'Aflição com o futuro' e ‘mundo mais confuso’: o desempenho da economia no primeiro semestre do governo Bolsonaro:

Crédito, REUTERS/Ueslei Marcelino/File Photo

Legenda da foto, Governo e mercado financeiro reduziram as expectativas para o crescimento da economia brasileira2019

A expectativa do governo brasileiro éque o crescimento do PIB2019 sejacerca0,8%. Esse é o mesmo patamar hoje esperado pelo mercado financeiro, que começou o ano com uma previsão acima dos 2%, segundo o Relatório Focus do Banco Central.

Christopher Garman, diretor executivo para as Américas da Eurasia Group, diz que o maior risco político do Brasil hoje é exatamente a economia não recuperar patamares mais altoscrescimento até meados do ano que vem.

"Nos últimos cinco anos no Brasil, a política tem pautado a economia. Grandes eventos políticos pautam as expectativas: 'Dilma vai ganhar a reeleição ou não?', 'Vai ter impeachment ou não?', 'O que Temer pode fazer?' São exemplostemas que pautaram a economia. Hoje a economia é que vai pautar a política."

No cenáriouma economia ainda patinando no ano que vem, segundo Garman, pode haver uma pressão por medidas que vão no sentido contrário do ajuste fiscal prometido pelo governo.

"Existe uma expectativaque parte dessas reformas que estão sendo feitas se traduzamrecuperação econômica. Se a economia permanecer estagnada ao longo do ano que vem, a pressão no Congresso para medidasafrouxamento fiscal vai aumentar."

A BBC News Brasil entrevistou economistas para apontar os motivos da fraca atividade econômica no Brasil durante primeiro semestre e indicar as perspectivas para o resto do ano.

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, A guerra comercial entre Estados Unidos e China é a ameaça número um para a economia mundial, aponta relatório da Economist Intelligence Unit

O que o mundo tem a ver com isso

"Se o mundo vira, todo mundo é chacoalhado. Não dá para fugir desse ciclo mundial", resume a economista Silvia Matos, que coordena o Boletim Macro, do Ibre-FGV (Instituto BrasileiroEconomia).

Os desdobramentos da guerra comercial entre China e Estados Unidos são hoje o principal focoatenção dos economistastodo o mundo, exatamente pelo potencialafetarforma negativa o comércio global e, consequentemente, o crescimentocada país.

A preocupação aumentou com a divulgação,agosto,sinais desaceleração na economia mundial: a China viu a produção industrial cair,julho, para o ritmo mais lento17 anos e o PIB da Alemanha teve retração no segundo trimestre, devido à queda nas exportações.

A guerra comercial entre EUA e China, as duas maiores economias do mundo, é a ameaça número um para a economia mundial, segundo relatório da Economist Intelligence Unit (áreainteligência da revista britânica The Economist) que aponta os dez principais riscos para a atividade mundial.

"O comércio global pode diminuir, com efeitos para inflação, confiança empresarial, confiança do consumidor e,última análise, crescimento econômico", diz o relatório.

Silvia Matos explica que "um mundo mais confuso" atrapalha as perspectivascrescimento do Brasil.

"Tem que fazer um esforço muito maior para ter aqui uma agenda clara, estabilidaderegras, para trazer o dinheiro estrangeiro", diz. "Os investidores olham também a situação do mundo,muita incerteza, e fica mais difícil atraí-los num cenário externo mais conturbado. Sem saber muito o que vai acontecer, você arrisca menos."

O medo dos efeitos da guerra comercial traz uma dificuldade adicional para os paísesque a economia já estava patinando, como é o caso do Brasil.

E a economia brasileira também sofre os efeitos da crise econômica na Argentina, importante parceiro comercial do Brasil. O resultado das eleições argentinas,outubro, também afetará a relação com o Brasil e as trocas comerciais.

"Somos ainda muito dependentes da Argentina (nas exportações). Então ela contribuiu para maior fraqueza da economia", diz Silvia Matos.

Crédito, Presidência da República

Legenda da foto, Bolsonaro e Macrijunho, na Argentina: o país vizinho é um dos maiores parceiros comerciais do Brasil

A economista MonicaBolle, pesquisadora do Peterson Institute,Washington, lembra que havia uma aposta grandeque o Brasil conseguiria atrair forte investimento estrangeiro quando houvesse uma sinalizaçãoque a agendareformas iria caminhar.

"Mas não vimos isso acontecer. O investimento não vai vir para o Brasil porque o mundo está complicado. Em países como o Brasil, que estãosituação complicada a respeito da recuperação econômica esituação política não muito clara, isso tem espantado o investidor estrangeiro. Ele até enxerga oportunidade no Brasil, mas o tempo todo questiona se é o momentobotar dinheiro no país."

Sobre a crise diplomática gerada após a repercussão internacional das queimadas na Amazônia, MonicaBolle diz que, embora ainda não tenha tido um impacto direto na economia, "o riscoque venha a ter é grande".

"Se essas tensões diplomáticas escalarem, e escalarem a um ponto que países passemfato a boicotar, explicitamente ou implicitamente, produtos brasileiros, aí vamos sentir o baque. A economia está frágil, não estásituaçãoque consegue lidar com esse tipochoque bem."

O desempenho previsto para a economia brasileira2019 está bem abaixo dos mais4%crescimento previstos para os países emergentes pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) – puxado principalmente pelos países asiáticos. Ao mesmo tempo, estálinha com o 0,6%crescimento que se espera para a América Latina neste ano.

Em um relatório sobre o primeiro semestre do ano, o FMI destacou que houve uma queda "notável" na atividade econômicapaíses da América Latina. Entre os principais motivos, está o Brasil, onde, segundo a avaliação da instituição, a confiança se enfraqueceu devido à incerteza sobre a aprovaçãoreformas.

Crédito, Bombeiros MS

Legenda da foto, Queimadas no Brasil tiveram repercussão negativa no exterior

Primeiro semestre do novo governo

Embora o cenário externo assuste, os economistas concordam que as principais explicações para o desempenho da economia brasileira estão dentro do país.

Os brasileiros estão "aflitos com o futuro", na avaliaçãoMonicaBolle. Ela diz que o consumo está aquém do desejado, o que ajuda a explicar o nívelatividade no primeiro semestre deste ano.

"Havia uma ideiaque bastava ter um novo governo e um novo governo comprometido com reformas que isso seria suficiente para trazervolta confiança e investimento. Essa era a grande aposta no mercado. No fim, o que estamos vendo é que nada disso volta se você não tiver evidências clarasque os consumidores têm capacidadeconsumir", diz MonicaBolle.

Para a economista, é o comportamento do consumidor que determina,grande parte, se as empresas vão ter mais ou menos apetite para investir e, consequentemente, gerar mais ou menos empregos.

"Do lado do consumidor, a situação ainda está muito complicada. O desemprego está alto, o subemprego também está alto. Então, as vagas que foram criadas desde o início do ano são empregos mais precáriostermossegurança para o trabalhador e nada disso conspira a favorum consumidor com mais esperanças para o futuro. Pelo contrário. As pessoas no Brasil estão,modo geral, muito aflitas com o futuro. O consumo está reagindo muito pouco, e isso desincentiva investimento."

Depoiscinco mesesquedas consecutivas, o ÍndiceConfiança do Consumidor medido pela Fundação Getulio Vargas subiuagosto. O relatório aponta, contudo, que "apesar dos consumidores apostaremuma melhora da situação financeira das famílias nos próximos meses, o ímpeto para consumir continua diminuindo, mostrando que consumidorestodas as classesrenda estão cautelosos".

`Zero a zero`

Wilber Colmerauer, sócio-fundador da consultoria financeira EM Funding,Londres, usa a expressão "zero a zero" para descrever a situação da economia brasileira e o ânimo dos investidores.

"Se você olhar os agentes econômicos, está tudo muito ainda no zero a zero. Não tem um entusiasmo", afirmou.

Crédito, Bianca Gens/Divulgação FGV

Legenda da foto, Silvia Matos diz que é essencial uma recuperação do investimento para que o Brasil volte a crescerforma consistente

Silvia Matos diz que o cenário é"semi-estagnação", mas que há alguns aspectos positivos na economia brasileira.

"Tem algumas coisas que fazem a roda girar: emprego informal, algum consumo. Mas vai dizer que a economia está maravilhosa? Não. O investimento será o patinho feio do ano, vai crescer muito pouco. E é essencial que o investimento volteforma consistente."

Já Colmerauer diz que o Brasil passa "a mais lenta recuperaçãouma crise econômica da história do Brasil", mas também destaca que há sinais positivos, como "alguma melhoraperspectivafunção da aprovação da reforma da Previdência" na Câmara e "inflação sob controle".

"Não é suficiente pra resolver tudo, mas tem pequena doseotimismo", diz.

A inflação medida pelo Índice NacionalPreços ao Consumidor Amplo (IPCA) ficou0,19%julho, segundo o IBGE. Apesaruma pequena aceleraçãorelação ao mês anterior, foi a menor taxa para o mêsjulho desde 2014.

Ajuste fiscal

Colmerauer lembra que a equipe econômica do governo mudou o discursorelação ao tempo para recuperação da economia.

"Primeiro, eles deram sensaçãoque as coisas poderiam acontecer no curto prazo, mas agora estão mudando o discurso", disse.

Para MonicaBolle, "a chanceo Brasil sair desse atoleiro no curto prazo, ou mesmoum médio prazo,2 anos, é muito pequena".

Crédito, Divulgação

Legenda da foto, 'As pessoas no Brasil estão,modo geral, muito aflitas com o futuro', diz a economista MonicaBolle

Ela defende que a atual equipe econômica tem uma "preocupação excessiva com o médio prazodetrimento do curto".

"Estamos vendo acontecer no governo Bolsonaro uma coisa muito parecida com o que a gente via acontecer no governo (Michel) Temer. Existe uma preocupação corretafazer reformas que vão ter efeitos fiscais e outros efeitos na competitividade, na produtividade, no médio prazo. São reformas que vão começar a ter impacto na economia daqui três, quatro, cinco anos. Mas a gente não está vendo nadatermosestratégia para o curto prazo."

Questionada sobre a liberaçãoparte dos recursos dos trabalhadores do FGTS, anunciada pelo governo, a economista diz que a medida "tem efeito muito temporário e não serve para reduzir desemprego", portanto não é suficiente, segundo ela, para "girar o motor da economia".

"Poderíamos, quem sabe, usar um pedaço das nossas reservas excedentes para criar um espaço fiscal agora que pudesse ser utilizado para medidasestímulo quefato tenham repercussões mais fortes sobre o mercadotrabalho, sobre o desemprego e que,fato, ajudem as pessoas a olhar para o momento atual delas e para o futuro com mais otimismo do que olham hoje. Esse tipodiscussão, não estamos vendo acontecer dentro do governo", diz Monica, que também fez críticas à política econômicaoutros governos, especialmente oDilma Rousseff.

A equipe do ministro Paulo Guedes tem dito que medidas tomadas no passado levaram o Brasil a uma situação fiscal crítica e que hoje não há espaço para investimentos públicos. O secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, afirmou que, mesmo com "tudo dando certo" no ajuste fiscal, o Brasil só deve voltar a ter superávit nas contas públicas2023.

A professoraeconomia da UniversidadeBrasília MariaLourdes Mollo, que defende uma participação maior do Estado na economia, critica a faltaestímulos ao consumo.

"Há quanto tempo a gente está escutando issoo governo pedir paciência (para a economia melhorar)? Se você olhar os jornais antigos, você vai ver 'ah, a confiança vai aumentar porque o governo está fazendo o devercasa'. É uma 'fada da confiança' que não está funcionando."

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