seu filho havia sido levado. A família passou a noite toda visitando hospitais locais e fazendo campanha nas redes sociais com a hashtag #procurase João Pedro, até que descobrissem o corpofederal loteriaum necrotério.

Legenda da foto, Maisfederal loteria70 tirosfederal loteriafuzil atingiram a casa onde estava João

Apesarfederal loteriaganhar grande destaque na mídia brasileira, Rafaela teme que ninguém seja preso ou punido pelo assassinatofederal loteriaseu filho. Porque ela diz que João não é o primeiro filho perdido para a violência policial, tampouco será o último.

Racismo e preconceito

"Olha, eu nunca conversei com João a respeito do racismo. Nunca parei para pensar a respeito até mesmo porque eu nunca imaginei estar vivendo o que eu estou vivendo hoje. Mas eu acho que foi preconceito, sim. Porque os policiais acham que toda pessoa que mora na favela é bandido. Nem todo mundo que mora na favela é bandido. E geralmente esses assassinatos acontecem sim com pessoas negras", diz Rafaela. "Se fosse na Zona Sul oufederal loteriaqualquer outro lugar, eles não entrariam atirando".

O governador (afastado) do Riofederal loteriaJaneiro, Wilson Witzel, declarou publicamente à época que João era inocente e que seu assassinato seria totalmente investigado. Mas, 8 meses depois, ninguém foi preso.

O casofederal loteriaJoão Pedro gerou comoção nacional tão grande que motivou uma decisão sem precedentes do Supremo Tribunal Federal. Todas as batidas policiais foram suspensas temporariamente, durante a pandemia.

A análise dos dados do Fórum Brasileirofederal loteriaSegurança pública aponta que, antes que as operações policiais parassem,federal loteriamédia 150 pessoas eram mortas por mês.

Legenda da foto, O filho da professora Rafaela Coutinho Matos, João Pedro, foi morto pela polícia aos 14 anos

Masfederal loteriajunhofederal loteria2020, depois que as operações policiais foram suspensas, 34 pessoas foram mortas, 80% menos do quefederal loteriajunhofederal loteria2019. O que indica que, ao impedir as operações, centenasfederal loteriavidas foram salvas.

Questionado pela BBC se as batidas policiais seriam reiniciadas após o fim da quarentena, a segurança do Riofederal loteriaJaneiro respondeu apenas que "todas as operações são realizadas com base na inteligência e seguem rígidos requisitos legais, sempre priorizando a preservação da vida".

Para o coronel da reserva Robson Rodrigues da Silva, essa queda no númerofederal loteriamortos não foi inesperada. "Ao interromper esse ciclo vicioso, algo que esperávamos aconteceu; uma redução drástica tanto nas mortesfederal loteriapoliciais quanto nas mortesfederal loteriapoliciais. Isso mostra que a escolha da guerra como estratégia para enfrentar o inimigo, diga-sefederal loteriapassagem , está tudo errado e precisamos rever nossa estratégia ".

Mas, como Robson aponta, as operações policiais nos moldes das que são adotadas no Rio ameaçam não só civis, mas a própria polícia. Policiais negros, que são maisfederal loteria60% dos policiais assassinados no Brasilfederal loteria2019, são mais vulneráveis ​​à violência letal do que seus colegas brancos.

"O mesmo problemafederal loteriagarantir a mobilidade social enfrentado pelos negrosfederal loterianosso país também existe dentro da polícia. Porque apesarfederal loteriater muitos policiais negros, eles estãofederal loterianíveis mais baixos na hierarquia", diz Robson.

Como coordenador na áreafederal loteriaanálisefederal loteriadados do Fórum Brasileirofederal loteriaSegurança Pública, David Marques rejeita a tesefederal loteriaque o racismo dentro da força policial é simplesmente um produto do racismo na sociedade brasileira.

"Para que a força policial participe da luta contra a violenta desigualdade racial, é necessário construir um debate mais amplo sobre o impacto do racismo na segurança pública e que essa discussão motive os policiais a mudarem seu cotidiano na rua.

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Policiais durante operaçãofederal loteriafavela do Riofederal loteriaJaneiro

"Além disso, é necessário aprofundar a discussão sobre a vitimização policial. Mais policiais morreram forafederal loteriaserviço e suicídio do que no trabalho. Isso significa abordar a questão das condiçõesfederal loteriatrabalho da polícia é fundamental."

Examinando o númerofederal loteriapoliciais mortos nos primeiros seis mesesfederal loteria2020, a pesquisafederal loteriaMarques constatou que dos 103 policiais mortos, 70% deles estavamfederal loteriafolga, oufederal loteriabicos como segurança como formafederal loteriaaumentar a renda, insuficiente.

Justiça?

Para as mãesfederal loteriaIgor Rochas Ramos , Guilherme Guedes e João Pedro Matos Pinto, o desafio das famílias agora é lugar para que a justiça seja feita. Mas mesmofederal loteriacasos com mais pressão da opinião pública, como o João Pedro, Daniel Lozoya, defensor público do Núcleofederal loteriaDefesa dos Direitos Humanos que defende a famíliafederal loteriaJoão, diz que há dúvidas sobre se os culpados serão julgados e presos.

"O padrão que essas investigações costumam tomar é que só confirmam as teses da polícia. Eles seguem apenas as versões dos eventos do policial, às vezes se arrastando por anos até serem eventualmente arquivados. "

No Brasil, segundo dadosfederal loteria2019, 7federal loteriacada 10 homicídios terminam sem punição aos culpados.

Por que nem todos viram símbolo?

"Com tantos casos registrados (em 2019 e 2020), infelizmente algo que nunca deveríamos considerar normal, está acontecendo todos os dias. Na sociedade, isso gera uma insensibilidade, uma anestesia na forma como as pessoas se relacionam com esses casos, apenas os mais extremos acabam gerando atenção", afirma Lozoya, da Defensoria Pública do Rio.

"De forma que só casos extremos, como a mortefederal loteriauma criança dentro da própria casa, dentro da escola, oufederal loteriapessoas que é muito difícil serem incriminadas, como idosos, trabalhadores e crianças, que acabam gerando uma comoção na sociedade", diz o defensor da famíliafederal loteriaJoão Pedro.

Crédito, Bruno Itan

Legenda da foto, Bruno registra o momentofederal loteriaque moradores lidam com os mortosfederal loteriauma operação policial que deixou 12 vítimas

David Marques, do Fórum, diz que a expansão das redes sociais tem aumentado a visibilidade dos casosfederal loteriaviolência policial e racismo no país mas, apesar da adesão virtual mais expressiva e do debate mais constante sobre o tema, o movimento negro e movimentos sociais contra o racismo ainda enfrentam muita resistência por parte da sociedade.

Para Marques, o fatofederal loteriamuitas pessoas não acreditarem, por exemplo, que haja racismo no Brasil, dificulta bastante o processofederal loteriauma adesão mais ampla a causas como a violência policial contra negros.

"Isso dificulta bastante o processo. A saída que os movimentos têm encontrado para debater esse tema ainda têm encontrado bastante resistência. O problema continua sendo reverter essa indignaçãofederal loteriamudançasfederal loteriapolítica pública", diz.

Rafaela, mãefederal loteriaJoão Pedro, diz que antes da perda do filho nunca teve medo da polícia.

Diz que João era estudioso, alegre e tinha o sonhofederal loteriaser advogado, sonho compartilhado pelo pai, o comerciante Neilton Matos, que não teve a oportunidadefederal loteriacompletar os estudos. Recentemente, a família havia conseguidoo matricular João na escola particularfederal loteriaque Rafaela dá aulas, e ele estava muito feliz.

"Todos os nosso sonhos eram focados no João. Hoje, não sabemos como vamos seguirfederal loteriafrente", diz Rafaela. "Às vezes as pessoas olham para mim e dizem 'ah, mas você tem Rebeca'", referindo-se à filha caçula,federal loteria4 anos. "Mas um filho não substitui o outro".

"Não contamos a ela o que aconteceu, só falamos que o irmãozinho dela agora está no céu. Mas há um tempo, quando brincava com o primo da mesma idade, o primo perguntou "Onde está o teu irmão João?" e ela disse: "Você não sabe? Eles mataram meu irmão".

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