Coronavírus no Maranhão: casospoker pkocovid-19 se multiplicam e pobreza dificulta combate à doença:poker pko

Cartazpoker pkopapelão

Crédito, Acervo pessoal

Legenda da foto, Feirante Edson colocou recado para garantir proteção a ele e aos clientes na feirapoker pkoFátima

Morando com a mãe diabéticapoker pko60 anos, o irmão asmático, a irmã e o cunhado, Christiane, 36 anos, tem se desdobrado para arrecadar e distribuir doaçõespoker pkocestas básicas pelo bairro, já que sabe que muitos dos seus alunos dependiam da merenda escolar para se alimentar. "Dói não poder abraçar meus alunos. Expliquei que estamos passando por um problema muito sério e que a gente só pode bater o cotovelo. Para eles entenderem na cabecinha deles que a tia continua amando elespoker pkocoração".

O médico Marcos Adriano Garcia Campos, 25 anos, antecipoupoker pkomaio para abrilpoker pkoformaturapoker pkomedicina pela Universidade Federal do Maranhão para reforçar o atendimento durante a pandemia. Desde então o médico, que cresceu e mora até hojepoker pkoCoroadinho, trabalhapoker pkodois postospoker pkoatendimento na Vila Luizão e outro na Liberdade, bairros da periferia onde já há, respectivamente, 105 e 46 casos confirmadospoker pkocovid-19.

"Nesses bairros mais vulneráveis, a questão econômica tem sido muito sentida. Às vezes a gente prescreve um medicamento e o paciente diz que não tem dinheiro para comprar porque aquele dinheiro vai ser usado para comprar comida, e não remédio".

Os relatos acima são exemplospoker pkocomo, na periferiapoker pkoSão Luís epoker pkooutras capitais pelo país, a pobreza e as condições precáriaspoker pkoque vive a população têm atrapalhado bastante as estratégiaspoker pkocombate ao novo coronavírus.

No Maranhão,poker pkoque vivem 6,8 milhõespoker pkohabitantes, as dificuldades são ainda mais gritantes: é o Estado do Brasil com a maior proporção da população vivendopoker pkosituaçãopoker pkopobreza, segundo dados Instituto Brasileiropoker pkoGeografia e Estatística (IBGE).

54,1% dos maranhenses vivem com menospoker pkoR$ 406 por mês; além disso, maispoker pko81% não têm acesso a saneamento básico adequado, contra a média nacionalpoker pko35,9%. Para 29,2% dos maranhenses, não há abastecimentopoker pkoágua tratada.

Christiane com máscarapoker pkofrente a laptoppoker pkosala

Crédito, Acervo pessoal

Legenda da foto, Christiane suspendeu as aulas do projeto socialpoker pkoCoroadinho, mas arrecada cestas para garantir alimentação dos alunos

Fazer home office tampouco é opção na realidade do Maranhão. O Estado tem o maior percentual do paíspoker pkotrabalhadores informais — são 64,9% dos trabalhadores ocupados, segundo dadospoker pko2018. De acordo com o governo do Estado, só 300 mil pessoas têm planopoker pkosaúde no Maranhão,poker pkouma populaçãopoker pkoquase 7 milhõespoker pkopessoas.

Na noitepoker pkoquinta-feira, a Justiça do Maranhão decretou o bloqueio total, ou lockdown,poker pkoquatro municípios da Região metropolitanapoker pkoSão Luís: São Luís, São Josépoker pkoRibamar, Paçopoker pkoLumiar e Raposa. A decisão vale pelo prazopoker pkodez dias, a partir do dia 5poker pkomaio, atendendo a uma ação do Ministério Público do Maranhão. Nesse período, ficarão suspensas todas as atividades essenciais à manutenção da vida e da saúde, com exceçãopoker pkoserviçospoker pkoalimentação, farmácias, portos e indústrias que trabalhampoker pkoturnospoker pko24 horas.

'Sabíamos que quando chegasse na periferia não ia ter controle'

Na última semana, desde o dia 23poker pkoabril, o ritmo das mortes no Estado acelerou e passou a crescerpoker pkodois dígitos, registrando maispoker pkodez óbitos por dia. Só na quinta foram 21 mortes.

Acredita-se, no entanto, que a situação é ainda pior. Testando apenas os casos graves que demandam internação, o próprio governo do Estado estima que o númeropoker pkocasos seja muito maior do que indicam os dados oficiais.

"Tem um número muito grandepoker pkocasos subnotificados. A impressão que a gente tem époker pkoque a cidade inteira está doente. Principalmente nos últimos 15 dias, quando passamos a ter maispoker pko150 casos confirmados por dia", afirma o secretáriopoker pkoSaúde do Maranhão, Carlos Lula, que relata a grande dificuldadepoker pkoatender à demanda por leitospoker pkoUTI, apesar do grande esforço do governo.

"Por mais que eu abra mais UTIs, eu não tenho condiçãopoker pkoreceber 80 novos pacientes por dia. Nós alugamos um hospital privado inteiro que estava fechado; inauguramos um hospital público que terminamospoker pkoum curto espaçopoker pkotempo. Eu estou alugando mais dois hospitais privados e finalizando a obrapoker pkoum público", conta o secretário.

Na noitepoker pkoquinta (30), a secretaria informou que 77,6% dos 161 leitospoker pkoUTI da capital e 58,4% dos 351 leitos clínicos estão ocupados atualmente com casospoker pkocovid-19. A ocupação já chegou a 100%, mas o governo corre contra o tempo para abrir novas unidades e evitar que pacientes graves fiquem sem atendimento. Nesse caso, chamadopoker pkocolapso do sistema hospitalar, o risco époker pkoque muitos pacientes morram com faltapoker pkoar e dificuldades respiratórias, sem acesso a respiradores.

A secretaria informou que, nas estratégiaspoker pkocombate ao novo coronavírus, realizou a expansãopoker pko735 leitos exclusivos — 230 leitospoker pkoUTI e 505 leitos clínicos — e ainda seguempoker pkoampliação.

"Está prevista, ainda para a próxima semana, a aberturapoker pkomais 130 leitos exclusivos na rede estadualpoker pkosaúde para a capital, que apresenta uma taxapoker pkoocupação hospitalar mais acentuada", disse Lula.

Diante da escalada dos casos, o governador Flávio Dino (PCdoB) havia declarado a intençãopoker pkoendurecer as regraspoker pkocirculaçãopoker pkopessoas na Ilhapoker pkoSão Luís, que inclui os municípiospoker pkoSão Luís, Paço do Limiar, Raposa e São Josépoker pkoRibamar.

Começo nas áreas mais ricas, avanço nas mais pobres

Embora os primeiros casospoker pkocoronavírus do Maranhão tenham sido registradospoker pkobairros litorâneos consideradospoker pkoelitepoker pkoSão Luís, atualmente, dos dez bairros da capital com mais casospoker pkocovid-19, quatro são considerados vulneráveis: têm baixos índicespoker pkosaneamento, baixa renda e altos indicadorespoker pkoviolência. "E já já eles vão estar entre os primeiros, porque eu tenho subnotificação".

"A gente sabia que quando chegasse na periferia a gente não ia ter controle sobre a doença. Porque a condiçãopoker pkohigiene é inadequada, a pessoa não vai ficarpoker pkocasa. Não adianta eu pedir para ela ficarpoker pkocasa, que ela não fica", afirma o secretário, que diz que, mesmo medidaspoker pkofiscalização policial não têm surtido o efeito esperado. Nas periferias, o comércio reabre assim que a "batida" se afasta.

O secretário defende que, no combate ao coronavírus no Brasil, é preciso ponderar e discutir como lidar com o enorme peso da desigualdade social. "O discurso do 'ficapoker pkocasa', ele é muito simples para a Itália, para a França, para os Estados Unidos. Mas como eu vou falar para a pessoa ficarpoker pkocasa aqui, sabendo que ela morapoker pkoum cômodo com seis ou sete pessoas, dormindo no mesmo colchão? Que tem um colchão para dormir o pai, a mãe e dois filhos? A gente está sofrendo hoje as consequênciaspoker pkotermos falhado enquanto sociedade", diz.

Secretário Carlos Lula posa para foto sorrindo

Crédito, Divulgação/Governo do Maranhão

Legenda da foto, 'A impressão que a gente tem époker pkoque a cidade inteira está doente', diz o o secretáriopoker pkoSaúde do Maranhão, Carlos Lula

As feiras, foco descontroladopoker pkotransmissão

No dia 5poker pkoabril, quando o Maranhão já tinha 37 casos confirmados do novo coronavírus, imagens compartilhadas por moradorespoker pkoSão Luís nas redes sociais mostravam uma multidão fazia compras, aglomerada e sem máscara, para a Sexta-Feira Santa no Mercado do Peixe, na avenida Beira-Mar.

A BBC News Brasil ouviu, desde aquela data, relatospoker pkofuncionários dos mercados e feiras da cidade que diziam que vários feirantes já apresentavam sintomas da doença, sem pararpoker pkotrabalhar ou adotar medidaspoker pkoprevenção, tratando a doença como uma "virose" simples. Na imprensa local, reportagens apontam há anos para a precariedade das condiçõespoker pkohigiene, segurança e infraestruturapoker pkodiversos desses mercados e feiras da cidade.

Antonio Augusto Moura da Silva, médico epidemiologista e professor titular do departamentopoker pkoSaúde Pública da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), diz que, embora os indicadorespoker pkopobreza no Maranhão sejam menores do que eram há 30 anos, a vulnerabilidade socialpoker pkogrande parte da população do Estado pode se sobrepor aos fatores desfavoráveis ao vírus, como o clima quente do Maranhão.

A experiência do Brasil, um país continental, tropical e muito desigual, será importante para mostrar à ciência como o novo coronavírus avança diantepoker pkotais peculiaridades, que não eram tão expressivaspoker pkopaíses mais ricos da Europa e Ásia, por exemplo, afirma o epidemiologista.

"O governo federal tem sido muito lento no sentidopoker pkoamparar essas pessoas mais vulneráveis. Essa ajudapoker pkoR$ 600 está chegandopoker pkoforma muito pingada. E acho que isso explica porque, nos bairros mais pobres, não é que a população não queira se isolar, mas ela tem muita dificuldadepoker pkofazer isso, porque a necessidade delapoker pkosobrevivência é muito mais premente".

"A gente só vai poder responder essa pergunta, se a pobreza vai ampliar a disseminação do novo vírus, quando a gente vir a epidemia se desdobrar nos próximos meses. Porque na verdade o Brasil está nas fases iniciais ainda, subindo a montanha, subindo o pico. Realmente é muito preocupante".

O sanitarista e professor emérito da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Paulo Buss, diz que o foco das estratégias públicas para combater a covid-19poker pkofavelas e bairrospoker pkoalta vulnerabilidade social é trabalhar junto com a própria comunidade, que conhece as prioridades e desafiospoker pkocada território.

"A gente falapoker pkofavela no Maranhão, no Rio epoker pkoSão Paulo como se fossem a mesma coisa, mas não são. Que as unidades dos SUS utilizem, para a estratégia, a realidadepoker pkocada comunidade, compondo as regras com a ajuda da própria comunidade, quepoker pkogeral têm uma organização social tremenda."

Faltapoker pkoágua e produtospoker pkolimpeza

Dalva agachada no chão produzindo sabão

Crédito, Acervo pessoal

Legenda da foto, Dalva, desempregada por causa da pandemia, passou a fazer sabão e sabonetepoker pkocasa para distribuir aos vizinhos carentespoker pkoCoroadinho

A bombeira civil Dalva, 41 anos, também mora poker pkoCoroadinho, e diz que vê muitas famíliaspoker pkodesespero porque pararampoker pkotrabalhar. "Como eu moro aqui, a gente acaba vendo a situação das famílias mais carentes, que começa a faltar as coisas para as crianças, o clima está pesado. Principalmente aqui na área mais carentepoker pkoCoroadinho, que é uma invasão e as casas ainda são feitaspoker pkotaipas, lá estão passando muita necessidade. Está faltando principalmente materialpoker pkohigienização."

Preocupada e solidária, Dalva passou a arrecadar óleo usado e outros materiais para fazer sabão e sabonete para distribuir aos vizinhos com mais necessidade. "Como eu estou sem trabalhar, voltei a fazer sabão e sabonete para ajudar essas famílias". Na Páscoa, ela visitou algumas dessas famílias mais carentes para distribuir ovospoker pkoPáscoa arrecadados por voluntários da comunidade. Para muitas crianças, foi a primeira vez que ganharam o presente.

A bombeira também está sem receber salário, mas diz que, antes da pandemia, havia conseguido juntar algum dinheiro para sobreviver. Morando sozinha e sem pagar aluguel, diz quepoker pkodespesa é muito pequena, então sobra para ajudar. "Saí distribuindo para a minha família e postar nas redes sociais. Daí a Christiane viu e entroupoker pkocontato comigo, perguntando se eu podia ajudar na distribuição. A gente acabou se ajudando."

Casas lotadas e pouco espaço para distanciamento

Açouguepoker pkofeirapoker pkofátima, com vários clientes circulando, algunspoker pkomáscara

Crédito, Acervo pessoal

Legenda da foto, Na feirapoker pkoFátima, bairro onde 51 casos já foram confirmados, movimento continuava na semana passada

O médico Marcos Adriano, que atende na periferiapoker pkoSão Luís, diz que o maior desafio no atendimento tem sido opoker pkorecomendar o tratamentopoker pkocasa, com medidas que envolvem, principalmente, higienização das mãos e distanciamento social.

"Quando a gente passa, por exemplo, a orientação do ficar a uma certa distância dos seus familiares, ficar a um ou dois metros, como é que você aplica issopoker pkouma casa que tem só dois cômodos epoker pkoque moram sete pessoas, dormem quatro pessoaspoker pkouma só cama? Isolamento domiciliar é inviávelpoker pkoalgumas situações, especialmente dessas famílias mais carentes", diz. Uma das estratégias adotadas, diz o médico, tem sido opoker pkofazer uma busca ativa por pacientes com sintomas por meio dos agentespoker pkosaúde, para avisar à equipe médica do bairro e evitar que familiares continuem a infectar os outros na mesma casa.

O mototaxista Eugênio Lemos, 45 anos, passou maispoker pkocinco dias sentindo febre, fraqueza, dorpoker pkogarganta e dor nas costelas sem conseguir atendimento no serviço públicopoker pkosaúde. Foi maispoker pkouma vez mandadopoker pkovolta para casa sem sequer receber a senha para atendimento.

Quando foi atendido, diz que foi orientado a voltar para casa após medirempoker pkopressão. Dias depois, o diagnóstico clínico e uma tomografia confirmaram que tinha covid-19. Isoladopoker pkocasa há quase um mês, ele perdeu a renda das corridas e a família vive apenas com a renda da aposentadoria da mãe no bairro planalto Anil I, que já tem maispoker pko14 casos confirmados. Passa o dia isolado no quarto. "A parte mais difícil foi nos primeiros dias, que senti uma quedapoker pkopressão e uma faltapoker pkoar forte. Pensei que não voltaria mais a respirar."

A pedagoga Christiane trabalha na Associação Núcleopoker pkoEducação Comunitáriapoker pkoCoroadinho, que hoje inclui uma creche, uma pré-escola e cursos profissionalizantes que atendem 250 pessoas. Todo o atendimento do projeto está suspenso, e hoje ela participa do comitê Coroadinho sem Corona, que coordena a arrecadação e distribuiçõespoker pkodoações, alémpoker pkocompraspoker pkoinsumos dos comerciantes locais.

Ela explica que o bairro, que faz parte do grupo G-10 das Favelas, reúne cercapoker pko30 comunidades, entre quilombos e invasões, e enfrenta dificuldades variadas. "É muito difícil trabalhar aqui dentro. Temos muitos morros e encostas, então temos construções com perigopoker pkodeslizamento, com perigopoker pkoalagamento. Na parte da palafita, (temos)um pessoal que mora bem perto da margem do rio, que transborda. Temos casas sem energia, casaspoker pkopau a pique e folhaspoker pkojussara. A maioria das partes do bairro não tem água, e algumas têmpoker pkodias alternados", relata.

Christiane diz que manter a higiene das mãos sem água epoker pkocasas lotadas é praticamente impossível. "Eu vejo aqui pela minha casa todos têm o seu cômodo, mas ninguém tem porta. Eu tenho famíliapoker pkoaluno meu que tem 11, 14, 20 pessoaspoker pkouma mesma casa e são dois cômodos, isso quando não é um cômodo só.

Trancar ou não trancar?

Dois dias antespoker pkoa Justiça decidir pelo lockdownpoker pkoSão Luís, o secretáriopoker pkoSaúde Carlos Lula disse à BBC News Brasil que a medida estavapoker pkoestudo, mas que seria muito difícilpoker pkoimplementarpoker pkorazão da baixa adesão da população ao isolamento social. Cogitava, inclusive, a realizaçãopoker pkoum censo para apurar,poker pkomaneira mais realista, o númeropoker pkoinfectados no Estado.

"É uma realidade dura que a gente não vai combater com polícia. Imagina prender o idoso que está vendendo caranguejo no meio da rua, o que vai me adiantar a polícia dizer não, vai lá, ficapoker pkocasa. O discurso do ficarpoker pkocasa, se não tiver o mínimopoker pkoadesão, não tem eficácia", lamenta o secretário.

'Principalmente nas áreas mais pobres da cidade, é como se nada tivesse mudado. E lá a feira e o comércio é tudo junto. Então por mais que a gente faça batida com a vigilância, com a polícia, a  gente vai, faz, epoker pkotarde eles já voltam à atividade normal como se nada tivesse acontecido. Quando a gente pega o depoimento dessas pessoas eles vão dizer assim: não, eu não posso ficarpoker pkocasa, porque a gente vai morrerpoker pkofome'. O maior percentual da população com trabalho autônomo informal no Brasil é o Maranhão. Então são pessoas que se ficarempoker pkocasa não vão ter nenhum tipopoker pkorenda", prossegue.

"Eu posso decretar o lockdown na cidade. Mas a gente se pergunta: é aí? Quem é mesmo que vai cumprir essa medida? Nós não vamos colocar a polícia batendopoker pkotodo mundo, fazendo as pessoas voltarem para dentropoker pkocasa. Não funciona. Então tem um problema gravíssimo, social, que eu não posso responsabilizar o indivíduo porque falhei como sociedade. Eu tenho um problemapoker pkodireito à saúde que não pode ser convertido no dever individualpoker pkocumprir regra sanitária nesse momento."

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