Por que Bolsonaro enfrentará um Congresso ainda mais poderoso2020:

Os senadores Esperidião Amin (centro) e Davi Alcolumbre (dir)

Crédito, Marcos Oliveira / Agência Senado

Legenda da foto, Em anodureza nas contas públicas, Congresso será 'o primo menos pobre', diz Amin (centro)

2020 será ainda um ano mais curto na política — por causa das eleições municipaisoutubro, deputados e senadores costumam diminuir o ritmo do trabalho no segundo semestre. Também ficam menos dispostos a votar pautas consideradas "negativas", que possam prejudicar seu desempenho nas urnas.

Orçamento cada vez mais nas mãos do Congresso

As emendas parlamentares são pequenas modificações que os congressistas fazem ao Orçamento, determinando como deve ser gasto o dinheiro público. Normalmente são apresentadasoutubro, para o orçamento do ano seguinte.

Os políticos costumam destinar este dinheiro a projetos nos locais onde vivem seus eleitores. Emendas podem ser usadas para obrasinfraestrutura, como a pavimentaçãouma rua; ou para custear o funcionamentoserviçossaúde, entre outras finalidades.

Em 2020, as novas regras do chamado Orçamento Impositivo obrigarão o Executivo a pagar não só as emendas individuais dos deputados e senadores (o que já acontece desde 2014), mas também as emendas das bancadas dos Estados.

Até 2019, essas modificações ao Orçamento poderiam ou não ser pagas — e frequentemente não eram. Agora, o pagamento da maior parte desse valor passa a ser obrigatório.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia

Crédito, Pablo Valadares / Câmara dos Deputados

Legenda da foto, Congresso tem papel preponderante na discussão do Orçamento no mundo todo, diz Rodrigo Maia

O Orçamento deste ano traz R$ 15,4 bilhõesemendas obrigatórias, entre individuais (R$ 9,5 bilhões) ebancadas (R$ 5,9 bilhões).

Ou seja: se o bolo fosse dividido igualmente entre os 513 deputados e os 81 senadores, cada um deles teria algo como R$ 25,9 milhõesemendas obrigatórias para o ano2020.

Na prática, porém, a divisão não é tão exata. Cada bancada estadual usa um critério diferente para dividir o bolo das emendasbancada, diz o consultororçamento da Câmara dos Deputados Hélio Tollini. Ele é autoralguns estudos sobre o Orçamento Impositivo.

Os R$ 15,4 bilhões das emendas obrigatórias se tornam ainda mais importantesum ano como 2020 — no qual a margemgastos "livres" do Executivo está muito reduzida, diz Tollini.

De R$ 3,6 trilhões do Orçamento da União para 2020, apenas R$ 135,9 bilhões (ou 3,6%) sãogastos liberados ("discricionários", no jargão orçamentário). E é justamente desta fatia que vão sair as emendasdeputados e senadores.

O resto do dinheiro está comprometido com transferências para Estados e municípios; pagamentoaposentadorias, juros da dívida e saláriosservidores.

Tollini explica ainda que, pela regra do tetogastos, o crescimento do gasto com uma área (como as emendas) terásignificar a reduçãooutras. O tetogastos é uma norma constitucional criada2016 no mandato do ex-presidente Michel Temer (MDB), segundo a qual os gastos totais do governo não podem aumentar — apenas acompanhar a inflação.

"O que está sendo disputado agora é a composição da despesa. Quando o Legislativo transforma as suas despesas (com emendas)gastos obrigatórios, ele ocupa espaço (fiscal). Resta ao Executivo tentar baixar as suas", diz Tollini — ele ressaltou que fala por si, e nãonome da ConsultoriaOrçamento (Conof) da Câmara.

O senador Esperidião Amin (PP-SC) foi o relator, no Senado,uma das duas PECs aprovadas2019 e que alteraram o Orçamento Impositivo.

Segundo ele, o Congresso está ocupando espaço no Orçamentoforma "lenta, gradual e segura". "Na verdade, nós estamos adotando o Orçamento Impositivo gradualmente", diz Amin à BBC News Brasil.

No ano que vem, o percentual das emendas "obrigatórias"bancada subirá novamente,acordo com as mudanças aprovadas2019.

O objetivo final, diz Amin, é tornar todo o Orçamento impositivo.

Hoje, o Orçamento brasileiro tem caráter "autorizativo": a lei aprovada pelo Congresso a cada ano autoriza os gastos, que podem ou não acontecer, conforme decisão do Executivo. No futuro, o Orçamento poderá ser "prescritivo": tudo que foi aprovado deverá ser pago, e o governo só poderá modificar o Orçamento com o aval do Congresso, diz Amin.

"Acho que estamos evoluindo neste sentido, e acho que numa velocidade ainda maior do que eu imaginavainício. Não será surpresa para mim se o Orçamento se tornar totalmente impositivo até o fim do governo Bolsonaro", diz o senador.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), também falou sobre as novas regras do Orçamento Impositivoum café com jornalistas, no fimdezembro.

"O orçamento impositivo existe no mundo inteiro (...). E no mundo inteiro o espaço do Congresso (na elaboração do orçamento) é muito forte mesmo. E é pra ser forte", disse Maia na ocasião.

Bolsonaro terá ano complicado, dizem especialistas

Em 2019, Bolsonaro colheu resultados contraditórios emrelação com o Congresso.

Por um lado, saiu vitorioso emprincipal pauta econômica do período, a reforma da Previdência. Por outro, fechou o ano passado como o presidente que menos conseguiu aprovar medidas provisórias enviadas ao Congresso desde 2001,acordo com levantamento do site especializado Poder360.

Jair Bolsonaro

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Bolsonaro fechou 2019 como o presidente que menos conseguiu aprovar medidas provisórias enviadas ao Congresso desde 2001

Também teve quase 30% dos seus vetos a projetoslei revistos — o número total é maior que a soma do ocorrido nos governosFernando Henrique (PSDB) e dos petistas Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, segundo mapeou o jornal O EstadoS. Paulo.

Em 2020, há outros fatores que podem complicar a vidaBolsonaro no Congresso além do Orçamento Impositivo, dizem especialistas ouvidos pela BBC News Brasil.

Para começar, trata-seum ano eleitoral.

Os brasileiros irão às urnas eletrônicasoutubro para escolher prefeitos e vereadores dos 5.570 municípios brasileiros, e isto torna 2020 um ano "curto" no Congresso, diz o analista político Bruno Carazza.

No segundo semestre, diz ele, a tendência é que o Legislativo desacelere: alguns deputados e senadores serão candidatos, especialmente às prefeituras das capitais; outros vão participar das campanhasaliados.

Mesmo os que não disputarão nenhum cargo tendem a ficar mais reticentesapoiar pautas consideradas impopulares, diz ele.

"A eleição municipal começa a colocar as cartas na mesa para 2022. Os parlamentares estão atentos para formar as suas bases para a eleição nacional seguinte. Pautas impopulares tem perspectiva menorserem aprovadasanos assim", diz Carazza à BBC News Brasil.

Jair Bolsonaro com toucapapai noel

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Cientista político diz que Bolsonaro fez o possível para ter uma relaçãoconflito com o Congresso

Além disso há também o fatoque o próprio presidente não priorizou a construçãouma base aliada forte na Câmara e no Senado ao longo do ano passado, diz o cientista político e professor da EscolaAdministraçãoEmpresasSão Paulo (EAESP) da FGV, Cláudio Couto.

"O presidente fez todo o possível para isso (para ter uma relação conflituosa com o Congresso). Não fez nada para contribuir com a construçãoum ambiente menos conflagrado. Em todas as oportunidades que teve, aproveitou para jogar seus seguidores contra deputados e senadores", observa Couto.

Ao longo2019, Bolsonaro e seus três filhos com carreira política terminaram por alienar um grande número"ex-super-aliados", inclusive alguns dos principais articuladores do presidente da República no Congresso.

Em outubro, Bolsonaro tornou pública a desavença com o chefeseu antigo partido, o deputado Luciano Bivar (PSL-PE). O presidente acabou deixando o partido semanas mais tarde, e apenas 26 dos 53 deputados do PSL anunciaram a intençãosegui-lo paranova legenda, a Aliança pelo Brasil.

Dos 27 que ficaram no PSL, uma parte passou a criticá-lo.

A aprovaçãopautas previstas para este ano — como as reformas administrativa e tributária — depende principalmente da convergência entre os interesses do Planalto e os do comando do Congresso, diz o professor da FGV.

"Essa pautareformas é uma na qual há convergência com o Congresso, embora não necessariamente eles convirjam nos detalhes. Câmara e Senado podem aprovar 'uma' reforma tributária, por exemplo, mas não necessariamente a que o governo quer", diz Couto.

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