Por que a Ucrânia, onde Sara Winter diz ter sido treinada, fascina bolsonaristas?:sc bet

Manifestantessc betprotesto a favorsc betBolsonaro escondem rosto e se enrolamsc betbandeiras; uma delas tem as corws vermelho e negra e o brasão nacional ucraniano

Crédito, Reprodução/Twitter

Legenda da foto, Bandeira vermelho e negra com brasão ucraniano é considerada um símbolo ligado ao neonazismo

O contexto político

Parte da explicação, segundo especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, tem relação com o histórico recentesc betradicalização e rupturas políticas na Ucrânia.

A Ucrânia é um vasto país do leste europeu, com uma grande fronteira com a Rússia e uma relação histórica conturbada com o vizinho. Russos e ucranianos eram um povo só até o século 9, explica o professorsc bethistória da USP Angelo Segrillo, especialistasc bethistória da Rússia. Ao longo dos séculos, a região da Ucrânia ficou retalhada entre diversos impérios: foi dominado inclusive pelo Império Russo, e no século 20 fez parte da União Soviética.

"A Ucrânia se tornou um Estado independente nos anos 1992, com o fim da URSS", explica Segrilo.

Na história recente, o país foi palcosc betviolentos confrontossc bet2014, primeiro entre nacionalistas e o governo pró-Rússia, e depois entre separatistas e um novo governo nacionalista.

As desavenças internas começaramsc betdezembrosc bet2013, com intensas manifestações pelo país quando o então presidente, Viktor Yanukovych, sob pressão do presidente russo, Vladmir Putin, anunciou que não assinaria um acordo com a União Europeia, que poderia, no futuro, levar à entrada do país no bloco.

Os manifestantes pró-Europa chegaram a ocupar prédios do governo e entrarsc betconfrontos com forçassc betsegurança, com um saldosc betdezenassc betmortos e milharessc betferidos. Em meio ao climasc betinsurgência popular pelo país, presidente pró-Rússia foi derrubado. O Parlamento votou por uma eleição adiantada, e o candidato pró-europa Petro Poroshenko venceusc betprimeiro turno.

"Houve um processosc betruptura com o sistema político nacional", explica Odilon Caldeira Neto, professorsc bethistória contemporânea da Universidade Federalsc betJuizsc betFora. "Esse momentosc betinsurgência e instabilidade do país potencializou a organização e o fortalecimentosc betgrupossc betextrema-direita nacionalista", explica Caldeira.

"Isso não quer dizer que o processo que ocorreu na Ucrânia tenha sido um processo neofascista, mas que o momentosc betradicalização da agenda política do país permitiu que grupos mais radicais se aproximassem do mainstream."

Após o colapso do governo pró-Rússia, a Crimeia, que tem uma grande populaçãosc betorigem russa, declarou formalmente "independência" e desejosc betse juntar à Federação Russa (nome oficial da Rússia). Após um referendo não reconhecido pelo governo ucraniano, o país vizinho enviou tropas e rapidamente assumiu o controle da Crimeia, anexando a região à Rússia.

Conflitos separatistas surgiramsc betoutras regiões, com milíciassc bethomens armados apoiando os separatistas pró-Rússia ocupando prédios do governo ucraniano. Militares russos assumiram envolvimento com as milícias, mas o país nunca admitiu formalmente a interferência no vizinho. "Houve uma misturasc bettropas ucranianas pró-Rússia e uma infiltraçãosc betsoldados russos", explica Segrillo.

Em 2015 o governo conseguiu negociar um cessar-fogo, com condições como a saídasc betcombatentes estrangeiros do território ucraniano, mas as regiões insurgentes não foram retomadas. E a Criméia continuou anexada à Rússia.

sc bet ' sc bet Ucranizar o Brasil sc bet '

Mas o que isso tudo tem a ver com o Brasil? E porque falar da Ucrânia, quando grupos nacionalistas estão ganhando forçasc betdiversos lugares do mundo?

Segundo Caldeira Neto, que também é membro do Observatório da Extrema Direita‏, a Ucrânia é tomada como exemplo pela direita brasileira pela forma como extrema-direita conseguiu se organizar e agir no país.

"Há dois entendimentos possíveis, um mais amplo, que faz referência à esse momentosc betruptura com o status quo político", diz Caldeira Neto. "Há outras leituras mais particulares, mais associadas aos grupos neofacistas, cuja referência não está necessariamente nessa ruptura, massc betum desejosc betreproduçãosc betideias, táticas e estratégias usadas no país europeu."

"É uma dinâmicasc betbuscar experiências que deram certo para a direita fora do Brasil, e caso da Ucrânia teve um impacto midiático muito forte", diz ele.

Além dos ativistas, o discurso também chegou a bolsonaristas no Congresso, como o deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ).

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Embora figuras como Silveira falemsc betforma enigmática quando fazem referência ao assuntosc betredes sociais, a ligação da frase com os episódiossc bet2014 na Ucrânia é abertamente explicadosc betblogs, podcasts e grupos bolsonaristas.

Quando falasc bet"ucranizar o Brasil", a direita brasileira está fazendo referência direta aos episódiossc betque grupos armados invadiram prédios do governo no país europeu.

"Há vários exemplossc betaçõessc betdesobediência civil nos últimos cem anos, mas talvez o mais interessantesc betcomparar com nossa situação seja o protesto do povo ucraniano nos 93 dias do inverno entre 2013 e 2014 que ficou conhecido como Euromaidan e levou à renúncia do presidente Viktor Yanukovych", diz um texto com o título "O Deversc betUcranizar", no sitesc betdireita Vida Destra, do advogado Fábio Talhari.

Sara Winter e os radicais

Sara Winter empunhando armas

Crédito, Instagram | Sara Winter

Legenda da foto, Grupo radicalsc betSara vem despertando preocupação por supostas atividades paramilitares - o quesc betporta-voz nega

Antessc betse tornar bolsonarista, Sara fez parte por alguns meses do grupo feminista Femen,sc betorigem ucraniana, do qual também foi expulsa, segundo disse na época uma das dirigentes do movimento, Alexandra Shevchenko. Na época, ela foi presa maissc bet20 vezes e viajou sozinha para a Ucrânia.

Mas Sara Winter não é a única militantesc betdireita radical brasileira ligada a nacionalistas ucranianos.

Uma investigação da polícia civil do Rio Grande do Sul iniciadasc bet2017 encontrou laços entre grupos radicais brasileiros e extremistas ucranianos.

A investigação descobriu que brasileiros estavam sendo recrutados para lutar contra rebeldes pró-Rússia na Ucrânia — sesc betfato os extremistas brasileiros chegaram a adquirir experiênciasc betcombate no exterior, no entanto, não é claro. O delegado Paulo César Jardim diz à BBC News Brasil que não pode dar mais informações sobre a investigação, que continuasc betandamento.

Nostalgia nacionalista

Um dos fatores que causa mais polêmica envolvendo as referências à Ucrânia é justamente o fatosc betque muitas delas são vistas como associadas ao neonazismo, segundo Caldeira e a antropóloga Adriana Dias, uma das principais especialistassc betneonazismo do Brasil.

Um exemplo é o casosc betuma bandeira que apareceusc betdiversos dos protestos a favor do presidente Bolsonarosc betSão Paulo.

A presençasc betuma bandeira vermelho e negra com um brasãosc betformasc bettridente, símbolo tradicional da Ucrânia, chamou atenção por ser associada a a grupos extremistas do país europeu.

A bandeira é associada ao partido e grupo paramilitarsc betextrema-direita Pravy Sektor, ultranacionalista.

Os relatos sobre o símbolo na imprensa levaram a Embaixada da Ucrânia e emitir nota dizendo que "para milhõessc betucranianos... a bandeira rubro-negra simboliza a nossa terra e o sanguesc betnossos heróis derramado por Liberdade, Independência e Soberania da Ucrânia". A representação ucraniana enfatiza que seu uso "não tem nada a ver com o movimento neonazista".

Ainda segundo a Embaixada, "a bandeira histórica e o brasão da Ucrânia" foram usados desde o século 16 "por cossacos ucranianos nas lutas contra invasores estrangeiros, e por isso, durante o século passado e no começo do século 21, virou o símbolosc betluta dos ucranianos contra ocupação, chovinismo e imperialismo russos".

Estudiosossc betideologiassc betextrema direita, no entanto, explicam que, embora sejam símbolos nacionais na origem, eles foram apropriados por grupos neonazistas e têm hoje esse significado internacionalmente. "Podem negar, mas isso não muda a simbologia. É um absurdo achar que esse símbolo seja neutro", diz Adriana Dias. "O uso disso por brasileiros é para ser visto com grande preocupação."

Segrillo explica que durante a Segunda Guerra Mundial houve um movimentosc betum grupo ucraniano que, para se libertar da União Soviética, se aliou ao nazismo. E é esse grupo que é lembrado com nostalgia hoje por grupos ultranacionalistas, diz Adriana Dias.

"O Pravy Sektor, especificamente, mas na Ucrâniasc betgeral hoje, está havendo uma relembrança das pessoas que lutaram ao ladosc betHitler, portanto contra os judeus, negros e gays, por uma superioridade étnica", explica Adriana Dias. "Hitler, quando tomou a Ucrânia durante a Segunda Guerra Mundial, viu que podia contar com certas forças nacionalistas na Ucrânia."

Mulher cobre o rostosc betmanifestação pró-Bolsonaro

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Apropriaçãosc betsímbolos nacionais é comum na direita pela mundo, diz Adriana Dias

Esses grupos colaboracionistas que são relembrados com nostalgia pela extrema-direita ucraniana. "É um tiposc betnacionalismo que esteve muito presente no fascismo, no nazismo, no franquismo, baseado nesse ideáriosc betuma grande nação."

"Embora a cooperação internacionalsc betgrupos nacionalistas não seja ampla, até por contasc betsua natureza, a circulação dessas ideias acontece internacionalmente", explica Caldeira Neto.

"São ideias políticas que circulam, os intelectuais leem as obras uns dos outros e tentam adaptar as ideias, as táticas e estratégias para o Brasil", explica.

Ao importar esse símbolo para o Brasil, diz a antropóloga Adriana Dias, grupossc betdireita nacionais querem trazer a ideiasc betque há um só Brasil a ser construído, um só povo brasileiro. "Estão tentando recriar esse modelo nacionalista", diz ela, e veem com admiração a experiência recente da direita ucraniana nesse sentido.

Esse idealsc betuma só nação, afirma Dias, "é uma negaçãosc bettoda etnicidade brasileira, quando na verdade nossa riqueza está na nossa diversidade", diz ela. Dias cita como exemplo a fala do ministro da Educação, Abraham Weintraub,sc betuma reunião ministerial, onde ele falou que "odeia a expressão povos indígenas" e "quilombolas", pois "todos são povo brasileiro".

Dias afirma que no Brasil, especificamente, há uma tendênciasc betgrupos se importarem com neonazismosc betoutros lugares.

"Nos Estados Unidos você não vê muitos grupossc betnacionalismosc betoutros lugares. Você não vê nazismo dos Estados Unidos na Rússia. Mas alguns lugares, como o Brasil e na América Latinasc betgeral, importam símbolos neonazistas", diz ela.

"Nós importamos símbolossc betneonazismo russo, ucraniano, estadunidense, espanhol, inglês. Eu costumo brincar que até o neonazismo brasileiro é miscigenado", diz ela.

Símbolos e negação

Um dos militantes que levaram o símbolo aos protestos, por exemplo, disse ao jornal Folhasc betS.Paulo que não tinha "nadasc betnazista" no símbolo.

"É uma bandeira antiga, usada desde o século 16. O preto simboliza a terra ucraniana, que é muito fértil, e o vermelho é o sangue dos heróis. Não tem nadasc betnazista", disse Alex Silva ao jornal. Silva diz morar no país Europeu desde 2014, onde trabalhasc betuma academiasc bettiro e táticas militares.

Adriana Dias afirma que a apropriaçãosc betsímbolos nacionais tradicionais é comumsc betgrupossc betdireita nacionalistas — e faz um paralelo entre o uso que a direita ucraniana fazsc betsímbolos ucranianos tradicionais e o uso da bandeira do Brasil pela direita brasileira.

"A direita no mundo tem feito isso,sc betusar os símbolos da nação como se fossem dela", diz. "A ditadura militar já fazia isso."

O usosc betsímbolos nazistas — e depois a negação da referência — já aconteceu até dentro do governo brasileiro, lembra.

Em janeiro, o então secretário da Cultura, Roberto Alvim, fez um discurso com as mesmas palavrassc betuma falasc betJoseph Goebbels, o ministro da Propaganda na Alemanha nazista. Depois Alvim negou a referência, que incluía som do compositor favoritosc betHitler ao fundo. Alvim acabou demitido e substituído por Regina Duarte, que também deixou o cargo no mês passado.

Nesta semana, o presidente Jair Bolsonaro citou nas redes sociais uma frase do ditador fascista Benito Mussolini, chamando-osc bet"o velho italiano".

"O governo joga as referências ao vento, sai distribuindo símbolos a torto e a direito, e depois basta que ele negue. Ele sempre nega. Essa estrutura é uma estratégia da direita que é muito parecida com a usada pelo Steve Bannon (ex-estrategista políticosc betTrump)", afirma Dias.

"Você lê o livro do Bannon e ele fala que você tem que jogar muitos símbolos, para confundir as pessoas, e depois negar tudo. E continuar criando essa confusão para as pessoas não verem o que está acontecendo", diz.

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