Com apenas três falantes, língua indígena tem estudo recuperado pelo Museu Nacional:betano ou 365

Tapí Yawalapiti

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, Yawalapiti, a língua original da etnia do Alto Xingu, sobrevive hoje na vozbetano ou 365apenas três homens, todos jábetano ou 365torno dos 70 anos

Escritos entre 1976 e 1977, os cadernosbetano ou 365campo, agora digitalizados, trazem a caligrafia original da época, fotografada e colorida. São 2.762 entradas, com vocabulários e expressões yawalapiti, transcritosbetano ou 365um sistema fonético, que abrangem temas como corpo, indumentária, animais, ambientes da casa, festas e rituais.

O léxico traduz expressões que o português desconhece, como haka, o cheirobetano ou 365alimento que está sendo feito. O contato com o branco fez com que novas expressões surgissem no vocabulário da língua. Os óculos são a "defesa do olho". Ferramenta do linguista, o gravador tem o nomebetano ou 365"pegadorbetano ou 365palavra".

Outros nomes são intraduzíveis e estão na raiz da cosmogonia yawalapiti. Na tradição da etnia, o sol (Kami) e a lua (Küri) são dois irmãos gêmeos. Para os xinguanos, eles são os arquétipos e criadores da humanidade. Não há como chamá-losbetano ou 365outra língua sem perdabetano ou 365sentido.

"Quando se rompe a transmissão da língua, você rompe também a dos conhecimentos", afirma a linguista Ana Suelly Arruda Câmara Cabral, orientadorabetano ou 365Tapí no mestrado da UnB. "A perdabetano ou 365uma língua é a perda desse vínculo com a história, com a identidade."

'Identidade do povo'

A história do povo Yawalapiti é feitabetano ou 365crises e sobrevivências. Atingida por epidemias na décadabetano ou 3651940, a etnia chegou a contar com 25 indivíduosbetano ou 3651954. Com a chegada dos irmãos Villas-Bôas - Orlando, Cláudio e Leonardo, sertanistas que idealizaram o Parque Indígena do Xingu, criadobetano ou 3651961 -, casamentos interétnicos foram estimulados como estratégiabetano ou 365preservação do grupo.

Os falantes da língua original foram desaparecendo à medida que os idiomas vizinhos eram incorporados à vida da aldeia. Quando Tapí nasceu,betano ou 3651977, havia 20 falantesbetano ou 365yawalapiti.

"Está na minha responsabilidade revitalizar a língua materna do meu povo. Se ela desaparecer, a gente perde parte da cultura. A língua é identidade do povo", diz o linguista, que ainda não conhecia os cadernos guardados no Museu Nacional, escritos no ano do seu nascimento.

Ele anota e estuda diariamente registros da língua com o pai. Sua pesquisa aponta processosbetano ou 365mudança que o idioma adotou para sobreviver, pressionado pelo contato com outras línguas.

O yawalapiti reestruturou as formasbetano ou 365negação, as orações subordinadas, a concordânciabetano ou 365gênero, a extensão das palavras. Mas, para além dos estudosbetano ou 365gramática, é a prática cotidiana da língua que Tapí quer estimular na aldeia, hoje com cercabetano ou 365120 pessoas na área principal.

Com a instruçãobetano ou 365Tapí, um professor do ensino médio já ensina a adolescentes palavras simplesbetano ou 365yawalapiti, como nomesbetano ou 365animais, peixes e árvores. "Eles já estão me cobrando uma gramática", conta o pesquisador, que tem o projetobetano ou 365criar livros didáticos e material audiovisual no idioma.

Aritana Yawalapiti, líder do Alto Xingu

Crédito, Tapí Yawalapiti

Legenda da foto, O Brasil é o país com mais línguas sob riscobetano ou 365extinção no mundo: são 178 idiomas ameaçados e 12 já desaparecidos

"Meu pai e eu queremos ver os meninos falarem a língua. Os jovens estão interessados. Eles só precisam da gramática", diz Tapí, que, além do yawalapiti, fala português, kalapalo, kamaiurá e kuikuro.

O papelbetano ou 365liderança na tribo não é gratuito: ele foi escolhido pelo pai, Aritana, e pelo cacique Raoni Metuktire como o próximo líder dos povos do Xingu.

Segundo o Atlasbetano ou 365Línguasbetano ou 365Perigo da Unesco, o Brasil é o país com mais línguas sob riscobetano ou 365extinção no mundo: são 178 idiomas ameaçados e 12 já desaparecidos. No país, 45 línguas estãobetano ou 365situação crítica,betano ou 365risco iminentebetano ou 365serem extintas.

Essa condição ocorre quando os poucos falantes do idioma já estãobetano ou 365idade avançada e interagem apenas parcialmente na língua com os demais membros da comunidade.

É o caso do yawalapiti. "Se essas três pessoas falecerem, e não registrarmos, a língua vai acabar, vai desaparecer", diz Tapí. Estudos indicam que, desde a colonização, o Brasil possa ter perdido ao menos mil línguas indígenas.

A salvo do incêndio

A salvaguarda dos cadernos da década 1970 ocorreu por uma coincidência: no momento do incêndio, os originais estavam fora do arquivo,betano ou 365processobetano ou 365higienização juntobetano ou 365outros itens.

Os documentos haviam sido doados pela linguista Charlotte Emmerich, professora aposentada da UFRJ que orientou os estudos à época e coordenou o trabalhobetano ou 365recuperação.

Antes da tragédia, os arquivos do Museu Nacional guardavam, catalogados, cercabetano ou 36511 mil documentos relativos a maisbetano ou 365190 línguas indígenas do Brasil, algumas já extintas. Somados aos não indexados, estima-se que fossem maisbetano ou 36516 mil itens entre cartas, vocabulários, cadernos e diáriosbetano ou 365campo, anotações, telegramas e outros papéis, alémbetano ou 365arquivos sonoros com discursos, narraçãobetano ou 365mitos e cantos rituais.

"Comparado ao que se perdeu, é uma parte mínima", diz Marília Facó, diretora do Centrobetano ou 365Documentaçãobetano ou 365Línguas Indígenas (Celin), vinculado ao museu e responsável pela guarda e catalogação desses materiais. O incêndio consumiu arquivos históricos extensos, como o do povo Parkatêjê, do Pará, cujo idioma, o Timbira Oriental, é hoje falado apenas entre os mais velhos.

Com uma equipe fixabetano ou 365três pessoas (alémbetano ou 365Marília, uma bibliotecária e uma arquivista), o Celin trabalha para indexar o material recuperado e as doações que chegam ao arquivo, hojebetano ou 365númerobetano ou 365208 peças catalogadas, alémbetano ou 3656 mil livros.

Uma outra estratégiabetano ou 365resgate é o que se chamabetano ou 365recuperação digital por circuitobetano ou 365usuários, quando os pesquisadores guardambetano ou 365seu próprios arquivos cópias e fotografias do material consultado.

Foi assim que o museu resgatou, por exemplo, o vocabulário da extinta língua Puri, coletadobetano ou 3651885 pelo engenheiro Albertobetano ou 365Noronha Torrezão. No último levantamento,betano ou 365setembrobetano ou 3652019, já haviam sido recuperados 690 itensbetano ou 365documentaçãobetano ou 36577 línguas.

Além dos materiais que escaparam ao incêndio por estarem momentaneamente fora do arquivo, outros foram preservados por digitalização prévia. O Museu Nacional guardava os originais dos arquivos do etnólogo alemão Curt Nimuendajú, responsável pelo maior númerobetano ou 365expedições nas aldeias do país na primeira metade do século 20.

Comprados após a morte do estudiosobetano ou 365uma aldeia Ticuna,betano ou 3651945, os documentos foram perdidos no incêndio. Mas um trabalhobetano ou 365digitalização, feitobetano ou 3652016 com recursos do extinto Ministério da Cultura, permitiu que os documentos estivessem hoje preservados. Agora a ideia, segundo Marília, é tornar esses arquivos acessíveis a todos.

"Não adianta passar a vida com os arquivos e achar que só os especialistas vão procurá-los", diz a linguista. "Esses materiais só tem seu valor pleno se divulgados. Não podem ficar como frutobetano ou 365um colecionismo que acha que vai salvar línguas mantendo um arquivo protegido."

Carvalho entrevistando indígena da etnia Xicrin

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, Carvalho entrevistando indígena da etnia Xicrin

A criaçãobetano ou 365arquivos públicosbetano ou 365línguas indígenas ainda é minoritária no Brasil. Linguista e professor da Universidade Federal do Amapá (Unifap), Fernando Orphãobetano ou 365Carvalho consultou as cópias dos cadernos Yawalapitibetano ou 3652016, quando estudava o desenvolvimento histórico do idioma, um dos três da família Aruak, a maior da América do Sulbetano ou 365númerobetano ou 365línguas e extensão geográfica.

Ele diz que apenas nas últimas duas décadas o país vem adotando modelosbetano ou 365documentação pública nos quais os dados são compartilhados.

"A tradição no Brasil é a seguinte: o pesquisador vai a campo, coleta dados sobre a língua, mas ele meio que 'senta' sobre aqueles dados. Aquelas informações ficam sendo dele, privadas", diz o professor, que hoje pesquisa o idioma do povo Ikpeng, do Alto Xingu.

Segundo Carvalho, nos Estados Unidos, a criaçãobetano ou 365bancosbetano ou 365dados extensos sobre documentação linguística permitiu que, hoje, populações remanescentes tentem revitalizar línguas já extintas. "Produziram-se arquivosbetano ou 365documentos enormes, com gravaçõesbetano ou 365vídeo,betano ou 365áudio, que ainda nem sequer foram analisadas."

Não é raro, segundo Marília Facó, que pesquisadores mantenham seus arquivos sob guarda privada. "Alguns constituem dentrobetano ou 365casa, o que não é legal, porque as pessoas são pagas com verba pública", diz.

Para Carvalho, o hábitobetano ou 365guardar,betano ou 365coleção própria, material coletadobetano ou 365campo torna difícil a constituiçãobetano ou 365estudos mais densos. "Pesquisadores, propositadamente, boicotam ações por partebetano ou 365outros linguistas que queiram trabalhar com aquela língua", afirma.

Corrida pela digitalização

No Brasil, trabalhosbetano ou 365ampla documentação ainda são tímidos. Em 2009, o Museu do Índio lançou um projeto linguísticobetano ou 365estudo sobre 13 línguas, com a produçãobetano ou 365relatórios, estudos gramaticais e vocabulários. Aos poucos, a digitalização começa também a ser uma tática comumbetano ou 365preservação.

O Museu Paraense Emílio Goeldi guarda 20 mil itens relativos a aproximadamente 80 línguas indígenas amazônicas, das quais 65 já digitalizadas. O alto custo, no entanto, ainda é uma barreira. A recuperação dos cadernos Yawalapiti custou cerca R$ 20 mil, obtidosbetano ou 365recursobetano ou 365apoio emergencial da Fundaçãobetano ou 365Amparo à Pesquisa do Estado do Riobetano ou 365Janeiro (Faperj).

Na áreabetano ou 365criaçãobetano ou 365bancos arquivísticos, também há iniciativasbetano ou 365instituições e consórciosbetano ou 365pesquisadores internacionais, no campo da linguísticabetano ou 365salvamento, que é a documentaçãobetano ou 365idiomasbetano ou 365estado críticobetano ou 365existência. O programa alemão Dobes documentou, por exemplo, a língua kuikuro, falada no Xingu.

A documentação esparsa resultabetano ou 365trabalhosbetano ou 365pouco fôlego. Segundo a professora Ana Suelly, são poucos os dicionários indígenas na América do Sul, que não vão muito alémbetano ou 3654 mil palavras. Um dos mais completos trabalhos continua sendo o do padre jesuíta Antonio Ruizbetano ou 365Montoya, que documentou a antiga língua Guarani no século 17. A língua do povo Wajãpi, do Amapá, tem descriçãobetano ou 365léxico com 6 mil entradas.

Para Carvalho, comparado ao estadobetano ou 365documentaçãobetano ou 365línguas da Europa e da América do Norte, o continente sul-americano continua sendo uma terra incógnita.

"Há línguas que não têm mais documentação do que listasbetano ou 365palavras isoladas, registradas por indivíduos sem treinamento linguístico. São dados problemáticos", afirma.

"A documentação das línguas no Brasil é muito fragmentária", diz Ana Suelly. "Alguém faz uma gramática e já chamabetano ou 365'a gramática'. É preciso todo tipobetano ou 365documentação, da flora, da fauna, dos fazeres, dos rituais, a fala das crianças, da mãe com as crianças. A língua é uma fontebetano ou 365conhecimento inesgotável", afirma a professora, que trabalha para a criaçãobetano ou 365um atlas sonoro com 40 línguas indígenas no Laboratóriobetano ou 365Línguas e Literaturas Indígenas (Lalli), que coordena na UnB.

Para ela, a documentação feita pelo indígena, imerso na cultura que estuda, é incomparável. "Tapí sabebetano ou 365coisas que linguista nenhum vai saber", diz.

O protagonismo indígena na linguística é dado recente. Antes apenas objetobetano ou 365observação e análise, o indígena passa a se tornar protagonista da própria língua. No Museu Nacional, o Mestrado Profissionalbetano ou 365Linguística e Línguas Indígenas tem 70% das vagas destinadas a esse grupo.

Na UnB, indígenas também ocupam os programasbetano ou 365pós-graduação e ediçõesbetano ou 365revistas acadêmicas são dedicadas exclusivamente a esses pesquisadores.

Pesquisador dessa geração, Tapí diz que o trabalho do pesquisador não indígena é importante, mas a interação com as aldeias é necessária. "Todos os trabalhos científicos precisam ter um retorno", diz. "Tem que levar esses trabalhos escritos aos caciques, à comunidade. Os professores indígenas podem trabalhar com a escrita e o registro da língua materna e paterna."

A recuperação dos cadernos do Museu Nacional estão dentro dessa lógica, diz Marília Facó. "Os yawalapiti podem se apropriar do trabalho para corrigir, para mudar, comentar, discutir. É parte do processobetano ou 365revitalização,betano ou 365retomada."

Tapí só aguarda o retorno das atividades da UnB, suspensas pela pandemia da covid-19, para defender a dissertaçãobetano ou 365mestrado e se preparar para o doutorado. Ele se mostra confiante na sobrevivência e revitalização dabetano ou 365língua, que já pode ser ouvida, ainda que timidamente, entre os mais jovens pela aldeia.

"Converso com os meninos e eles estão muito interessados. Acredito que vou conseguir realizar meu sonhobetano ou 365ver os jovens falarem na língua materna."

Línea

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