Amazônia, discurso na ONU, lealdade a Trump: Os riscos da política externaBolsonaro:
Mas, como é comumnegociações deste tipo, os ganhos obtidos até agora não foram gratuitos — houve contrapartidas controversas. E, segundo especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, as apostas na política externa também geram riscos no médio e longo prazo, como os listados a seguir:
— Possibilidadeisolamento do Brasil, caso governos aliados caiam
— Resistência da União Europeiaaprovar o acordo comercial do Mercosul
— Restrições dos europeus à entrada do Brasil na OCDE
— Potenciais boicotes a produtos brasileiros
O riscocolocar 'todas as fichas' no político A
Desde que tomou posse, Bolsonaro tem investidose aproximarDonald Trump, num comportamento que especialistasrelações exteriores dizem caracterizar um "alinhamento automático", quando uma nação passa a apoiar a outratodas as questõesconflito internacional.
O presidente também tem fortalecido a aliança com outros governos e líderes conservadores ou nacionalistas. Alguns exemplos são Benjamin Netanyahu,Israel, Viktor Orban, na Hungria, e Matteo Salvini, na Itália.
Fugindo da tradiçãoneutralidade, Bolsonaro tem ainda opinado diretamente no processo eleitoral da Argentina, defendendo a candidaturaMauricio Macri e fazendo críticas pesadas ao adversário dele, Alberto Fernandez, que tem a ex-presidente Cristina Kirchner como vice na chapa.
Maisuma vez, o presidente brasileiro disse que a Argentina poderá se tornar "uma Venezuela" se Fernandez vencer.
"Olhem o que está acontecendo na Argentina agora. A Argentina está mergulhando no caos. A Argentina começa a trilhar o rumo da Venezuela, porque nas primárias bandidosesquerda começaram a voltar ao poder", afirmou Bolsonaroagosto, durante evento no Piauí.
O risco dessa nova estratégiapolítica externa brasileira é o Brasil apostar fichas demaisgovernos que podem, eventualmente, cair ou simplesmente não se reeleger, aponta o professorRelações Internacionais Marco Vieira, da UniversidadeBirmingham, no Reino Unido.
A relação acaba sendo menos pragmática e mais pautada na identificação ideológica com líderes estrangeiros. Ou seja, deixaser uma relação entre Estados, para se tornar uma relação entre líderes.
"É uma política arriscada, porque pode levar a um isolamento do Brasil. O governo está apostando muito numa aliança bilateral com os Estados Unidos e é uma aliança que pode não ter futuro, a depender do resultado das eleições no ano que vem", disse Vieira à BBC News Brasil.
Trump vai tentar a reeleiçãonovembro2020. Mas, antes disso, terá que enfrentar a maior crise desde que se elegeu presidente2016. Ele virou alvoum processoimpeachment por ter pedido ao presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, que investigasse o filho do Democrata Joe Biden, potencial adversário do presidente americano na eleição do ano que vem.
Ou seja, se Trump é afastado do cargo ou não se reelege, os benefícios que o Brasil esperava obter com essa proximidade com Estados Unidos podem não chegar a se concretizar.
Vale lembrar que o Partido Democrata,oposição a Trump tem tido postura crítica ao governo Bolsonaro. Um dia depois do discursoBolsonaro na ONU, um grupo16 parlamentares apresentou uma resolução à Câmara dos Representantes para cancelar a designação do Brasil como aliado preferencial extra-Otan e suspender todo o apoio militar e policial oferecido pelos EUA ao governo brasileiro.
Se os democratas ganharem a eleição americana2020, a relação do Brasil com os Estados Unidos pode mudar radicalmente.
Outros aliados do governo Bolsonaro também perderam poder nos últimos meses. O partidoNetanyahu, o Likud, deixoupossuir o maior númerocadeiras no parlamento israelense: obteve 31 cadeiras, enquanto a coalizão Azul e Branca, liderada por Benny Gantz, conseguiu 33 dos 120 assentos, tornando-se a maior força no Legislativo.
Netanyahu tenta se manter como primeiro-ministro, apesarjá não ser o líder do partido mais votado. Mas, para isso, precisa conseguir o apoiooutros partidos ou da Aliança Azul e Branca para formar um governounião.
Já o líderultra-direita Matteo Salvini, que já foi elogiado várias vezes por membros do governo brasileiro, perdeu postoministro do Interior da Itália depois que seu planose tornar primeiro-ministro por meiouma eleição geral antecipada fracassou.
Ele rompeu a aliançaseu partido, a Liga, com o populista Movimento Cinco Estrelas, o que derrubaria o governo do primeiro-minsitro Giuseppe Conte e forçaria a realizaçãoum novo pleito.
Mas foi surpreendido pela decisão do Cinco Estrelasse aliar ao Partido Democrático,centro-esquerda. Com isso, Giuseppe Conte permaneceu no poder e Salvini perdeu a oportunidadese candidatar, alémser forçado a deixar o postoministro.
Na Argentina, o peronista Alberto Fernandez, que tem sido duramente criticado pelo presidente brasileiro, está na dianteira da corrida presidencial com Mauricio Macri, aliadoBolsonaro.
"O Brasil pode perder aliados importantes, como a Argentina, se mantivermos a políticaatacar e insultar o provável governo que vai assumir no lugar do Macri", ressalta o professorRelações Internacionais Marco Vieira.
Mas as opçõesalianças feitas por Bolsonaro também produziram benefícios, como o apoio dos Estados Unidos para a entrada do Brasil na OCDE, organização que formula políticas públicas e que conta com a participaçãoalgumas das maiores economias do mundo.
O processo ainda não foi concluído, mas fazer parte desse clubepaíses considerados mais desenvolvidos funciona como uma espécieseloqualidade e pode atrair investidores para o Brasil.
Em algumas ocasiões, também foram aventados riscos nas estratégiaspolítica externaBolsonaro que acabaram por não se concretizar.
Havia grande preocupaçãoque a proximidadeBolsonaro com os Estados Unidos e com Israel afastasse o Brasilalgunsseus principais parceiros comerciais, especialmente China e países árabes.
Mas, segundo Christopher Garman, diretor da consultoria internacional Eurasia Group, isso não aconteceu — pelo menos por enquanto.
"Era uma preocupação que a gente tinha que a postura antichinesa pudesse contaminar a relação bilateral, mas não é isso que está acontecendo", disse Garman à BBC News Brasil.
"Temos uma retórica muito forte, belicosa, polarizante. Mas a política externa está sendo conduzida pelo lado mais pragmático, tanto com a China quanto na maneiranegociar acordoslivre comércio."
Acordo do Mercosul com a União Europeia
Os analistas entrevistados pela BBC News Brasil concordam na avaliaçãoque o acordocomércio do Mercosul com a União Europeia pode ser o primeiro a sofrer concretamente com os efeitos colaterais da atual política externa brasileira.
O acordo, que ainda precisa ser ratificado pelos parlamentostodos os países envolvidos, foi anunciado durante a reunião do G20junho, no Japão, como uma das grandes vitórias do governo Bolsonaro.
A expectativa é que ele gere um aumentoUS$ 87 bilhões ao Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil15 anos, segundo estimativas do Ministério da Economia.
No entanto, desde a cúpula do G20, a relação entre Brasil e Europa estremeceu muito. A situação se complicou quando os incêndios na Amazônia ganharam a atenção do mundo.
Bolsonaro e o presidente francês, Emmanuel Macron, se envolveram numa séria trocaofensas por causa desse episódio. Macron cobrou do governo brasileiro providências na proteção da Amazônia, levou o assunto para ser debatido no G7, sem a participação do Brasil, e sugeriu que a floresta é patrimôniotodos.
Bolsonaro rebateu acusando Macronusar a Amazônia para proveito político próprio. Dalidiante, as trocasfarpas desandaram para o ataque pessoal, especialmente depoiso presidente brasileiro endossar um comentário machista feito no Facebook sobre a primeira-dama francesa, Brigitte Macron.
Também gerou repercussão internacional negativa, especialmente na Europa, o fatoBolsonaro ter inicialmente culpado organizações não-governamentais pelos incêndios na Amazônia.
Havia uma expectativaque,seu discursoabertura da Assembleia Geral da ONU, o presidente tentaria aplacar os ânimos, apresentando dados que demonstrassem o compromisso do governo no combate ao fogo e na proteção da floresta.
"O que eu esperava que ele pudesse fazer é tentar desmontar parte dos argumentos, chamar atenção para as ações positivas, o compromisso do governo com a biodiversidade e contra o desmatamento", diz Christopher Garman, da Eurasia Group.
Em vez disso, Bolsonaro disse que o Brasil estava sendo alvo"ataques sensacionalistas" da mídia internacional e fez referência indireta à França e à Alemanha, dizendo que "um ou outro país,vezajudar, embarcou nas mentiras da mídia e se portouforma desrespeitosa, com espírito colonialista".
"Ele focou na questão do ataque à soberania do Brasil. Então, externamente, não se passou a visãoque esse é um governo comprometido com o combate ao desmatamento", avalia Garman.
Vários países europeus estão agora usando a questão ambiental para tentar derrubar o acordo comercial com o Mercosul, que ainda precisa ser ratificado pelos parlamentos.
O parlamento da Áustria, por exemplo, aprovou uma moção contra o texto e parlamentares franceses, irlandeses e alemães já manifestaram a intençãorejeitar o acordo.
"Obviamente existem interesses outros. A França, por exemplo, sofre uma pressão muito grande doméstica do setor agrícola, que não vê o acordo com bons olhos. Mas a posiçãoBolsonaro sobre meio ambiente permite que essa questão seja usada a favor desses interesses", diz Marco Vieira, da UniversidadeBirmingham.
"Macron vai criar uma imagem na Françaliderança na área ambiental para fragilizar o acordo."
Perdaprivilégios na OMC
Outro aspecto da política externa brasileira afetada pela guinada nas estratégias internacionais do governo é o comercial.
Como já foi mencionado nesta reportagem, a parceria do governo com os EUA foi extremamente importante para que o Brasil obtivesse o apoio para entrar na OCDE. E, sefato for aceito nessa organização, nosso país poderá ser mais atraente para investimentos externos.
Mas o apoio americano não saiugraça.
Em troca, o Brasil ofereceu retirar a exigênciavistoturista para americanos e abriu mão do tratamento diferenciado, como paísdesenvolvimento, nas negociações da Organização Mundial do Comércio, a OMC.
O tratamento diferenciado prevê benefícios para países emergentesnegociações com nações ricas. O Brasil tinha, por exemplo, mais prazo para cumprir determinações e margem maior para proteger produtos nacionais.
Abrir mão disso foi uma exigência do governo Trump para apoiar o Brasil na OCDE. Além do impacto direto nas futuras negociações comerciais brasileiras, essa decisão afetou a nossa relação com países dos BRICS- grupo formado por Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul.
Isso porque essas nações vão acabar sendo mais pressionadas a abrir, também, mão do tratamento diferenciado. E a Índia já está retaliando o Brasil.
"Na OMC, a Índia já vetou outro dia a nomeaçãoum embaixador brasileiro para negociar questões na áreapesca e foi um veto ligado exatamente a essa negociação entre Estados Unidos e Brasil pela entrada na OCDE", explica o professor Marco Vieira.
"Portanto, o Brasil está se isolando não só no contextoeconomias-chave na Europa e no acordo do Mercosul, mas também com parceiros do Sul global: as economias emergentes como a Índia."
Outro temor é que o Brasil tenha perdido aliados importantes na Europa para o seu pleitoentrada na OCDE.
"A reprovação das políticas internas do Brasil na área ambiental e outras áreas, comoproteçãominorias, vai ter um impacto claro na OCDE", opina Marco Vieira, da UniversidadeBirmingham.
"A ala liderada pela França, mais radical,tentar mudar o comportamento do governo brasileiro atravéssanções e boicotes, ganhou força com o discursoBolsonaro na ONU. O pleito brasileiro na OCDE pode ficar inviável, apesar do apoio dos Estados Unidos, porque a entrada precisa ser aprovada por consenso."
O embaixador Carlos Márcio Cozendey, representante do governo brasileiro na OCDE, discorda. Segundo ele, países europeus não retiraram, pelo menos por enquanto, o apoio ao Brasil.
"Nós não temos ainda nenhuma indicação nesse sentido. Ao contrário, continuamos a contar com o apoio da União Europeia nesse pleito e o fato é que a legislação e as políticas do Brasil são bastante convergentes com as da OCDE", disse à BBC News Brasil.
Boicotes a produtos nacionais
O setor produtivo brasileiro também é impactado pelas opçõespolítica externa. Desde que os incêndios e o aumento do desmatamento na Amazônia passaram a receber atenção mundial, algumas grandes marcas decidiram suspender a compramatéria-prima exportada pelo Brasil.
Foi o caso da gigante varejistafast-fashion H&M e da VF Corporation, multinacional têxtil americana que é dona das marcas Kiplin e Timberland.
Essas empresas suspenderam a compracouro vindo do Brasil após suspeitasque a expansão da pecuária seria uma das razões por trás dos incêndios ilegais na Amazônia. O Brasil já recebeu também pressãofundosinvestimento trilionários para que desse mais atenção à proteção da Amazônia.
Esses boicotes e alertas indicam que as empresas temem dano às suas marcas se estiverem associadasalguma forma ao Brasil.
Ou seja, as opçõespolítica externa do governo afetam não apenas a nossa relação oficial com outros países, mas também a forma como consumidores, empresas e o públicogeral enxergam o nosso país.
E as consequências positivas ou negativas vão alémacordos comerciais.
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