DecisãoToffoli sobre Coaf paralisa investigações sobre PCC, diz procurador-geralJustiçaSP:

Gianpaolo Smanio

Crédito, Gilberto Marques/Governo do EstadoSP

Legenda da foto, Procurador-geralJustiçaSP diz que terá que suspender investigações que envolvem lavagemdinheiro por integrantesorganizações criminosas como o PCC

A partir desses dados iniciaismovimentações e saques suspeitos, os procuradores pedem as quebras dos sigilos bancáriosintegrantesquadrilhas e tentam paralisar e reaver o dinheiro. Um esforço que, segundo o procurador, precisa ser rápido para impedir que os recursos saiam do radar.

A estratégia"secar a fonte" do financiamentogrupos criminosos é vista como essencial pelo Ministério Público na redução da criminalidade.

O ministro da Justiça, Sergio Moro, também já defendeu diversas vezes o trabalho conjunto entre Coaf e Ministério Público no combate à lavagemdinheiro e no "sufocamento"organizações criminosas.

Dias Toffoli

Crédito, Rosinei Coutinho/SCO/STF

Legenda da foto, Ao decidir sobre pedido do senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente Jair Bolsonaro, presidente do STF mandou paralisar todas as investigações iniciadas a partir do Coaf

"As investigações do PCC serão afetadas, com certeza. A gente utiliza dados da circulação bancáriamuitos indivíduos para iniciar uma investigação que verifique se a pessoa está usando dinheiro para lavar recursos do crime organizado", disse o procurador-geralJustiçaSP.

Em 2006, quando o Primeiro Comando da Capital (PCC) promoveu uma sérieataquesSão Paulo, o Coaf produziu um relatório a pedido das autoridades paulistas, apontando movimentaçãoao menos R$ 36,6 milhões entre novembro2005 e setembro2006contas bancáriascentenaspessoas que seriam ligadas à facção criminosa.

Desde então, investigações semelhantes se utilizamdados do Coaf para identificar integrantes do PCC e tentar sufocar recursos do grupo criminoso.

O efeito cascata da decisãoToffoli

A decisão do presidente do Supremo ocorreu na análiseum pedido do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) para que um inquérito que corre contra ele no Ministério Público do RioJaneiro fosse paralisado.

Flávio Bolsonaro argumentou que o Coaf não poderia ter compartilhadoinformações com os promotores sem prévia autorização judicial.

O presidente do STF decidiu então suspender por liminar (decisão provisória) todas as investigações iniciadas a partircompartilhamentos desse tipo até que o Supremo julgue um recurso com repercussão geral sobre esse tema, o que está previsto para novembro.

Flávio Bolsonaro

Crédito, EPA/Joedson Alves

Legenda da foto, Operações bancárias suspeitasassessoresFlávio Bolsonaro, identificadas pelo Coaf, geraram a aberturauma investigação pelo Ministério Público do RJ

Ou seja, a decisãoToffoli impacta todas as investigações iniciadas com dados do Coaf. E se os demais ministros decidirem,novembro, que o compartilhamentodados é inconstitucional, isso pode abrir caminho para a anulaçãoprocessos.

O advogado criminalista Márcio Delambert disse, por exemplo, que a decisãoToffoli deve afetar a Operação Furna da Onça, desdobramento da Operação Lava Jato no RioJaneiro. Essa operação investiga, com auxiliodados do Coaf, se parlamentares da Assembleia Legislativa do RioJaneiro (Alerj) receberam propinatrocaapoio ao governoSérgio Cabral (PMDB-RJ).

"Terá efeitooutros processos, sim. Inclusive esse caso do Flávio Bolsonaro se originou da Operação Furna da Onça. Mantendo a logica da decisão, ela vai se refletir na Furna da Onça", afirmou Delambert.

Ele é advogadoSérgio Cabral e está analisando se entrará com pedido para paralisar processos contra o ex-governador com base na decisãoToffoli. "Estou analisando os casosque houve usodados sem autorização judicial. Naqueles que eu identificar isso, vou entrar (com pedidoparalisação", disse à BBC News Brasil.

'Crime não espera'

O procurador-geralJustiçaSP afirmou que o Ministério Público do EstadoSP já pretende paralisar todas as investigações que se iniciaram com baseinformações do Coaf. Ainda não há levantamentoquantos casos serão afetados.

Mas Smanio também criou um grupotrabalho no Ministério PúblicoSão Paulo para "levar subsídios ao STF para tentar reverter a decisão do ministro".

"Já houve a determinação do Supremosuspensão, então as investigações têm que ser paralisadas", disse. Segundo ele, é possível que essas suspensões tenham impacto negativo sobre a criminalidadeSão Paulo.

Se a decisãoToffoli não for revista antes, os casos só poderão ser retomados quando o plenário do Supremo decidir se é ou não constitucional o compartilhamentodados do Coaf com o Ministério Público, sem autorização judicial prévia.

"Para investigaçõescolarinho branco, tráficodrogas e relacionadas ao PCC, quatro meses é tempo demais. É importante termos essa informação do descompasso da circulação da moeda para trabalhar no sufocamento do financiamento do crime, para impedir o dinheirocircular", afirmou.

"Fica difícil o combate ao crime, se a gente não cortatempo hábil o financiamento que a criminalidade traz."

Dados do Coaf são quebrasigilo?

A questãofundo na ação movida pelo senador Flávio Bolsonaro é se a obtenção e compartilhamentodados obtidos pelo Coaf, relativos a movimentações financeiras, configura ou não quebrasigilo.

O Coaf foi criado1998 seguindo uma tendência mundial, a partir do entendimentodiversos países da necessidadeuma entidade que faça o meiocampo entre instituições financeiras e lojasitensluxo (que podem identificar transações suspeitas) e órgãosinvestigação como o Ministério Público e as polícias (que não têm a linguagem do sistema financeiro).

itens apreendidos

Crédito, Polícia Federal

Legenda da foto, Desde 1998, bancos, joalherias e lojasluxo precisam informar o Coaf sobre compras que envolvam altas somasdinheiro

As instituições que registram operações vultosas - como bancos, corretoras, joalherias, concessionáriasautomóveis e até empresas que agenciam atletas - foram então obrigadas legalmente a enviar informações ao Coaf sempre que detectarem transações altasdinheiro vivo ou movimentações com indíciosirregularidades. Caso não façam isso, podem perder a autorização para operar e pagar multaaté R$ 20 milhões.

A partir dos dados recebidos eletronicamente, os servidores analisam as informações e produzem relatórios caso identifiquem indíciosilegalidade - esses documentos são enviados para outros órgãos, como Receita Federal, Ministério Público e polícias. Parte dos relatórios são produzidos por iniciativa dos próprios servidores, 70% são elaborados a partir do pedido órgãosinvestigação.

Atualmente, o Ministério Público pode, por exemplo, pedir ao Coaf relatórios sobre pessoas suspeitasintegrar o PCC, para verificar se,fato, há indíciosmovimentações que apontem para lavagemdinheiro provenienteatividades criminosas.

O ministro do STF Marco Aurélio Mello disse à BBC News Brasil que, na visão dele, só uma decisão judicial poderia permitir o compartilhamento desse tipoinformação.

"Eu tenho votado nesse sentido: só quem pode afastar a privacidade - e nós estamos aí a cogitar dados econômicos, financeiros, do cidadão Flávio Bolsonaro - é o Judiciário"

O professorDireito Penal da UniversidadeSão Paulo Alamiro Velludo Salvador Netto diz que esse compartilhamentodados sem autorização judicial é, na visão dele, uma violaçãogarantiassigilo previstas na Constituição.

"É natural que as ações que tiveram início com dados do Coaf sejam todas paralisadas, porque pode ser que,novembro, prevaleça a visãoToffoli e aí todos esses processos e investigações serão anulados", disse.

"O argumentoque essa paralisação atinge investigações do PCC é sofista. Não é porque é o PCC que os seus integrantes devem ser tratados diferenciadamente. Não pode haver tratamento diferenciado dependendo do cidadão."

Para Velludo Salvador Neto, o Coaf só poderia fornecer informações genéricas, como nome da pessoa suspeita e volume totalrecursos movimentados que seriam atípicos. A partir desses dados, o Ministério Público teria, então, que pedir a quebrasigilo bancário ao juiz e proceder, a partir daí, a uma análise das movimentações.

Perguntado se esse procedimento não retardaria as investigações a ponto de, eventualmente, inviabilizar o bloqueiorecursos usados para lavagemdinheiro, o professor disse:

"Não acho que o comprometimento é grande suficiente para justificar a quebrasigilos do cidadão. A Constituição dá garantiasface do poder do Estado. Será quenome da celeridade, vale romper com o sistema jurídico?"

Meioprova vs. prova

Mas, para o procurador-geralJustiçaSão Paulo, não há inconstitucionalidade no compartilhamentoinformações. Segundo ele, os dados do Coaf servemalerta para iniciar investigações, não seriam provas obtidas sem autorização judicial.

"Parece que está havendo uma confusão entre o que é meioprova e o que é prova. As informações do Coaf são um meioprova. É um sistemaalerta. A partir dos indícios que elas trazem, nós pedimos autorizações para quebrar sigilos", disse.

Para ele, exigir autorização judicial para o compartilhamentoinformações "burocratiza" e "inviabiliza" o congelamentorecursosorganizações criminosastempo hábil.

"Os informes do Coaf, regulados por lei, devem ter como característica a celeridade, uma vez que a movimentaçãocapitais ocorrevelocidade impressionante no Brasil e no mundo", argumentou.

"Em nosso entendimento, a lei e a Constituição não exigem autorização judicial para que o Coaf compartilhe informações. A quebrasigilo para produçãoprova, essa sim, careceautorização judicial."

Línea

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