Sem ajudaTrump ou Bolsonaro, imigrantes brasileiros sofremcrise do coronavírus nos EUA:
"A gente achava que finalmente ia viver os sonhos que já tinha deixado pra trás, que a gente ia mandar dinheiro pro Brasil. Era tudo ilusão. Quem pensa que vai vir pros Estados Unidos pra passar necessidade?", ela relata,lágrimas.
Fabiana já emagreceu 25 quilos desde a viagem, que custou US$ 15 mil dólares, apenas parcialmente pagos a um coiote — o traficantepessoas que viabiliza a entrada irregularimigrantes pela fronteira. "Demos quase tudo o que a gente tinha, chegamos no país com US$ 100 no bolso", diz.
O marido arrumou "bicos" como azulejista, carpinteiro, faxineiro, ajudante. Cada diaum lugar, com um patrão diferente. Recebia cercaUS$ 120 por dia. Mas, com a doença e o fechamento quase completo dos comércios há cercaum mês, todos os trabalhos desapareceram.
O governoMassachussets determinou que nada funcionará até o dia 4maio. Com o aluguel atrasado e uma dívidaUS$ 3,8 mil com o coiote, Fabiana faz as contas: "Recebemos três cestas básicas do pessoal da igreja, brasileiros que ajudam. Temos o que comer por mais duas semanas. Se ele não conseguir voltar a trabalhar até lá, não sei o que vai ser".
O sofrimento dela é o mesmoalguns milharesbrasileiros indocumentados nos Estados Unidos que,meio à quarentena geral e à recessão econômica, não têm direito ao auxílioUS$ 1,2 mil (R$ 6,2 mil) aprovado recentemente pelo governo americano para pessoassituação vulnerável — nem aos R$ 600 mensais da renda básica emergencial brasileira.
Segundo o Itamaraty, há hoje cerca1,2 milhãobrasileiros vivendo nos Estados Unidos. Deles, entre 250 mil e 400 mil não têm autorização para isso, segundo estimativa2016 do Migration Policy Institute.
Invisíveis aos dois sistemasproteção social e sem qualquer rendatrabalho, já que tudo parou, eles não sabem como pagarão as contas ou comprarão comida nas próximas semanas. E temem que até mesmo pedir ajuda possa levá-los à prisão ou à deportação.
"Imigrantes, especialmente os que não tem documentação, são os mais atingidos na crise. A maioria deles trabalha no setorserviços, que está sendo afetado tremendamente. Tudo está fechado. A renda deles diminuiu muito", afirma Esther Pereira, diretora da ONG Immigrant Resource Center, sediadaDeerfield Beach, no sul da Flórida, que presta auxílio a migrantestodo o país.
"O imigrante não é funcionário, é autônomo, se não trabalha, não ganha. Não têm direito ao seguro-desemprego. As pessoas ficam desesperadas."
Quando o dinheiro termina antes da quarentena
Consultado, o Itamaraty informou que não teria como consolidar os númerospedidosajudabrasilerossituação"desvalimento" nos Estados Unidostempo hábil. Mas, segundo a BBC News Brasil apurou, na última semana, apenas o consuladoBoston recebeu mais900 pedidosajuda, e o número tende a aumentar conforme a quarentena se prolonga.
"Nas últimas 48 horas, maiscem brasileiros nos procurarambuscaauxílio financeiro: quase ninguém pagou o aluguel, muita gente com criança pequena e há semanas sem receber nenhum dinheiro", afirma Tiago Prado, um dos líderes comunitários brasileiros na regiãoBoston que ajuda a organizar e encaminhar as demandas dessas pessoas para instituiçõescaridade e autoridades brasileiras.
Por decisão judicial, ordensdespejo estão suspensas por enquanto, e a orientaçãoONGs e líderes comunitários éque as pessoas deixempagar o aluguel —muitos Estados, os despejos estão proibidos por algumas semanas ou enquanto durar a crise — e mantenham o dinheiro que têmmãos para gastos com comida e remédio.
"Não posso pagar o aluguel e ficar sem ter o que comer", diz André*,27 anos, há cinco anos moradorNova York, a megalópole do Estado mais afetado pelo coronavírus, que responde sozinho por 150 mil casos.
A cidade estáquarentena total desde 22março. André perdeu o empregogarçom antes disso e viu todas as outras formastrabalho desaparecerem. Sem recursos e sem visto, tomou uma decisão drástica: saiusua própria casa para sublocar o espaço e conseguir alguma renda.
Nesse período, foi morar com um amigo, donoum restaurante, que tenta salvar o que restou do negócio apostando no delivery. Em troca do teto, André faz algumas entregas do restaurante. Ele diz que teme se contaminar, mas que não vê outra opção a não ser sair por aí com refeições sob o braço para arrumar um jeitoviver.
André não tem convênio médico, e os Estados Unidos não contam com um sistema universalsaúde pública. Seu alívio é saber que o Congresso americano aprovou uma lei que obriga o Estado a custear testes e tratamentosaúde para quem contraia o vírus, independenteconvênio oustatus migratório.
Embora a expectativa inicial sejaque a quarentena dure até o dia 29abril, André acredita que a situação vai se estender até o fimjunho, o que é provável, considerando-se que os Estados Unidos se converteram no novo epicentro global da doença no mundo.
Hoje, a cada quatro infectados, um está no país: são mais400 mil contaminados e 15 mil mortos. E o pico da epidemia,acordo com a Casa Branca, acontecerá por volta do dia 15abril.
"Se a quarentena passarjunho, aí sim o bicho pega, porque minha reserva vai acabar e não vou ter mais dinheiro nenhum", diz André.
O prazo dele ainda é mais folgado do que o da paulista Roberta*,32 anos. Ela chegou aos Estados Unidos há um ano e dois meses com os três filhos — uma menina12 e gêmeos8 anos. Entrou com vistoturista, mas já sabia que não iria voltar.
Cabelereiraformação, ela ganhavamédia US$ 3 mil por mês como faxineira na Filadélfia, no Estado da Pensilvânia. O dinheiro era o suficiente para as contas e juntar uma reserva com a qual pretendia comprar os equipamentos necessários para voltar a trabalhar cortando cabelos.
A epidemia atropelou seus planos. O governo da Pensilvânia colocou a região onde ela moraquarentena no dia 23 — o prazo inicial até 6abril foi adiado para o dia 30. Os clientesRoberta sumiram desde então.
"Quando anunciaram, fiz uma boa compra para estocar comidacasa, mas já não tinha muita coisa na prateleira. Tava difícilencontrar carne, frango... Fui a quatro mercados para achar um pacotearroz. Agora, reponho o que vou usando."
No sustento durante a crise, ela está consumindo os US$ 400 que havia guardado. "Não posso nem falar que é um fundoemergência, porque é praticamente só para comer e pagar as contas que vou terpagar depois."
A família mudou os hábitos para fazer o dinheiro render, mas Roberta sabe que os recursos não vão durar além dos próximos 30 ou 40 dias. "A gente não pede mais comida fora duas vezes por semana como antes. Também sempre inventava uma refeição diferente. Agora é só o básico: arroz, feijão, macarrão, e estou racionando."
Ficar ou voltar
Em casa, Roberta se desdobra para entreter as crianças com jogostabuleiro, celular e televisão. Com bronquite, ela é gruporisco e não se arrisca nem dar uma volta no quarteirão.
Sua atitude não é exceção nas cidades ao redor do país. Mesmo áreas normalmente apinhadasgente, como a Times Square,Nova York, estão desertas nas últimas semanas.
"É desesperador ver tudo fechado, ninguém na rua. E passa muita ambulância, que é o som que eu mais ouço da minha janela. Ficava imaginando quem estava ali dentro, me colocava no lugar das outras pessoas que estão passando sufoco. É uma situação muito difícil, muito estranha", conta Tatiana*,51 anos, há sete morandoNova York.
Ela vive legalmente nos Estados Unidos, como estudante, mas seu trabalho, como babá para famílias brasileiras, é irregular, já que seu visto não permite que ela ganhe dinheiro no país. Por isso mesmo, ela não poderia receber auxílio financeiro do governo americano. Sem salário, está consumindo suas reservas, que devem durar mais um mês.
O impacto financeiro da pandemia fez com que ela pensassevoltar para o RioJaneiro.
"É uma misturasentimentos. Dá muita vontadeir, saircasa só com a minha mochila e ficar perto da minha família, porque estou sozinha aqui. Mas sinto que meu tempo aqui ainda não acabou. É um turbilhãopensamentos.", diz Tatiana.
Os imigrantes ouvidos pela BBC News Brasil se dividem entre querer ficar e a vontadepartir.
Roberta sabe que a situação pode demorar a voltar ao normal. "Querendo ou não, vai ser muito mais fácil eu me recuperar financeiramente aqui do que no Brasil", ela aposta.
Mesmo se pudesse receber algum auxílio do governo brasileiro caso voltasse, ela diz que essa ajuda é "muito pequena se comparado à quantidadeimpostos e contas" que precisa pagar no Brasil, onde dividia a casa commãe.
"Não sobrava quase nada no fim do mês. Aqui, eu consigo viver bem melhor e posso dar uma educação boa para os meus filhos." Além disso, se ela deixasse o país, ficaria impedidavoltar por dez anos — punição imposta a imigrantes deportados ou que viveram no país ilegalmente.
É a mesma situaçãoFabiana que, no entanto, afirma que voltaria ao Brasil "amanhã mesmo" se ao menos tivesse como pagar as passagens. "Mas meu marido me diz: como vamos arrumar dinheiro pra ir embora e quitar as dívidas que temos lá no Brasil?".
Pelo menos duas famílias já pediram ajuda ao consuladoBoston para ser repatriadas. Os casos estãoanálise. Para Pereira, é provável que a quarentena impulsione muitos a voltarem para o Brasil.
"Acho que a pandemia está mudando o modopensar das pessoas, porque está mostrando que o que traz conforto mesmo são a família e os amigos. E ninguém sabe como a economia vai ficar depois", diz ela.
E conclui: "Quando há uma crise econômica como a que virá agora, os serviços não essenciais são os que sofrem mais, e são esses serviços que o brasileiro presta. Se as pessoas não tiverem dinheiro, você não chama uma faxineira, não tinge o cabelo, não faz a unha, não lava o carro. Vai demorar um tempo para o dinheiro voltar a circular, e essas pessoas não vão ter uma renda. Não sei o que elas vão fazer".
*Os nomes dos entrevistados foram trocados para preservar suas identidades.
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