Funai suspende atendimento e famílias indígenas passam fome no Mato Grosso do Sul:galaxyno no deposit
A origem das dificuldades enfrentadas pela comunidadegalaxyno no depositSolano está bem longe dali,galaxyno no depositBrasília. No fim do ano passado, a Fundação Nacional do Índio (Funai) decidiu que não vai mais atender comunidades indígenas que não vivamgalaxyno no depositáreas que já tenham sido completamente demarcadas.
No caso da comunidadegalaxyno no depositSolano, isso significa que os servidores da Funai não vão mais até a área acompanhando os caminhões da Conab (Companhia Nacionalgalaxyno no depositAbastecimento) que fazem a distribuição. Sem o apoio da Funai, a empresa pública parougalaxyno no depositfazer a distribuição.
O papel dos indigenistas, neste caso, é guiar os caminhoneiros, intermediar o contato com os indígenas (em alguns dos acampamentos os moradores não falam português) e registrar a quantidadegalaxyno no depositcestas entregues. Assim, sem o apoio da Funai, os alimentos pararamgalaxyno no depositchegar.
Em nota à BBC News Brasil, a Funai disse que não é obrigaçãogalaxyno no depositajudar na entrega das cestas: há decisão da Justiça (do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, o TRF-3,galaxyno no depositagostogalaxyno no deposit2018) obrigando a União e o governogalaxyno no depositMato Grosso do Sul a entregar as cestas, mas a Funai não foi incluída no despacho.
"A Funai informa que há uma decisão judicial determinando que a entregagalaxyno no depositcestas básicas seja realizada pelo governo do Mato Grosso do Sul e pela União, entretanto a Fundação não faz parte da ação", diz a nota.
"Há que se esclarecer que não existe relação entre a distribuiçãogalaxyno no depositcestas básicas e Terras Indígenas não homologadas no Mato Grosso do Sul. O fornecimentogalaxyno no depositalimentação pela União a aldeias daquele Estado permanece regular", disse o órgão.
Também disse que há decisão judicial obrigando a União a entregar os alimentos, mas que essa obrigação não se estende à Fundação — ela não é alvo da decisão judicial.
O argumento usado internamente pela Funai, expostogalaxyno no depositdiversos documentos aos quais a BBC News Brasil teve acesso, é ogalaxyno no depositque o órgão não pode incentivar a permanência dos indígenasgalaxyno no depositáreas ocupadas: a ajuda poderia provocar processos contra a União por partegalaxyno no depositfazendeiros que foram alvo da ação dos índios, resultandogalaxyno no depositdano aos cofres públicos.
De acordo com a decisão judicial mencionada pela Funai, a União ficaria responsável pela entrega dos alimentosgalaxyno no depositcomunidades não demarcadas, enquanto o governo do Mato Grosso do Sul entregaria as cestas nas comunidades já estabelecidas — as entregas feitas pelo governo estadual seguem normais.
Para procuradores da República que acompanham o caso, ouvidos pela BBC News Brasil, o verdadeiro objetivo seria forçar a saída dos indígenasgalaxyno no depositáreasgalaxyno no depositdisputa.
Faltagalaxyno no depositapoio
À BBC News Brasil, a Conab reiterou que parougalaxyno no depositentregar os alimentosgalaxyno no depositmeadosgalaxyno no depositjaneiro, por faltagalaxyno no depositapoio da Funai.
"A Conab leva os alimentos até as áreas ocupadas (pelos indígenas) e realiza as entregas sempre com a coordenação e o acompanhamento da Funai, órgão que atesta para a Companhia o recebimento das cestas", diz a nota da empresa pública.
"A partir da segunda quinzena deste mês é que a atividade foi suspensa, pois a Funai informou à Conab que não realizará o acompanhamento das entregas", disse a empresa pública,galaxyno no depositnota enviada no fimgalaxyno no depositjaneiro.
Em novembro e dezembro, foram entregues 2.997 cestasgalaxyno no depositalimentos por mês, disse a Conab, somando quase 66 toneladas mensaisgalaxyno no depositmantimentos. Em janeirogalaxyno no deposit2020, foram 1.100 cestas, antes que a distribuição fosse interrompida, no dia 17.
Em reportagem do jornal O Globo sobre o assunto, no dia 16galaxyno no depositjaneiro, a empresa pública dizia não estar tendo dificuldades para realizar as entregas — apesar dos depoimentosgalaxyno no depositindígenasgalaxyno no depositoutros acampamentos atestando a falta das entregas.
Disputas, ocupação e demarcação
A Pyelito Kue é originalmente partegalaxyno no deposituma fazenda, chamada Cambará. Foi ocupada pelos indígenasgalaxyno no deposit2011, e estágalaxyno no depositprocessogalaxyno no depositdemarcação. Uma decisão judicialgalaxyno no deposit2014 dá aos indígenas o direitogalaxyno no depositpermanecer no local até a conclusão do processo.
Assim como acontece na comunidade Pyelito Kue, os índios ocupantesgalaxyno no depositoutras terrasgalaxyno no depositdisputa também pararamgalaxyno no depositreceber os alimentos, mesmo com a decisão judicial favorável.
Marco Antonio Delfino Almeida é procurador da Repúblicagalaxyno no depositMato Grosso do Sul. Segundo ele, entre 40 e 50 mil indígenas vivem no Estado do Mato Grosso do Sul, e algo como 10 ou 20% deles moram hoje fora das reservas demarcadas.
Um levantamento da Funai mencionava a existênciagalaxyno no deposit75 acampamentos indígenasgalaxyno no depositáreas não demarcadas, que abrigavam ao todo 1.750 famílias.
"É importante colocar que é uma questãogalaxyno no depositsaúde. A gente não pode ter crianças (indígenas) com baixo peso por causagalaxyno no deposituma interpretação, a meu ver absurdamente equivocada, da legislação. Na verdade, a lei é muito clara sobre o fornecimentogalaxyno no depositcestas básicas", disse o procurador à BBC News Brasil no fimgalaxyno no depositjaneiro.
O braço do Ministério Público Federalgalaxyno no depositMato Grosso do Sul (PRMS) fará uma recomendação à Funai para que os indigenistas voltem a ajudar na entrega das cestas, diz Almeida.
O procurador reconhece, no entanto, que os governos federal e estadual nunca tentaram nenhuma política para resolver definitivamente o problema, dando uma vida digna às comunidades.
"Então (é preciso) que a Funai e o governo federal façam o papel deles — e eu estou aqui há 12 anos, e esse papel nunca foi feito —galaxyno no depositefetivamente fazer uma política pública para permitir que essas comunidades tenham um bem-viver", diz.
'Vamos tergalaxyno no depositrecorrer a Sergio Moro'
A recomendação da Procuradoriagalaxyno no depositMato Grosso do Sul não é a primeira recebida pela Funai.
No dia 02galaxyno no depositdezembrogalaxyno no deposit2019, o coordenador da 6ª Câmaragalaxyno no depositCoordenação e Revisão (CCR) da Procuradoria-Geral da República (PGR), Antonio Carlos Alpino Bigonha, avisou o presidente da Funai sobre a necessidadegalaxyno no depositretomar o atendimento aos indígenas — e deu prazogalaxyno no depositcinco dias para que a situação fosse normalizada.
A 6ª CCR é o órgão da PGR que cuidagalaxyno no depositcasos relativos às populações indígenas e comunidades tradicionais. A recomendação é assinada também por representantes da Defensoria Pública da União (DPU).
A recomendação veio após a Funai negar permissão para que um indigenista viajasse ao municípiogalaxyno no depositJateí (MS) para acompanhar a distribuiçãogalaxyno no depositcestas básicas a ser feita pela Conab.
A recomendaçãogalaxyno no depositBigonha, no entanto, não foi atendida. O presidente da Funai, Marcelo Augusto Xavier da Silva, respondeu à PGR e à DPU que não existia qualquer "ato administrativo" da Funai sobre o assunto. Ou seja: a orientação (mostrada no documento acima)galaxyno no depositsó mandar servidores a terras indígenas regularizadas nunca foi formalizada na Fundação.
Além disso, argumenta Xavier na resposta ao MPF e à DPU, "não ofende o princípio da predominância do interesse público a priorização do enviogalaxyno no depositservidores com base na dicotomia invasor/não invasor, danificador/não danificador, sendo paradoxal que a FUNAI contribua com apoiogalaxyno no depositcapital humanogalaxyno no depositbenefíciogalaxyno no depositíndios que pratiquem atos pelos quais o Estado poderá responder civilmente, financiando o seu próprio risco", escreveu ele no dia 24galaxyno no depositdezembrogalaxyno no deposit2019.
Diante da resposta, Bigonha diz que a conduta da Funai será apurada.
As terras indígenas demarcadas, lembra ele, embora sejam ocupadas pelos índios, são na verdadegalaxyno no depositpropriedade da União. Além disso, na maioria das vezesgalaxyno no depositque as disputas por terras vão parar na Justiça, o governo acaba ganhando.
"É por isso que a União sempre foi muito ciosa na proteção dos índios. Porque é do interesse dela (também) proteger seu patrimônio. Isso não é uma visão ideológica,galaxyno no depositesquerda. É uma visão conservadora", diz ele.
"Na nossa visão isto infirma (enfraquece) o próprio papel da Funai. Que é, num primeiro momento, defender os direitos indígenas, para assegurar a posse das terras (para a União) (...). Nessa perspectiva,galaxyno no depositalgum momento, vamos tergalaxyno no depositrecorrer ao Ministério da Justiça, que é o órgãogalaxyno no depositcontrole da Funai, o órgão superior da Funai", disse Bigonha à BBC News Brasil.
"Para que o ministro (Sergio) Moro, que é um juiz federalgalaxyno no depositcarreira e que conhece bem isso, exerça seu papelgalaxyno no depositcoordenação. Uma autarquia (a Funai) não pode interpretar as suas atribuições no sentido contrário ao seu dever legal", diz ele.
A reportagem da BBC News Brasil também procurou o Ministério da Justiça, mas a pasta disse que cabe à Funai comentar o assunto.
Por que os indígenas precisamgalaxyno no depositcestas básicas
Jaqueline Gonçalves,galaxyno no deposit29 anos, é cientista social e está começando um mestradogalaxyno no depositantropologia na Universidade Federalgalaxyno no depositGrande Dourados (UFGD). Ela é também indígena da etnia Guarani-Kaiowá, e veio da Reserva Indígenagalaxyno no depositDourados.
No começo do século 20, o governo criou oito reservas no Estado para a etniagalaxyno no depositJaqueline — com área totalgalaxyno no deposit3,6 mil hectares.
"Hoje, esses espaços não são mais suficientes, porque o povo cresceu bastante", explica ela.
"A partirgalaxyno no deposit1980, esse povo começou a voltar para o seu território tradicional, o território do qual foram expulsos (quando da criação das reservas). E entraram numa disputa territorial com os fazendeirosgalaxyno no depositMato Grosso do Sul. Estes já estavam com os títulosgalaxyno no depositposse das terras. E até hoje os indígenas reivindicam a terra que era deles", disse ela à BBC News Brasil.
Ao contrário das cidades — que crescem conforme a população aumenta — as reservas indígenasgalaxyno no depositMato Grosso do Sul têm hoje o mesmo tamanho que tinhamgalaxyno no deposit1917, quando foram demarcadas, argumenta Jaqueline.
Por outro lado, muitas das terras onde os indígenas vivem estão degradadas, diz ela, vários locais só podem ser cultivados com agrotóxicos, o que os indígenas não fazem. Além disso, a existênciagalaxyno no depositum conflito sobre a posse da terra dificulta a realização dos cultivos.
Para a maioria dos indígenas que vivemgalaxyno no depositáreas "de retomada", a única opçãogalaxyno no depositrenda acaba sendo o trabalho eventual e esporádico nas fazendasgalaxyno no depositvolta, dizem profissionais que trabalham com estas comunidades.
O procurador Marco Antonio Delfino Almeida conta que o governo federal, desde a época do antigo Serviçogalaxyno no depositProteção ao Índio (de 1910 a 1967), defendia a ideia da "renda indígena": as reservas deveriam produzir recursos financeiros, seja com cortegalaxyno no depositmadeira; extração mineral, ou arrendamentogalaxyno no depositterras para a agricultura.
"O ideal era que realmente a terra indígena homologada fosse sinônimogalaxyno no depositbem-viver. De comunidades sustentáveis. Mas, especialmente no centro-sul do país, isso não é verdade", diz ele.
Por conta desse quadro, diz Marco Antonio, as crianças da etnia Guarani-Kaiowá sofrem com um quadro severogalaxyno no depositbaixo peso e desnutrição infantil. O quadro era tão severo, diz o procurador, que o tema foi alvogalaxyno no deposituma Comissão Parlamentargalaxyno no depositInquérito (CPI)galaxyno no deposit2008.
Mudançagalaxyno no depositrumo na Funai
Marcelo Augusto Xavier da Silva assumiu como presidente da Funaigalaxyno no depositjulhogalaxyno no deposit2019. Sua indicação foi patrocinada pelo pecuarista e atual secretário do Ministério da Agricultura Nabhan Garcia.
Delegado da Polícia Federal, Xavier foi também assessor da CPI da Funai e do Incra da Câmara,galaxyno no deposit2016, a convite da bancada ruralista no Congresso.
Ele substituiu no comando da Fundação um general da reserva do Exército, Franklimberg Ribeirogalaxyno no depositFreitas. Este último tem ascendência indígena e,galaxyno no depositseu discursogalaxyno no depositdespedida, disse que o presidente Jair Bolsonaro estava "mal assessorado" a respeito da política indigenista.
"Quem assessora o senhor presidente não tem conhecimentogalaxyno no depositcomo funciona o arcabouço jurídico que envolve a Funai (...). E quem assessora o senhor presidente é o senhor Nabhan. Que, quando fala sobre indígena, saliva ódio aos indígenas", disse Franklimberg, na ocasião.
Bolsonaro, antes mesmogalaxyno no depositse tornar presidente da República, prometia não demarcar mais terras indígenas. "Se eu chegar lá (na Presidência da República), não vai ter um centímetro demarcado para reserva indígena ou para quilombola", disse elegalaxyno no depositabrilgalaxyno no deposit2017, numa palestra no Clube Hebraica do Riogalaxyno no depositJaneiro.
A Constituiçãogalaxyno no deposit1988 garante aos indígenas o direitogalaxyno no depositmantergalaxyno no depositorganização social, costumes, línguas, crenças e tradições — e também os direitos sobre as terrasgalaxyno no depositque sempre viveram. É papel da União demarcar essas terras e protegê-las, segundo a atual Constituição brasileira (art. 231).
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