PerifAnálise: psicanalistas periféricos querem que profissão deixecopa bet ioser coisacopa bet ioelite:copa bet io

Os oito membros do coletivo PerifAnálise posam para foto, usando máscarascopa bet ioproteção contra o coronavírus, ecopa bet iofrente a um muro cobertocopa bet iografites

Crédito, Arquivo Pessoal

Legenda da foto, Coletivo PerifAnálise começou com três pessoas e um gruposcopa bet ioestudos. Atualmente, já conta com oito membros e oferece atendimento clínico a moradorescopa bet ioSão Mateus

Criado às vésperas das eleiçõescopa bet io2018, diante das inquietações dos psicanalistas com os efeitos sobre a periferia da ascensão do que consideram um "discurso racista, machista e homofóbico crescente", o coletivo começou com três pessoas e um grupocopa bet ioestudos.

Atualmente, a PerifAnálise já conta com oito membros e, desde 2019, oferece atendimento clínico aos moradores da periferia.

Criado por mulheres,copa bet ioresposta a retrocessos

Imagem mostra uma ruacopa bet ioVila Flavia, comunidade do distritocopa bet ioSão Mateus, na Zona Lestecopa bet ioSão Paulo. Há uma fileiracopa bet iocarros estacionados, casas com grafites nos muros e, ao fundo, casascopa bet iotijolo aparente, típicas das periferias

Crédito, Arquivo Pessoal

Legenda da foto, Grupo buscou adaptar a experiência das Clínicas Públicascopa bet ioPsicanálise do centrocopa bet ioSão Paulo à realidade periférica

"A PerifAnálise surgiu num momentocopa bet iocrise política, justamente porque um grupocopa bet iomulheres, por trabalhar na periferia e no serviço da assistência, se sentiu muito provocado e atravessado pelo contextocopa bet ioretrocessos que estava se apresentando ali, às vésperas das eleiçõescopa bet io2018", conta Paula, que começou a iniciativa com Rosimeire e mais uma colega, que haviam trabalhado juntas com medidas socioeducativascopa bet iomeio aberto.

"Fomos pensandocopa bet iofazer algo com isso, que estava nos provocando, nos inquietando e angustiando, porque sabíamos que isso poderia produzir muito mais precarização do que aquilo que já víamos acontecendo na periferia. As tantas dificuldades que nós, como estudantes, como trabalhadores, enfrentamos nas regiões periféricas", completa.

O grupo começou estudando O Mal-estar na Civilização, livrocopa bet io1930 do pai da psicanálise, Sigmund Freud.

Enquanto isso, no centrocopa bet ioSão Paulo, avançava o movimento das Clínicas Públicascopa bet ioPsicanálise, que visavam democratizar a prática, oferecendo atendimento gratuitocopa bet ioespaços públicos, como o centro cultural Vila Itororó, a Casa do Povo e a Praça Roosevelt, respectivamente nos bairros centrais do Bixiga, Bom Retiro e República.

"A gente começou a pensar: e a periferia?", conta Meire, como Rosimeire é mais conhecida.

Favela Galeria

Com Jefferson já agregado ao grupo, agora com quatro pessoas, eles passaram a pensarcopa bet iocomo adaptar a experiência das Clínicas Públicascopa bet ioPsicanálise à realidade periférica.

"A primeira coisa que nos demos conta é que, se no centro as ruas e praças estão sendo ocupadas via psicanálise, na periferia, é sobre outra coisa", diz Meire. "A periferia já ocupa bastante a rua. As casas são pequenas,copa bet iogeral não têm quintal, então as pessoas já ocupam bastante o espaço público."

Em buscacopa bet ioum lugarcopa bet ioque os moradores pudessem ter uma experiência clínica um pouco mais reservada, o coletivo encontrou o espaço cultural Favela Galeria, na Vila Flavia, comunidadecopa bet ioSão Mateus que é parte da história do movimento rap e do grafitti na Zona Leste.

"Começou com as pessoas dizendo, dentro mesmo da galeria, que estava rolando PerifAnálise. O famoso 'boca a boca', fazendo a palavra circular. Depois, apostamos na rede social, no Instagram", conta Meire.

"Quando passamos a dizer: estamos aqui, venham, eles começaram a vir. E com isso, vieram as mais diversas histórias, as mais diversas vivências e estamos aí, desde então, podendo escutá-los."

Espaçocopa bet ioatendimento da PerifAnálise no centro cultural Favela Galeria. A foto mostra duas cadeirascopa bet ioescritório, umacopa bet iofrente à outra, com uma parede grafitada ao fundo

Crédito, Arquivo Pessoal

Legenda da foto, No centro cultural Favela Galeria, atendimento aconteciacopa bet iomeio a passagem do carro do ovo,copa bet iocarro tocando funk ecopa bet iogravaçãocopa bet iovideoclipes. Isso não impedia analisantescopa bet ioseguirem falando

Ser psicanalista na periferia

Questionada sobre qual é o objetivo do grupo, Meire responde na lata.

"É ser psicanalista na periferia. É isso que me vem à cabeça. É ser psicanalista na periferia e que as pessoas possam vivenciar a experiência da clínica psicanalítica, caso elas queiram."

Sobre a mesma questão, Jefferson elabora um pouco mais.

"Na minha perspectiva, para alémcopa bet ioser um analista na periferia, o objetivo é também que esse seja um ofício comum. Quando fui convidado pela Paula e pela Meire para compor o PerifAnálise, eu estava estudando no Sedes, estava estudando no AMMA Psique e Negritude, ambos no Sumaré. E a minha analista écopa bet ioPinheiros", conta Jefferson.

"Ou seja, eu gastava aícopa bet ioseis a oito horascopa bet iotransporte para poder me locomover para fazer essa formação. Para mim, o interesse é que tenha isso do ladocopa bet iocasa. E que o lado da minha casa não seja no centro."

Atualmente, a PerifAnálise é formada por seis psicanalistas e duas pessoas no início da formaçãocopa bet iopsicanálise.

A iniciativa, porém, é alvocopa bet ioquestionamentoscopa bet iooutros profissionais da área.

"Muitas vezes somos questionados 'Isso que vocês fazem é psicanálise?' E essa pergunta revela o caráter elitista que ela tem. Porque parece que sai da mãocopa bet ioalguns e vai para a mãocopa bet iooutros e isso incomoda. E esse incômodo, sabemoscopa bet ioonde vem. Écopa bet iodescentralizar ela,copa bet iotornar ela popular", completa Jefferson.

Reparação histórica no Sedes

O psicanalista também é parte agoracopa bet ioum grupocopa bet iotrabalho sobre relações raciais no Instituto Sedes Sapientiae, chamado Grupo A Cor do Mal-Estar.

"Estamos pensando como estruturar políticascopa bet iorestauração histórica no Sedes", conta Jefferson, lembrando que o instituto, criadocopa bet io1977, teve um papel relevante na resistência à ditadura militar no Brasil, acolhendo perseguidos, organizando reuniões e oferecendo apoio psicológico aos afetados pelo governo autoritário.

"Mesmo tendo feito frente política à ditadura, os novos contornos vão explicitando que existem hoje outras frentescopa bet ioluta e política que o Sedes está tendo um ponto cego", diz o analista.

Ele conta que estãocopa bet ioestudo pelo grupocopa bet iotrabalho principalmente políticascopa bet iocotas.

"É uma estruturaçãocopa bet ioreparação histórica. Então é cota para alunos, professores negros, coordenadores, um corpo docente e discente mais diversos. O conteúdo versando com as relações raciais. Não é somente dar oportunidade a quem nunca teve ou quem foi excluído dessa lógica. Mas reestruturar a lógicacopa bet iose pensar."

A questão do dinheiro

Imagem mostra uma ruacopa bet ioVila Flavia, comunidade do distritocopa bet ioSão Mateus, com carros estacionados e céu nublado

Crédito, Divulgação

Legenda da foto, A periferia já vivia uma pandemia antes da chegada do coronavírus, diz psicanalista. "Seja na precarização, seja no sucateamento dos serviços públicos, seja por suas vivências na favela"

Outra diferença da PerifAnálise com relação às Clínicas Públicascopa bet ioPsicanálise do centrocopa bet ioSão Paulo diz respeito à relação com dinheiro.

"As pessoas pagam, pagam direto para seus psicanalistas, os valores possíveiscopa bet iocombinados com os analistas", diz Meire.

"Quando começamos a PerifAnálise, num primeiro momento, o que nos veio à cabeça é que as pessoas da periferia poderiam não ter condições para arcar com o pagamento, justamente por serem pobres", conta Paula.

"Vamos fazendo esse percurso na clínica, e essa ideia se desfaz. Claro, têm pessoas que nós atendemos quecopa bet iofato não podem pagar. Mas têm pessoas que podem e, mais do que isso, elas querem pagar. Elas fazem questãocopa bet iopagar. Então isso é algo que a gente vai tratando muito no caso a caso."

Chegada da pandemia e migração para o online

Com a chegada da pandemia, a PerifAnálise migrou seus atendimentos para o online, atravéscopa bet iovideochamadas ou chamadascopa bet ioáudio.

Com a mudança, as precariedadescopa bet iovivercopa bet ioum bairro periférico se fizeram presentes, na conexãocopa bet iointernet instável, dificuldades para as pessoas terem privacidade no atendimentocopa bet iocasas com poucos cômodos e muitos moradores, e faltacopa bet iodinheiro, que levou alguns analisandos que faziam questãocopa bet iopagar a desistiremcopa bet iodar continuidade ao atendimento.

"Enquanto estávamos dentro da Favela Galeria, havia muitos ruídos lá também. A gente estava dentrocopa bet iouma comunidade, onde passava o carro do ovo, o carro tocando funk. Chegamos a fazer as sessõescopa bet ioanálise tendo gravaçãocopa bet ioclipes dentro da Favela Galeria. Tendo circulaçãocopa bet iopessoas fazendo visitação", conta Paula.

"E é muito interessante porque, na maioria das vezes, isso não impediu que o analisante continuasse falando. E eu acho que isso é muito semelhante a esses ruídoscopa bet ioconexão que a gente vai tendo com a internet."

Jefferson destaca que a análise partecopa bet ioum desejo.

"O desejocopa bet ioser analisado,copa bet ioser analista,copa bet ioser analisante. É um investimento libidinal que o sujeito faz para poder acontecer", diz o psicanalista.

"Muitas vezes a internet está caindo, ele vai e compra um pacotecopa bet iodados, vai para um ambiente melhor na casa. Muitas vezes não tem a privacidade necessária ou a que ele gostaria, ele vai para dentro do carro, para a portacopa bet iocasa, para a praça da rua. A periferia vai entrando no cenário da análise pessoal daquele sujeito."

Os membros do coletivo contam ainda que a migração para o online trouxe novas possibilidades, com a entrada para o grupocopa bet iopessoas que não sãocopa bet ioSão Mateus e a viabilidadecopa bet ioatender pacientescopa bet iooutros bairros e atécopa bet ioperiferiascopa bet iooutras cidades.

Pandemia não é uma preocupação central

Eles destacam, porém, que a pandemia não aparece como uma preocupação centralcopa bet ioseus analisantes, mas como um panocopa bet iofundo para outras inquietações e para as dificuldades financeiras impostas pela nova realidade.

"Nas minhas experiências clínicas, o medocopa bet iose contaminar não apareceu", conta Meire.

"Uma falacopa bet iouma analisante me marcou muito, porque ela trabalhava no metrô vendendo bala e ela deu uma parada na pandemia. Depois, precisou retomar e passou a perceber sintomas. Aí a preocupação dela era poder fazer o isolamento, poder ficarcopa bet iocasa e não levar o vírus a outras pessoas."

"Como a pandemia vai surgindo na minha clínica, é como ela vai atrapalhando essa questão econômica mesmo. De as pessoas não poderem ir trabalhar", conta Jefferson.

"Por exemplo, quando eu atendo o público direcionado à vida artística. Para esses atendidos, a arte vai ali nacopa bet iopulsãocopa bet iovida. Não é somente o seu valor econômico, mas tudo o que se movecopa bet iotorno disso. E ficar dentrocopa bet iocasa, ficar isolado, acaba sendo um sofrimento porque ele não tem a possiblidadecopa bet ioexercer o seu ofício."

Periferia já vivia uma pandemia antes do coronavírus

Para Paula, a periferia "já vivia uma pandemia" antes da chegada do coronavírus.

"Seja na precarização, seja no sucateamento dos serviços públicos que a periferia muitas vezes não consegue acessar, seja por suas vivências na favela. Pelas suas vivências no crime, nas ações truculentas da polícia, na relaçãocopa bet ioviolência doméstica", cita a psicanalista.

"As pessoas já estão habituadas com esse sofrimento, o sofrimento da faltacopa bet iorecursos, da falta do trabalho, da falta do dinheiro. Ou seja, existe uma angústia presente que, claro, a pandemia atualizou."

"A pandemia vem trazer do que? Uma ameaçacopa bet iofinitude. De morte. Que, para a periferia, tem outros desdobramentos, porque ela convive muito na linhacopa bet iopulsãocopa bet iomorte", afirma Paula, citando termo psicanalítico introduzido por Freud.

"Acho que essa é uma das coisas mais importantescopa bet iofalar, porque ainda hoje vejo muita gente criticando que na periferia ninguém usa máscara. E isso também é uma realidade."

"Na assistência social, a gente faz as visitas domiciliares para as famílias e quando entra dentro das periferias, realmente, ninguém usa máscara. Isso também diz um pouco disso. Que essa periferia já vivia uma pandemia. Principalmente os pretos. O povo preto já vivia muito mais essa pandemia."

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