O cientista que perdeu a bolsasport maispesquisa enquanto estudava o novo coronavírus:sport mais

Ikaro Alvessport maisAndrade, entre orientadores Fernando Lucassport maisMelo (à esq) e Tatsuya Nagata

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, Ikaro (sentado, no meio, ao lado dos orientadores) foi provadosport mais1º lugar no programasport maisdoutoradosport maisbiologia microbiana da UnB

"Fiquei sabendo (que não teria bolsa) alguns dias atrás. Primeiro fiquei sabendo da Portaria 34 (da Capes), e que estávamos sofrendo sucessivos cortessport maisbolsas. Depois, liguei para a coordenação do meu curso, perguntando. E aí me disseram que as bolsas estavam comprometidas (cortadas)", contou Ikaro à BBC News Brasil na tarde da terça-feira (31).

Concentraçãosport maisbolsas

A Portaria 34 a que Ikaro se refere é uma decisão da Capes publicada no dia 18sport maismarço deste ano. O ato mudou os critérios para a concessãosport maisbolsassport maispesquisa no país — mas o órgão nega que ele tenha resultadosport maiscortes no número totalsport maispesquisadores apoiados.

Em nota publicadasport maisseu site, a Capes disse que 20% dos cursossport maispós-graduação do país viram o númerosport maisbolsassport maisestudo cair, massport mais42% dos cursossport maismestrado e doutorado, o númerosport maispesquisadores que recebem bolsa subiu.

Em relação ao ano passado, são 3,3 mil bolsas a mais, diz a Capes. O número total passousport mais81,4 mil bolsas para quase 85 mil, segundo o órgão.

Em nota à reportagem da BBC News Brasil, a Capes diz que o programasport maispós-graduaçãosport maisIkaro ficou sem bolsas por ter nota 4 na avaliação da instituição. E ressaltou que Ikaro não "perdeu" nada, apenas ficou sem o incentivo porque seu curso não obteve bolsas.

"Por ser nota 4, (o curso) não receberá nenhuma bolsa da ação emergencial (de enfrentamento ao coronavírus)", diz ainda a nota da Capes.

Os critérios da fundação, porém, são questionados por alguns: um integrante da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) do Ministério Público Federal (MPF) recomendou à fundação que revogue a portaria. Já a associação dos estudantessport maispós-graduação, a ANPG, disse que a medida contribuiu para concentrar as bolsas nos cursos com nota cinco.

Nos últimos dias, acelerou-se o crescimento da epidemia do novo coronavírus no Brasil. Na tarde desta terça-feira (31), o Ministério da Saúde anunciou que o país confirmou 1.138 novos casos da doença, um recorde. Ao todo, são 5.717 infecções confirmadas no Brasil, e 201 pessoas morreramsport maisdecorrência da covid-19. Desses óbitos, 136 ocorreram no Estadosport maisSão Paulo.

Sequenciamento está acontecendo no país inteiro

O Laboratóriosport maisVirologia da UnB, onde Ikaro trabalha, é apenas um dos vários grupos que estão fazendo o sequenciamento genético dos casos do novo coronavírus no Brasil.

No caso da UnB, o trabalho é feitosport maisparceria com os laboratórios da rede Sabin (privada) e do Lacen (Laboratório Centralsport maisSaúde Pública) do DF.

"O sequenciamento serve para nós conhecermos a organização genômica do vírus. O sequenciamento ajuda a tentar entender os parâmetrossport maiscomo o vírus pode se espalhar no território nacional. E uma outra questão é que serve para monitorar os eventossport maismutação (do vírus)", diz Ikaro.

"Esse monitoramento serve para verificar se essas mutações poderão afetar alguma característica biológica do vírus. Por exemplo, reforçar o carátersport maispatogenicidade (a capacidadesport maisprovocar doenças)", explica ele.

O doutorando é orientado por dois professores da UnB: os virologistas Tatsuya Nagata e Fernando Lucassport maisMelo. Este último diz que, por enquanto, a "equipe" no laboratóriosport maisvirologia conta com apenas duas pessoas: ele mesmo e Ikaro.

Pessoa manipulando sangue

Crédito, EPA

Legenda da foto, Ministério da Saúde confirmou maissport mais5,7 mil casossport maiscoronavírus no Brasil

"Somos eu e ele, na verdade. Estou aqui, neste exato momento (começo da tardesport maissábado, 27sport maismarço) trabalhando", diz Fernando. A tarefa consistesport maissequenciar o genoma das amostrassport maisvírus enviadas pelos laboratórios, com o consentimento dos pacientes.

"Na semana que vem, vamos enviar um projeto para fazer o sequenciamentosport maismassa da doença", explica ele. "Por enquanto, estou usando dinheirosport maisoutros projetos que a gente tinha para fazer o sequenciamento do corona (...). A ideia é depois fazer issosport maisforma mais intensa, que é o que as pessoas no Brasil inteiro estão fazendo", diz.

"Sem sequenciar o genoma (do vírus) você não consegue investigar como é o padrãosport maistransmissão. Por exemplo: eu consigo te mostrar que a maioria das infecções no Brasil vieramsport maisamostras da Europa e dos Estados Unidos. Causaram essas infecções localizadas. E a partir do momentosport maisque eu tenho a transmissão dentro do país, é preciso saber como o vírus está se movendo aqui", explica o professor.

"Em Brasília, por exemplo, o avião presidencial (a comitiva que acompanhou o presidente da República na viagem a Miami, nos EUA) é um cluster (um centro)sport maistransmissão com 23 pessoas. Se eu sequenciar todas elas, e começar a sequenciar o genomasport maistodos os pacientessport maisBrasília, consigo te dizer se, e como, esse grupo contribuiu para espalhar a epidemia aqui", explica o professor.

'Não terei como continuar o trabalho'

Fernando Lucassport maisMelo diz que o programasport maispós-graduação do qual Ikaro participa, osport maisbiologia microbiana (PGBM), é relativamente recente. É por isso que o curso possui nota quatro na escala da Capes (que vai até sete).

"A UnB nos informou que não recebeu nenhuma cota para esse curso específico. A alternativa era conseguir alguma bolsa emergencial com a universidade, pelo fatosport maisele estar estudando o corona. Mas, até agora, não recebemos nenhuma indicaçãosport maisque isso vá acontecer", diz o professor.

Coronavírus

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, O projeto inicialsport maisIkaro era trabalhar com a identificaçãosport maisnovos vírus que afetam animais vertebrados

O projeto inicialsport maisIkaro era trabalhar com a identificaçãosport maisnovos vírus que afetam animais vertebrados — o que inclui também aves, peixes, anfíbios e répteis, além dos mamíferos como o homem. O início da pandemia, porém, fez ele incluir uma tarefa a maissport maisseu dia a dia. "Pelo fato do coronavírus ser correlato ao meu trabalho, resolvi ajudar (no sequenciamento)", diz ele.

Ikaro é naturalsport maisGurupi (TO), cidadesport maismenossport mais100 mil habitantes localizada a quase 800 kmsport maisBrasília. Ele se mudou para a capital federal há alguns anos, para o mestrado. Sua situação econômica o habilitou a usar a assistência estudantil da universidade — o que inclui um alojamento para alunos da pós-graduação.

As regras da UnB determinam, porém, que ele deve deixar o local depoissport maisconcluir o mestrado. Contando com a bolsa do doutorado, ele alugou um imóvel próximo à universidade. Mas, agora, não sabe se conseguirá honrar o compromisso.

"Sendo bem honesto: sem a bolsa, sem o financiamento, eu não consigo me manter fazendo a minha tese. Porque, infelizmente, Brasília é uma cidade cara. O custosport maisvida aqui é alto", diz ele.

"Eu não consigo me manter só com a ajuda da minha mãe. Não vou conseguir contribuir para o meu país como pesquisador, e me aprimorar na pesquisa da microbiologia", diz ele. Ikaro diz que seu objetivo, depoissport maisconcluído o doutoramento, é atuar como professor universitário.

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