Protestos da oposição mostram que Bolsonaro não domina mais as ruas, dizem pesquisadores:esporte clube
"O ato foi tímido, seria maior se não fosse a pandemia", avalia Christian Lynch, professoresporte clubepensamento político brasileiro da Universidade do Estado do Rioesporte clubeJaneiro (Uerj).
Surgiram nos últimos dias iniciativas suprapartidáriasesporte clubedefesa da democracia e contra Bolsonaro, como o movimento "Somos70porcento".
No entanto, isso não significa, segundo eles, que essa oposição esteja coesa. Há uma sérieesporte clubedivergências profundas entre os grupos contrários ao governo.
Convocados por movimentosesporte clubeperiferia, ativistas negros, integrantesesporte clubetorcidas organizadas, estudantes secundaristas, grupos antifascistas e a frente Povo Sem Medo, os atos tiveram duas bandeiras principais: o antifascismo e o antirracismo, com o mote "Vidas Negras Importam",esporte clubereação ao assassinatoesporte clubepessoas negras pela polícia nas periferias brasileiras.
Valter Silvério, professor do departamentoesporte clubesociologia da Universidade Federalesporte clubeSão Carlos (UFSCar) e especialistaesporte cluberelações raciais, diz que há uma extensa tradiçãoesporte clubelutas do movimento negro que, devido a conjunturas específicas, ganham visibilidade, e é o que acontece neste momento. "As pessoas acham que é novidade, mas não é", resume.
O que ele vê como novidade é a emergênciaesporte clubegrupos jovens que se articulam e que podem ter novo papelesporte clubeliderança.
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Para Christian Lynch, da Uerj, Bolsonaro tenta criar a ilusãoesporte clubeque tem "o povo" do seu lado incentivando manifestações a seu favor e usando redes sociais. No entanto, isso vem caindo por terra, opina ele.
"Bolsonaro é um populistaesporte clubeultradireita. Uma das pedrasesporte clubetoque é vender ilusãoesporte clubeque existe povo verdadeiro contra povo falso. Isso é comum tanto na extrema direita quanto na extrema esquerda. (Ele tenta passar a imagemesporte clubeque) povo é quem está do lado dele. O resto, a oposição, não é povo. Mas o fato é que cada vez menos gente é arrebanhado pelo governo. A pandemia radicalizou seu grupo, mas unificou o outro lado. E daqui para frente ele vai perder a rua", projeta Lynch.
Isso acontece agora devido às ameaças à democracia e às instituições que o governo vem fazendo, avalia.
Além dos Somos70%, há o movimento Estamos Juntos, lançado no sábado (30) e o Basta!, lançado por advogados e juristas no domingo (31).
Luciana Gross, da FGV, avalia que os protestos foram parteesporte clubeum esboçoesporte clubeuma reação da oposição. Nos últimos dias, diz ela, "foi possível ver o começoesporte clubeuma movimentaçãoesporte clubevários grupos diferentes entre si, mas que estão chegando no limiteesporte clubetanto que o presidente ameaça a democracia e as instituições".
Para ela, os protestos que acontecem há dias nos Estados Unidos, após a morte do segurança negro George Floyd por um policial branco,esporte clubeMinneapolis, deram força a esse movimento no Brasil. "A movimentação antirracista nos EUA sinalizou um esgotamento da população frente a lideranças antidemocráticas, contra direitos humanos, autoritárias. Também se sentiu essa força aqui", diz a professora. Além disso, para ela, alguns governos estaduais e prefeituras já ensaiam uma flexibilização das regrasesporte clubequarentena, o que motivou os manifestantes a irem à rua.
Ao contrário do que alguns previam, os atos foram pacíficos. "Todos os atores contribuíram para isso", avalia Gross. "Os movimentos pró-democracia cuidaram dos atos para que não aparecessem infiltrados e pediram responsabilidade para seus manifestantes. Apesaresporte clubenão estar claro que polícia venha respeitando a hierarquia dos governadores, o governadoresporte clubeSão Paulo passou uma orientação e teve uma atenção maior", diz ela.
A Polícia Militaresporte clubeSão Paulo foi criticada depoisesporte clubemanifestação contra o governo na semana passada por ter sido, segundo críticos, mais dura com aqueles que protestavam pela democracia do que com aqueles que se manifestavam a favoresporte clubeBolsonaro.
"E além disso, neste domingo o governo pediu para seus apoiadores não irem às ruas, apostando que haveria violência", lembra Gross. Na semana passada, o presidente pediu que seus apoiadores não participemesporte clubeatos. "Quem luta pela democracia, quer o governo funcionando, quer um Brasil melhor e preza pelaesporte clubeliberdade, a gente pede que não compareça às ruas nestes dias para que nós possamos, a Forçaesporte clubeSegurança, não só estaduais, como a nossa federal, faça seu devido trabalho caso esses marginais extrapolem os limites da lei", disse,esporte clubereferência a manifestantes contrários ao seu governo.
"Foi um primeiro movimento e pode ser uma gestação para quando acabar o confinamento. É uma primeira articulação da oposição que começou a se organizar. E mostrou que a rua não é do governo. Se houver embate, vai ter bastante gente defendendo a democracia. Não é que não existisse, estavam cumprindo as regrasesporte clubeisolamento", diz.
Limites da união
Gross acha que é cedo para analisar possíveis consequências dos atos para a oposição e formaçãoesporte clubeuma frente contra Bolsonaro. No entanto, ela vê possíveis divergências entre os grupos que estavam presentes nos atos hoje e entre aqueles que ensaiam uma frenteesporte clubeoposição mais ampla. "Esse movimento está represado pelo confinamento e por faltaesporte clubeprojeto comum", diz ela.
A mobilização deste domingo ganhou força depois que integrantesesporte clubetorcidas organizadas compareceram à avenida Paulista,esporte clubeSão Paulo, no fimesporte clubesemana anterior, para protestaresporte clubefavor da democracia e contra posicionamentos autoritáriosesporte clubeBolsonaro eesporte clubeparte dos seus apoiadores.
"(As torcidas organizadas tomaram a frente) justamente porque a oposição está desorganizada", diz ela. "Nossas instituições estãoesporte clubefrangalhos desde o começo da Lava-Jato, os partidos estão desorganizados, há um discursoesporte clubeque política é igual a corrupção. Temos um longo caminhoesporte cluberecuperação."
"Hoje vimos nas ruasesporte clubeSão Paulo três grupos: torcidas organizadas, grupos antirracismo, que deve crescer, e um terceiroesporte clubetornoesporte clubeGuilherme Boulos (líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto). Apesaresporte clubeestarem ocupando um mesmo espaço, também têm suas próprias pautas, não se juntam necessariamente num mesmo projeto, sem falar naqueles que não foram à rua, como (os movimentos) Juntos, Basta e 70%, que aglomeram setores diferentes da população. É um movimento anti-Bolsonaro, antifascismo e nesse sentido coeso, mas não tem projeto único, e isso é importante", opina ela.
Nessa mesma linha, Lynch, da Uerj, vê a formaçãoesporte clubeuma frente contra Bolsonaro como uma "coalizão negativa". "Uma coalizão positiva é quando as pessoas se juntam por querer algoesporte clubecomum. A negativa é quando se juntam para rejeitar. O interesseesporte clubecomumesporte clubetodos é se livraresporte clubeBolsonaro", diz ele.
A dificuldadeesporte clubereunir liderançasesporte clubediferentes correntes ideológicasesporte clubeuma frente ampla contra o governo Bolsonaro ficou clara esta semana também na tentativaesporte clubeampliar apoios a manifestos pela democracia.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, principal liderança do PT e da esquerda brasileira, se recusou a assinar o manifesto do Movimento Estamos Juntos, que teve o apoio do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), do governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), do ex-prefeitoesporte clubeSão Paulo Fernando Haddad (PT), do ex-governador do Espírito Santo Paulo Hartung (MDB), entre outras lideranças políticas e também da classe artística e intelectual.
Segundo Lula, o texto "tem pouca coisaesporte clubeinteresse da classe trabalhadora".
"Tem muita genteesporte clubebem que assinou. E tem muita gente que é responsável pelo Bolsonaro. O PT tem que discutir com muita profundidade, para a gente não entrar numa coisaesporte clubeque outra vez a elite sai por cima da carne seca, e o povo trabalhador não sai na fotografia", criticou ainda, o ex-presidente.
Racismo
Todas as manifestações tiveram a presença forteesporte clubemovimentos contra o racismo.
No Rioesporte clubeJaneiro, este foi o segundo domingoesporte clubeprotesto após a morteesporte clubeJoão Pedro Mattos Pinto,esporte clube14 anos, emesporte clubecasa,esporte clubeuma favelaesporte clubeSão Gonçalo (RJ), durante uma operação policial.
O sociólogo Valter Silvério, especialistaesporte cluberelações raciais da UFSCar, avalia que este momento pode inaugurar uma nova faseesporte clubevisibilidade do movimento negro no Brasil.
"A sociedade vem falandoesporte clubecriar uma frenteesporte clube'defesa da democracia'esporte clubeuma forma abstrata. Ninguém é contra fazer uma frente. No entanto, ela não se fazesporte clubeabstrato, mas a partiresporte clubequestões concretas. Uma questão que existe no Brasil e que nunca foi compreendida pela esquerda, pelo menos nãoesporte clubeforma adequada, é a questão racial. Ela foi acionada nos momentosesporte clubedemocratização do país, mas sempre foi secundarizada no momentoesporte clubeque passam as eleições. O que está sendo colocado agora é que a juventude tem uma informação das gerações passadas das armadilhas colocadas nesses discursos."
Para Silvério, uma potencial novidade no campo político é que "haja uma composição do pontoesporte clubevista prático a partiresporte clubegrupos que nunca foram considerados como agentesesporte clubepotencial políticoesporte clubeorganizar politicamente a sociedade brasileira".
Lynch, da Uerj, acredita que circunstâncias recentes deram urgência ao tema do racismo. "O governo Bolsonaro é ofensivo ao combate à discriminação racial. Isso se vê pelo que ele fez com a Fundação Palmares."
Bolsonaro nomeou para presidir a fundação Sérgio Camargo, que minimiza o racismo no Brasil. Nesta semana emergiu a informaçãoesporte clubeque Camargo chamou movimento negroesporte clube'escória maldita'.
"Isso já sinaliza essa oposição. Mas coincidiu essa política com protestos nos EUA que são anti-Trump e antirracismo e com a morte do menino Miguel. As circunstâncias deram à pauta antirracista uma visibilidade maior. Mas não é só ela que é ridicularizada pelo governo federal. Tem muito mais fregueses aí para engordar essa frente contra o bolsonarismo."
*colaborou Mariana Schreiber, da BBC News Brasilesporte clubeBrasília
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