'Bolsonaro gosta do STF quando lhe dá decisão positiva. Se é negativa, prefere não brincardemocracia', diz professora da FGV:
"O papel do STF, dado pela Constituição, é controlar os atos do Congresso Nacional e do Poder Executivo. Então, quando o Supremo anula medida provisória do Poder Executivo, questiona alguns decretos, e abre uma investigação contra o presidente e seus ministros, não está fazendo nada mais do que a Constituição exige", afirma Machado.
"Se temos um Tribunal que, durante o ano2020, se mostra mais atuante, talvez isso seja explicado por um Poder Executivo que também desafia mais a lógica da Constituição", acrescenta. "Não há aí uma equivalência entre dois lados errados".
A professora reconhece que há questionamentos sobre a forma como o inquérito das Fake News foi iniciado, com base no regimento interno do STF, mas considera que o plenário poderá delimitar a constitucionalidade da investigação quando julgar ações que pedem seu arquivamento. Naleitura, os ataques ao Supremo investigados nesse inquérito não são mera "liberdadeexpressão", como afirmam o presidente e seus aliados.
"O que estamos é dianteameaças eincitação à violência e ao descumprimentoordens judiciais, todos esses (atos) tipificados como crime por nossa legislação."
Machado ressalta que o governo Bolsonaro, alémter frequentemente seus atos questionados na Corte, também costuma apresentar ações no STF, onde acumula vitórias e derrotas.
Um exemplo recenteresultado positivo paragestão foi a interpretação dada pelo Supremo à LeiResponsabilidade Fiscal, que afastou a possibilidadecrime orçamentário devido ao forte aumentogastos na pandemia do coronavírus.
"Me parece que o presidente gosta do Tribunal só quando dá decisão positiva para ele. Quando a decisão é negativa, ele prefere não brincardemocracia eEstadoDireito. Só que a nossa Constituição não permite que ele tenha esse podersimplesmente ignorar decisões judiciais", crítica.
Leia a seguir a entrevista concedida na quinta-feira (28/05).
BBC News Brasil - Nos últimos dias, temos visto uma escalada ainda maior da tensão entre o governo Bolsonaro e o STF. Tem algum lado errado nessa briga, ou ambos os Poderes estão cometendo erros?
Eloísa Machado - É importante, para começar, pensar bem qual é o papel do Supremo Tribunal Federal. O papel do STF, dado pela Constituição1988, é controlar os atos do Congresso Nacional e do Poder Executivo, sempre, claro,acordo com o texto constitucional. Então, quando o Supremo anula medida provisória do Poder Executivo, questiona alguns decretos, e abre uma investigação contra o presidente e seus ministros, não está fazendo nada mais do que a Constituição exige e determine que ele faça. O que estamos vendo é um Tribunal agindo como tal.
Se temos um Tribunal que, durante o ano2020, se mostra mais atuante frente aos controles que ele precisa exercer dos atos do Poder Executivo, talvez isso seja explicado por um Poder Executivo que também desafia mais a lógica da Constituição.
Se temos um Poder Executivo que desafia a Constituição, que questiona a integridade do nosso texto constitucional e que desafia a autoridade do Supremo, me parece que não há aí uma equivalência entre dois lados errados.
O Poder Executivo me parece consideravelmente equivocado na maneira como tem lidado com o controle que é legitimamente exercido sobre seus atos, e o Poder Judiciário tem mantido uma considerável serenidade, decidido cada caso avaliando as razões jurídicas para, eventualmente, anular um ato ilegal do presidente.
BBC News Brasil - Aliados do presidente atingidos pela operação da Polícia Federalquarta-feira (27/05) dizem que o inquérito das Fake News é ilegal. Afirmam também que não cometeram crime e estão tendoliberdadeexpressão violada. Como vê essas duas questões?
Eloísa Machado - Vou separar o enfrentamento dessas duas questões. Um primeiro tema, que é o tema principaldefesa que estátodas as redes sociais e tem feito parte do discursoministros e do Presidente da República, éque o Supremo estaria censurando indevidamente a opiniãomembros do governo eseus aliados. De maneira nenhuma isso parece ter razão.
Não estamos dianteum casoliberdadeexpressão pelo que se pode apurar até agora. O que estamos é dianteameaças eincitação à violência e ao descumprimentoordens judiciais, todos esses (atos) tipificados como crime por nossa legislação.
É evidente que todos nós temos liberdadeexpressão, mas não podemos cometer crime valendo-se pretensamente dessa liberdade. O que temos é uma investigação ordinária (comum). O inquérito descobriu até agora que essas ameaças, que essa incitação à violência e ao descumprimentodecisões judiciais tem se dadomaneira articulada entre alguns blogueiros, deputados e assessores parlamentares e um núcleofinanciamento dessa máquinaameaças até agora.
Então, o inquérito adotou medidas como a busca e apreensão, a quebrasigilo (fiscal e bancário), convocou algumas dessas pessoas a prestar esclarecimentodepoimentos, e nenhuma dessas medidas é extraordinária. Todas essas medidas são muito comuns no cursouma investigação.
O que é preocupante no inquérito do Supremo, e é preciso que a gente faça essa ponderação, é que ele é baseado no regimento interno do STF, que diz (em seu artigo 43) que, na hipóteseum crime nas dependências do Tribunal, o presidente do Supremo poderá indicar um ministro relator para promover essa investigação.
O que a gente precisa analisar é se essas ameaças disseminadas, através inclusiveredes sociais, compõem nessa interpretação sobre o ambiente do Tribunal, e também qual é o alcance dos poderesum juiz que promove uma investigação.
Há uma questão muito importante para o EstadoDireito: o juiz que participauma investigação, que produz uma provaacusação, não pode depois se envolver no julgamento desse caso. O AlexandreMoraes disse que não vai fazer isso, mas o plenário do STF precisa se debruçar sobre essa questão e enfrentar esse tema central para o Estado DemocráticoDireito que é garantir a imparcialidadequem vai avaliar essas provas.
BBC News Brasil - Alguns juristas apontam que esse inquérito acaba desrespeitando alguns princípios do direito penal brasileiro, da Constituição. Como o regimento do Supremo pode se sobrepor a princípios constitucionais? É sobre essa questão que o plenário do STF terá que se debruçar? Lembrando que há ações questionando a legalidade do inquérito sob relatoria do ministro Edson Fachin prontas para julgamento desde maio2019, mas o presidente Dias Toffoli se recusa a levá-las ao plenário.
Eloísa Machado - O regimento interno, definitivamente, não se sobrepõe à Constituição. Para isso, não temos dúvida. O que precisamos entender é: há poder específico para o STF promover investigações no âmbito do Tribunal? Se houver esse poder, ou seja, se for reconhecida a legitimidade desse artigo 43 do regimento interno, como ele deve ser conduzido para que se garantam os princípios constitucionais? Quais princípios são esses?
O da imparcialidade do juiz,que quem colhe a prova não vai, definitivamente, poder julgar esse caso lá na frente. O da participação do Ministério Público, que detém a titularidade da ação penal. Então, qualquer denúncia que sair desse inquérito necessariamente deverá sair a partir da interpretação e discricionariedade do membro do Ministério Público.
Então, ainda que o relator AlexandreMoraes tenha tentado responder à parte dessas críticas, pois ele garantiu que a denúnciafato segue como competência do Ministério Público, (tem que estar garantido também) que ele não vai participar do julgamento e que todas as diligências pedidas nessa investigação sejam feitasacordo com o devido processo legal.
Então, é essencial que o plenário do STF se debruce sobre esse inquérito, sobre as circunstâncias que ele foi criado, se ele teve a amplitude adequada nos termos do regimento interno para que não fira os princípios do processo legal e da Constituição, e também que haja uma determinação clara desse relator, do AlexandreMoraes, (para que não participe) num eventual julgamentoalguém a partir das informações desse inquérito.
BBC News Brasil - Como avalia a recusa do presidente Dias Toffolilevar o inquérito para análise do plenário? Se isso tivesse sido feito, poderia ter havido uma chancela do plenário, dando mais legitimidade à investigação, ou o inquérito poderia ter sido encerrado desde o início.
Eloísa Machado - Também o regimento interno do Supremo garante o poderpauta do presidente. Então, o grande poder do presidente do STF, sem dúvida nenhuma, é poder escolher o que o plenário vai julgar ou não. Existem muitas pesquisas criticando a faltatransparência na escolhacritérios desses casos: por que um caso mais novo eventualmente entra na frenteuma caso mais antigo? Por que casos polêmicos são às vezes esquecidos e não entrampauta?
Independentemente do debate que se coloca agorarelação ao inquérito, o poder do presidente do Supremo para pautar o que o plenário vai julgar é uma questãoatençãotodos os pesquisadores e constitucionalistas, euma maneira muito crítica. Porque mais importante do que o Tribunal julga é o que ele não julga. E a única pessoa que faz esse filtro é o presidente do STF.
Então, é importante que o Supremo também, não só a partir da crítica que se faz à ação relativa a esse inquérito, mas a várias outras ações relevantes, estabeleça uma política interna mais clara e mais transparente sobre quais afinais serão os critérios para escolher os casos que serão julgadosplenário.
BBC News Brasil - Alguns juristas que estão apoiando esse inquérito destacam o momento que estamos vivendo,fortes manifestações autoritárias por parte do governo Bolsonaro eseus aliados. Por isso, afirmam, se justificaria o STF lançar mãoinstrumentos heterodoxos para se contrapor a supostos abusos do Poder Executivo. Esse contexto justifica esse inquérito? Os fins justificariam os meios?
Eloísa Machado - No Direito, os fins não justificam os meios e há alternativas, há caminhos legais oferecidos pela Constituição para que devidamente sejam apuradas essas ameaças e essa incitação ao crime. Não estamos falandoum cenárioque não exista uma lei, não exista um procedimento,que talvez o Tribunal precisaria criar algo novo. Já estáandamento uma Comissão ParlamentarInquérito (no Congresso) apurando justamente esses mesmos fatos (a CPI das Fake News).
Temos uma denúncia desde a época das eleições sobre a presença também dessa máquinaameaças edisseminaçãofake news (na campanha presidencialBolsonaro) para ser apurada na Justiça Eleitoral e que pode inclusive gerar consequências muito fortes (a cassação dos mandatos) tanto para Jair Bolsonaro como para o Mourão.
Então, nós temos caminhos institucionais para que essa questão seja resolvida. Quando começamos a mudar o procedimento ou fazer concessõesrelação ao devido processo legal, a partir do réu que está sendo julgado ouquem está sendo investigado, já saímosuma normalidadeEstadoDireito e já estamos entrando num Estado que não preserva essas mesmas garantias processuais. E isso é ruim, isso não é bom para ninguém.
A minha posição éque não há saída e não há resposta que não seja uma resposta constitucional. Nós temos leis suficientes e temos instituições capazesoferecer essa resposta. E eu espero que esse caminho seja o mais brevemente possível retomado para controlar os atos do Presidente da República, quefato não se mostra nem um pouco preocupado com a integridade da Constituição, que levanta o tom, que é bastante irresponsávelrelação a suas falas e atitudes e que tem inclinações autoritárias. Isso já está bastante evidente.
É preciso fortalecer as instituições para controlar esse Poder autoritário e responsabilizá-lo. Eventualmente, dar curso a um processoimpeachment. Eventualmente, ter capacidadedar curso a essa investigação criminal sobre a interferência na direção-geral da PF. Então, há caminhos institucionais que estão abertos, que podem permitir essa responsabilização. Quando as instituições começam a criar decisões excepcionais, elas se fragilizam para apresentar essa resposta, que é a resposta que fortalece a lógica constitucional.
Então, na minha perspectiva, um Tribunal forte é muito relevante para enfrentar o autoritarismo, um Congresso Nacional respeitado e forte também é importante para enfrentar o autoritarismo, mas o devido processo legal está aí para garantir que a gente não se bandeie para o lado deles e também se torne autoritário no meio do caminho.
BBC News Brasil - O governo Bolsonaro tem dado repetidos sinaisque cogita desrespeitar ordens do STF. Na quinta-feira (28/05), o presidente disse que "ordens absurdas não se cumprem". O que pode acontecer se o presidentefato desrespeitar uma decisão do STF?
Eloísa Machado - Descumprir decisão judicial não é uma opção que existe no Direito, não é opção constitucional. Se o presidente levar a cabo essa ideia, vai estar abandonando a legalidade que ele jurou seguir quando tomou posse no cargoPresidente da República. Decisão judicial se cumpre e é contestada no âmbito do processo, com recursos, com outras ações. É assim que se faz num Estado DemocráticoDireito.
Quando o presidente se recusa a cumprir uma decisão judicial, ele incorrecrimeresponsabilidade ao desrespeitar os comandos do Poder Judiciário e pode vir a sofrer um processoimpeachment. Não há desobediência à Constituição que fique impune.
Mas aqui eu quero chamar atenção para um ponto: Bolsonaro também litiga no STF. Tem uma sérieações que foram propostas pelo presidente Jair Bolsonaro, inclusive muito recentemente, e ele obteve respostas positivas. Então, por exemplo, no questionamento da ampliação do BenefícioPrestação Continuada (aprovada pelo Congresso), quem entrou com a ação foi o presidente Jair Bolsonaro, inclusive ele assina junto com o advogado-geral da União. Ele foi parcialmente vitorioso nesa ação.
Da mesma maneira com relação à interpretação da LeiResponsabilidade Fiscal, para afastar um eventual crime orçamentário num momentodecretaçãocalamidade (devido à pandemiacoronavírus), o Supremo também concordou com a posição que ele reivindicou perante o Tribunal.
Então, me parece que o presidente gosta do Tribunal só quando dá decisão positiva para ele. Quando a decisão é negativa, ele prefere não brincardemocracia eEstadoDireito. Só que a nossa Constituição não permite que ele tenha esse podersimplesmente ignorar as leis, a Constituição e as decisões judiciais.
BBC News Brasil - A senhora citou as ações que tramitam na Justiça Eleitoral questionando a eleição da chapaJair Bolsonaro e Hamilton Mourão. Nessa terça-feira (26/05), o novo presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, disse que é possível compartilhar informações do inquérito das Fake News com a investigação dessas ações. O fatoa legalidade desse inquérito estar sendo questionada pode impedir esse compartilhamento?
Eloísa Machado - O compartilhamentoprovas entre processos é bastante comum no Direito, chamamos issoprova emprestada. Para que isso possa acontecer, você tem que ter parâmetros aliatuaçãoum advogado,devido processo legal respeitado, para que aquela prova esteja íntegra. Não me parece que tenha um questionamento específico sobre a legalidade das provas produzidas durante esse inquérito. O que se coloca ali, especialmente, é o papel do juiz, se ele vai ou não vai julgar alguém com base nessas provas que ele próprio colheu.
Certamente isso vai gerar uma nova discussão jurídica, um novo questionamento, mas juridicamente essa práticaemprestar provasum processo para o outro é bastante comum. Em se estabelecendo (em julgamento pelo plenário do STF) quais são os critériosobservância do devido processo legal nesse inquérito, isso poderá sim vir a servirprova no processo eleitoral que está sendo conduzido no TSE.
BBC News Brasil - Na quarta-feira, o ministro da Justiça, André Mendonça, entrou com pedidohabeas corpus no STF para impedir que o ministro da Educação, Abraham Weintraub, prestasse depoimento no inquérito das Fake News, sobredeclaração defendendo a prisãoministros do Supremo durante a reunião ministerial22abril. Isso gerou críticas porque normalmente é a AGU que representa o governo no Supremo. É um caso grave ou não?
Eloísa Machado - Há várias questões super interessantes nesse ponto. A Advocacia Geral da União é uma advocaciaEstado,preservação do interesse do Estado brasileiro,facilitação da adoção dessas políticas (públicas elaboradas pelo governo federal). Já há uma primeira questão sobre se os advogados da União, e o advogado-geral da Uniãoparticular, deveriam se prestar ao papeldefesa criminalalguém que está sendo acusado por um crime no exercício da função pública.
Porque muitas vezes a defesa que o AGU vai fazeruma pessoa dessa pode inclusive ter um conflito com a necessidadepreservação do patrimônio da União.
Se pegarmos casos clássicoscorrupção ou mesmodesviofinalidade, a AGU tem como missão a preservação do patrimônio público. Como ela pode eventualmente defender alguém acusadocorrupção num processo criminal porque essa pessoa é um ministro ou eventualmente o Presidente da República? Aí já tem uma questão complicada.
O segundo ponto é, a gente não tem sequer a AGU, o que já seria questionável, atuando na defesacrimes particulares cometidos por integrantes do governo. O que temos no caso do Weintraub é completamente diferente. Há uma acusação pela qual ele já responderacismo, uma investigação que está aberta, e agora temos um chamamento para um depoimento e ele se valeuuma defesa do ministro da Justiça, que era o antigo AGU.
A história toda me parece muito despropositada. Não lembroprecedenteum ministro da Justiça agindo na defesainteresses particularesalguém do governo, também isso pode ser entendido como um tipodesviofinalidade.
Alémser muito inusitada a forma como o habeas corpus foi proposto, não havia nem a necessidade dele. Se Weintraub se entende no depoimento como alguém que está sendo investigado, ele pode simplesmente dizer que não vai, porque ele não precisa se incriminar, e quem garante esse direitoque ele não precisa se incriminar é o próprio Supremo Tribunal Federal, que disse que o acusado não é obrigado a produzir provas contra ele mesmo e, portanto, não pode ser conduzido coercitivamente, por exemplo.
Então, (o pedidohabeas corpus) me parece muito mais um efeito midiático, algo para gerar mais uma reação do Supremo e ser explorado (politicamente), do quefato uma estratégia jurídica muito sofisticada. Mas agora vamos precisar aguardar o resultado desse habeas corpus proposto pelo ministro da Justiça,defesainteresses particulares do ministro da Educação.
[Nota da redação: Após a entrevista com a professora Eloísa Machado, a Polícia Federal compareceu ao Ministério da Educação na sexta-feira (29/05) para colher o depoimentoWeintraub, que optou por permanecersilêncio, exercendo assim seu direitonão produzir provas contra si mesmo. Edson Fachin ainda não julgou o pedidohabeas corpus, e é possível que agora decida não analisá-lo, já que a tentativadepoimento já ocorreu.]
BBC News Brasil - A senhora está citando o julgamento do Supremo que considerou inconstitucional que uma pessoa seja conduzida coercitivamente a depor quando está na condiçãoinvestigado, decisão tomadauma ação que o PT apresentou após a condução coercitiva do ex-presidente Lula na Operação Lava Jato. Então, Weintraub já estaria liberadocomparecer por essa decisão?
Eloísa Machado - Foi esse o argumento que ele usou no habeas corpus. Então, ele nem precisaria ter entrado com o habeas corpus, bastava uma comunicaçãoque vai se valer dessa garantia (que o protege)não precisar se incriminar (em um depoimento).
Após esse contexto da Lava Jatoinúmeras conduções coercitivas, inclusivepessoas que estavamhospital, e também aquela condução espetacular do ex-presidente Lula, filmada por helicóptero, etc, o Supremo foi muito tranquilodizer que o depoimento é uma garantia do acusado: se ele quiser se explicar, ele tem que ter essa oportunidade, mas ele não pode ser obrigado a deporum assunto que pode incriminá-lo.
Então, a solução jurídica seria muito simples, e essa manobra todaministro da Justiça entrando com habeas corpus me parece muito pouco juridicamente explicável, mas politicamente talvez faça sentido para eles.
BBC News Brasil - Após a divulgação da fala do Weintraub na reunião ministerial chamando ministros do STFvagabundos e defendendo suas prisões, alguns ministros como Luís Roberto Barroso e Marco Aurélio Mello disseram que não tomariam providências sobre isso, talvez para não levar essa crise adiante. E o AlexandreMoraes veio como uma decisão dentro desse inquérito, que é questionável, pedindo o depoimento dele. É um decisão que mostra uma reação a Weintraub, mas que acaba jogando mais lenha na fogueira à toa?
Eloísa Machado - Certamente, estamos dianteum crimeofensa contra a honraministros. Então, a decisãoCelsoMello (que autorizou o vídeo da reunião ser divulgado e determinou que os ministros atacados fossem comunicados) está olhando para esse aspecto. Ele diz que o minitro que se sentir ofendido pode vir a ter a necessidaderequisitar um ação penal privada para que isso seja avaliado.
Me parece que a justificativa do AlexandreMoares é outra, que o ministro se preocupou com o discurso(Weintraub de) que colocaria todo mundo na cadeia, que tem que acabar com esse Poder. Me parece que o que está colocado ali, ao menos na pertinênciaMoraes chamar Weintraub a depor, é a incitação à violência contra os Poderes. Moraes até menciona nessa decisão alguns artigos da LeiSegurança Nacional, que dariam amparo a esse questionamento frente ao Weintraub.
Então, são decisões que estão olhando por enfoques diferentes: uma olha para a honra dos ministros, na hipótese específica do uso da expressão vagabundos, e uma outra discussão é essa incitaçãoque tem que por na cadeia, que dialoga com o objeto do inquérito (das Fake News) do AlexandreMoares.
BBC News Brasil - AntesAugusto Aras assumir a Procuradoria-Geral da Repúblicaoutubro, parlamentares e partidos costumavam apresentar pedidosinvestigação diretamente à PGR. Como Aras é visto como alinhado ao governo, passaram a apresentar ao STF, que apenas encaminha à Aras, gerando um fato político. Considera adequada essa atuação dos parlamentares? Ou é um uso indevido do Judiciáriodisputas políticas?
Eloísa Machado - Estamos dianteum grande problema frente à atuação do atual procurador-geral da República. E,fato, a gente percebe como aquela garantia da lista tríplice,haver a restrição da indicação (do presidente ao cargoPGR) com base numa lista escolhida pela própria carreira (prática inaugurada por Lula2003, mas que não é obrigatória), fazia sentido. Issofato trazia um grau maiorindependência desse procurador-geral. O que a gente vê com Aras é que ele não questionou a constitucionalidadepraticamente nenhum ato do governo Bolsonaro2019.
E olha que teve muita coisa (passívelquestionamento), no âmbitoarmas, direitos socioambientais, direitos da criança e do adolescente... um monteatos do Poder Executivo. E o procurador-geral da República se movimentou só para questionar (com uma ação no STF) especificamente uma política que alterava a estrutura interna do Ministério Público,2019.
Chega2020, começa a pandemia, essa discussão todadessincronizaçãopolíticas entre as entidades subnacionais (Estados e municípios) e o Governo Central, e também não é a PGR que assume esse protagonismo, que sempre teve,preservação da Constituição.
Chega (a questão da) a responsabilidade criminal (do presidente) e Aras começa a arquivar tudo, faz vistas grossaseventual prática criminosa por parte do Presidente da República. Uma sérienotícias-crime relacionandas à conduta do presidente Jair Bolsonaro à incitaçãodescumprimentomedida sanitária preventiva, quando ele ia à rua e incitava as pessoas a não cumprirem o isolamento, foram sumariamente arquivadas pela PGR.
Quando veio o depoimento do (Sergio) Moro (sobre a possível interferência política na PF), me parece que Aras precisouqualquer maneira responder a essa questão (e por isso abriu uma investigação).
Faz falta um procurador-geral da República com independência e que cumpra integralmente amissão constitucional. Os parlamentares e qualquer pessoa, na verdade, podem apresentar uma notíciacrime. Mas há procedimentos, na verdade, diferentes: há um procedimento penal que é aplicado para todo mundo, e há um procedimento penal previsto na Constituição que é aplicado para o Presidente da República. E ainda não se sabe muito como esse funciona.
Por exemplo, na hipóteseAras arquivar todas as representações criminais contra o presidente, não tem nenhum controle sobre o que o PGR faz? Essa é uma questão que certamente precisará ser enfrentada pelo Supremo. O Supremo pode reavaliar um arquivamento numa hipóteseomissão comprovada do PGR? São questões que chegarão por lá.
Então, me parece que essa procura direta pelo STF talvez já seja uma tentativa de, diante da omissão do órgão que é incumbidofazer isso, tornar os ministros cientes ao menos do que está acontecendo. E aí o ministro CelsoMello foi irretocável (ao enviar ao PGR o pedidoapreensão do celularBolsonaro apresentado por partidos).
Ele encaminhou ao procurador-geral da República, e falou: "você tem que fazer esse trabalho, avalie se está certo ou não (o pedidoinvestigação do celular), arque com o ônusuma decisãoarquivamento ouprosseguimento (do pedido), e o meu papel aqui é avaliar se tudo isso vai ser feito dentro da legalidade".
BBC News Brasil - O Congresso deve tornar a lista tríplice obrigatória? Há também propostas no Congresso para proibir a recondução do PGR para novos mandatos, ou que seja estabelecida uma quarentena até que um ex-PGR possa ser indicado ao STF, tudo para que o PGR não fique tentado a querer agradar o presidente. Seriam mudanças positivas?
Eloísa Machado - Sim, é importante avaliar nosso desenho institucional e corrigir no que for preciso. Então, medidas como a incorporação da lista tríplice na lei para indicação do PGR é um dos caminhos. Outros caminhos, por exemplo, é a necessidadeuma quarentena para quem ocupa o cargoAGU,ministro do STJ ePGR possa ser indicado ao Supremo, justamente para evitar que esses cargos sejam instrumentalizados no interesse particular para uma eventual indicação.
Então, me parece que uma sériemedidas tem sido pensada para se aprimorar os mecanismos institucionais e tornar eles mais legítimos, mais transparentes e mais controláveis.
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